Nos artigos sobre a aplicação dos princípios éticos à vida em sociedade (Racionalidade, Independência, Honestidade, Produtividade) foi demonstrado que cada um deles identifica uma certa forma de se relacionar com o próximo como a mais vantajosa para o indivíduo. Mais uma vez, por ser derivada da natureza do homem, esta orientação é valida para qualquer pessoa, em qualquer contexto – embora as ações particulares que os princípios indicarão dependam do contexto de cada um.
Estas afirmações são muito mais contundentes do que podem parecer. Como as circunstâncias particulares da vida de cada um variam quase ao infinito, a contextualidade dos princípios pode parecer fazer com que seja impossível derivar deles regras absolutas, aplicáveis a qualquer contexto. Não é o caso.
Para exercer a Razão, é necessário observar a realidade, integrar as percepções em conceitos, entender a relação causal entre as coisas e, finalmente, agir com base neste entendimento. Só então é possível agir de maneira a atingir um determinado objetivo – sem compreender a causalidade que existe em um dado contexto é impossível prever os resultados das próprias ações.
Percebe-se que o exercício da Razão só é possível quando o indivíduo pode observar a realidade, pensar e agir de acordo com seu entendimento. Se o indivíduo é impedido de perceber a realidade ou de agir conforme indica seu entendimento, exercer a Razão em sua vida é impossível.
A Razão, exercida individualmente (conforme o princípio da Independência) e com base na realidade (conforme o princípio da Honestidade) é condição essencial para a vida de um ser racional.
Para exercer a Produtividade, é necessário determinar pela Razão suas próprias necessidades e como supri-las. Como a existência humana é uma existência material, é preciso criar os produtos materiais necessários ao suprimento destas necessidades. Os produtos materiais criados precisam então ser usados para suprir as necessidades identificadas.
Percebe-se que o exercício da Produtividade só é possível quando o indivíduo pode observar a si mesmo e determinar suas necessidades. Só é possível quando o indivíduo pode agir de acordo com seu entendimento para produzir aquilo de material que julga necessário à própria vida. Só é possível quando ele pode usar aquilo que produziu para os fins que determinou. Se o indivíduo é impedido de produzir, ou de usar o que produziu, exercer a Produtividade em sua vida é impossível.
A Produtividade, exercida individualmente e com base no entendimento racional do indivíduo sobre o que sua vida requer e sobre como obtê-lo, é condição essencial para a vida material de um ser racional.
Há, portanto, três formas de tornar impossível que uma pessoa viva sua vida como um ser racional. A primeira, e mais óbvia, é destruir sua vida diretamente. Matá-la. A segunda é impossibilitar que ela viva pela Produtividade. Isto só pode ser feito impedindo-a de produzir ou impedindo-a de usar aquilo que produziu. A terceira é impossibilitar que ela viva pela Racionalidade. Isto só se pode fazer impedindo-a de perceber a realidade ou de agir conforme seu entendimento e decisão.
É fundamental notar que para tornar impossível que alguém viva sua vida como um ser racional, é preciso que outro aja. A única forma de destruir diretamente uma vida é agir contra ela. A única forma de impossibilitar a Produtividade é agir contra a capacidade de produzir ou contra o produto em si. A única forma de impossibilitar a vida conforme a Racionalidade é agir de modo a impedir a ação alheia. Como pessoas são seres independentes, isto não poderia deixar de ser. Sem a interferência de outro, é sempre possível viver para um ser racional.
Ao estado em que existe um indivíduo quando não existem outros impedindo sua vida, exercício da Racionalidade (e seus corolários Independência e Honestidade) e exercício da Produtividade, chamamos Liberdade. Liberdade é a ausência de impedimentos à Razão, ação produtiva e vida do indivíduo.
Há outra identificação fundamental a ser feita. Só há um meio de impedir a vida, o exercício da Razão ou da Produtividade. Este meio é o uso da força física.
- A única forma de destruir diretamente a vida é assaltar fisicamente o corpo do indivíduo.
- A única forma de impedir o exercício da Produtividade é tomar fisicamente os produtos materiais do indivíduo.
- As únicas formas de impedir que o indivíduo aja de acordo com a Razão são restringir fisicamente seu corpo ou ameaçar fisicamente seu corpo ou os produtos de seu trabalho.
A única maneira de impedir que outra pessoa viva como ser racional é, portanto, tirar sua liberdade. E a única forma de fazê-lo é o uso direto ou indireto da força física. Agir fisicamente contra o outro ou ameaçar fisicamente sua vida ou os produtos de seu trabalho.
Ao aplicar o princípio da Racionalidade já havia sido percebido que há apenas duas formas de interagir com outras pessoas: a persuasão e a força. O princípio – que a razão é a nossa ferramenta de sobrevivência a ser usada em todo contexto – já indicava ser a persuasão o caminho correto. Estas novas identificações mostram que a alternativa, a força, além de representar a falha em viver como um ser racional, impede outras pessoas de fazê-lo.
Fica claro que o uso da força e da ameaça física no convívio em sociedade é abominável. Representa o abandono da Racionalidade pelo que o pratica, o que necessariamente significa prejuízo a sua própria vida, e impede a Racionalidade e Produtividade das vítimas. Estes dois aspectos são causa e conseqüência. Ao impedir a vida de outros, aquele que escolhe usar a força se priva de todos os benefícios que eles poderiam lhe trazer – desde oportunidades para aumentar sua riqueza material até os benefícios do relacionamento pessoal de amizade ou romântico.
A estas três condições necessárias e suficientes à vida da pessoa como ser racional, que quando presentes caracterizam a Liberdade e que só podem ser retiradas pelo uso da força física, chamamos Direitos. Direitos são as condições necessárias e suficientes para a vida como ser racional em sociedade, dadas estas simples condições, o indivíduo vive em completa liberdade – mesmo em meio à maior multidão que se possa imaginar.
Os verdadeiros direitos são apenas os três indicados. São eles:
- O Direito à Vida é o direito de não ser morto por outro;
- O Direito à Propriedade é o direito de não ter os produtos de seu trabalho tomados;
- O Direito à Liberdade é o direito de não ser fisicamente restrito e de não ter sua vida e propriedade ameaçados.
Como estes direitos são derivados da natureza humana, são características de cada indivíduo. Mesmo que tenham seus direitos constantemente violados, mesmo que não reconheçam seus próprios direitos, todos os têm – por serem indivíduos dotados da faculdade da razão.
Tanto são estes direitos parte da natureza do homem que foram identificados intuitivamente mesmo antes que a explicação racional, aqui apresentada, fosse identificada. Thomas Hobbes, já em 1650, identificou estes direitos e os chamou de “Direitos Naturais”. Embora sua explicação para sua validade não fosse a correta, o termo é válido. Estes três direitos são realmente conseqüência necessária da natureza humana.
Embora os “Direitos Naturais” tenham sido objeto de pensamento e conjectura por um longo período, por figuras brilhantes tais como John Locke e Thomas Jefferson, coube a Ayn Rand finalmente identificar a explicação racional para sua existência – aqui apresentada – firmando finalmente a Ética sobre os pilares inabaláveis de fatos e Razão.
Cabe, por fim, uma consideração final fundamental sobre o uso da força. Está claro que o uso da força destrói a possibilidade de viver como ser racional em sociedade – tanto para quem o pratica quanto para quem é vitimado. Mas esta verdade foi estabelecida no contexto da relação entre indivíduos até então racionais.
Usar a força é abominável porque destrói a possibilidade de viver pela Razão. Isto significa que quando já não é possível viver pela Razão, o uso da força já não possui restrição. Em outras palavras, quando alguém se vê vítima da força, é completamente apropriado que responda da mesma forma. Ou ainda em outras palavras, quando alguém inicia o uso da força em uma relação humana abre mão de seus direitos – os direitos são a garantia de poder viver conforme a razão, mas esta pessoa já optou por não fazê-lo.
Para os indivíduos racionais, que têm sua própria vida como valor máximo, que convivem com seus pares através da Racionalidade, Independência, Honestidade e Produtividade, é não apenas aceitável, mas moralmente mandatório, se defender pela força quando seu uso é iniciado por outro contra eles.
À violação de um direito, o que só pode ser feito pela força, chama-se Crime. À reação contra um crime – mesmo que pela força – chamamos Legítima Defesa.