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30 junho, 2006

A "Origem" do Universo

Qual a origem do Universo? Esta é provavelmente a questão metafísica mais discutida em todos os tempos. Há respostas teológicas, respostas científicas, qual a resposta filosófica racional?

Existir é possuir identidade. Algo que surge espontaneamente do nada é uma violação da identidade, assim como algo que simplesmente deixasse de existir. Qualquer teoria sobre a origem do Universo que se baseia no aparecimento de algo a partir do nada é, portanto, irracional. Notem que a concepção mais difundida do “Big Bang” é um exemplo de uma teoria irracional. A idéia que o nada explodiu criando alguma coisa é absurda.

É evidente que muito estudo científico fundamenta o “Big Bang”. Medidas do movimento relativo das galáxias, por exemplo, indicam que elas estão se afastando. Pode-se deduzir que no passado elas estiveram mais próximas. A idéia que houve uma explosão de escala universal não é em si o problema. É a criação de algo a partir do nada que é metafisicamente impossível. Se houve “Big Bang”, alguma coisa explodiu.

As respostas teológicas à questão são derrotadas pela própria metafísica racional: a precedência da existência. “Quem criou o universo?” é uma pergunta inválida, pois ela já contém uma contradição. O Universo é o conjunto de tudo o que existe, para “alguém” ser capaz de criar algo é preciso primeiro que “alguém” exista. Fica evidente que o Universo, como inclui tudo o que existe, não pode ter sido criado. A existência é primária.

Se é impossível o algo surgir do nada, se é impossível ter consciência sem existência, a resposta para a pergunta “Qual a origem do Universo” só pode ser uma: o Universo não tem origem, nem pode ter. Tudo que existe faz parte do Universo, a causalidade é válida entre elementos da existência – o conjunto não pode ter causa, ele contém todas as causas. O Universo simplesmente existe.

A realidade

Alguém que tentasse viver consistentemente pela precedência da consciência perceberia que isto é impossível. Ao sentir fome esta pessoa suplicaria a deus para que sua fome passasse, ou ficaria repetindo em sua mente “Não estou com fome, não estou com fome, não estou com fome” ou ainda sairia pelas ruas tentando convencer uma quantidade suficiente de outras pessoas que ela não está com fome. O resultado prático é que esta pessoa logo estaria morta.

Quando se busca comida para saciar a fome, o reconhecimento da existência como primária está implícito. Está implícito o reconhecimento de que seu corpo é real e que por sua natureza requer alimento, está implícito que para obter alimento é preciso agir e não apenas desejar.

A precedência da existência é a teoria metafísica pela qual a existência é primária. As coisas existem, a consciência é uma característica de certas coisas que existem. Existir é possuir identidade. Um tijolo existe, existe como tijolo e se comporta de acordo com sua identidade. Um tijolo não se transforma em uma abóbora, não se move sem ser empurrado, não escorre nem se mistura com o ar – não contraria sua identidade. A formulação de Aristóteles para a lei da identidade é simples e clara: A é A. Tudo o que existe possui identidade, não se poder ser uma coisa e ao mesmo tempo outra.

A primeira objeção que os místicos fazem é que as coisas se transformam. Um bloco de gelo derrete e se torna água, que evapora e se mistura com o ar. Esta objeção é, na verdade, um tributo à existência. A metafísica da existência não diz que as coisas precisam ser simples, nem que elas são imutáveis – a natureza da água é que ela se solidifica a uma certa temperatura e se liquefaz em outra, que ela quando sólida ocupa mais espaço que quando líquida, que ela é composta de certos átomos que se separam quando se faz passar por ela uma corrente elétrica. No entanto água é água. A água não se solidifica quando aquecida nem se torna opaca, não se transforma em ferro nem em um girassol, não é composta de hidrogênio e oxigênio hoje e de ferro e cálcio amanhã. A água sempre age de acordo com sua natureza: A é A.

Se tudo o que existe sempre age de acordo com sua natureza isto significa que toda transformação tem uma causa. Algo que se transformasse sem causa seria algo cuja natureza não possui identidade: pode nas mesmas condições ser A ou B. A causalidade é portanto conseqüência direta da identidade e conseqüência inseparável da existência.

A precedência da existência significa que se você deseja algum efeito, é preciso gerar suas causas. Se quer matar a fome tem que comer, se quer curar uma doença tem que eliminar sua causa.

Além de identificar a precedência da existência através da percepção direta, pode se demonstrar logicamente que esta é a teoria racional. A precedência da existência é axiomática. Um axioma é uma proposição que não pode ser negada. Para propor um argumento é preciso primeiro existir, negando assim qualquer argumento contra a precedência da existência de maneira irrefutável.

Sonho? Ilusão coletiva?

A Metafísica é o estudo da existência em si: do que é a existência, do que existe e de suas propriedades. Nosso mundo é o sonho de um deus adormecido? É uma ilusão? É o parque de diversões de forças incompreensíveis? É algo moldado pelo pensamento de todos nós? É um universo frio e insensível? Todas estas são teorias metafísicas, tentativas de explicar o que existe ou negar a existência.

Teorias metafísicas podem ser agrupadas em duas grandes classes: precedência da consciência e precedência da existência. A precedência da consciência é a idéia de que a consciência é primária, que a realidade é criada por uma consciência superior, ou é uma ilusão coletiva, ou é moldada pelo pensamento de cada um, ou da sociedade.

Toda religião tem uma metafísica implícita, esta metafísica em geral é a da precedência da consciência – o ponto de partida da existência é a consciência de deus e a realidade é sua criação. Não se pergunta a natureza desta consciência, ela simplesmente é – é primária. Há religiões onde a consciência primária se limitou a criar o universo e agora se contenta em assistir, outras dizem que sua interação com o universo é constante.

Também é um exemplo da precedência da consciência a idéia que a realidade é definida pelo pensamento de cada pessoa. Neste caso, cada um tem sua realidade – definida por sua própria consciência. Esta é a metafísica implícita quando se diz “Isto pode ser verdade para você, mas não é para mim”. Outra forma desta teoria metafísica é que a realidade é moldada por um conjunto de pessoas. A realidade é aquilo que muita gente, ou a maioria, acredita. Um ditado popular americano ilustra bem esta metafísica: “Se uma árvore cai na floresta e não há ninguém por perto, ela faz barulho?”

Em todas as versões da precedência da consciência a realidade é maleável, sujeita às vontades de uma divindade, de cada pessoa ou da sociedade. A conseqüência prática desta metafísica é que pessoas tentam influenciar a realidade através de orações, “pensamento positivo” ou tentam descobrir coisas sobre a realidade através de pesquisas de opinião.

A precedência da consciência é a teoria metafísica mais difundida explicitamente devido à religião, no entanto já vimos que é possível ter uma filosofia implícita conflitante com aquilo que se pensa conscientemente. Neste caso isto é uma boa coisa: é impossível viver sem reconhecer a precedência da existência.