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20 maio, 2008

Anti-conceito: Sustentabilidade

Além do artifício de roubar palavras, uma das artimanhas intelectuais favoritas de esquerdistas e, nos tempos mais recentes, ambientalistas é o anti-conceito. Enquanto ao roubar palavras usa-se uma palavra para dizer o contrário daquilo que ela significa, no anti-conceito cria-se um conceito inválido que em si já destrói qualquer possibilidade de discussão racional sobre o assunto.

O anti-conceito “Sustentabilidade”
Como diz a célebre frase de Lavoisier, na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Vivemos em um planeta finito, escolha qualquer material que quiser – a quantidade que existe na Terra é limitada. Não se cria algo a partir do nada.

Por outro lado, é impossível destruir a matéria. Nada do que se consome é de fato consumido. Todos os materiais continuam lá, embora em outras formas. Estas formas podem nos ser menos úteis, mas os materiais ainda existem.

Por um lado, portanto, nada é “sustentável” já que tudo o que existe na Terra existe em uma quantidade finita (embora possamos não conhecê-la no momento). Por outro, absolutamente tudo é “sustentável” pois somos incapazes de criar ou destruir matéria.

Então o que diabos quer dizer “sustentabilidade”?

Para muitas das coisas que transformamos na natureza há meios conhecidos de retornar algumas das coisas transformadas a seu estado inicial. Se um processo industrial usa água para lavar alguma coisa, esta água pode depois ser filtrada e tratada quimicamente de forma a torná-la igual ao que era antes.

É a este tipo de ciclo fechado que ambientalistas se referem quando falam em “sustentabilidade”. Seu ideal é que toda a ação humana deixe o ambiente exatamente como era antes. Segundo seus argumentos, esta seria única forma de garantir a continuidade de nossa existência.

“Sustentabilidade” é impossível
Há vários problemas com a doutrina da “sustentabilidade”. Tudo o que existe faz parte do ambiente. Para ser completamente “sustentável”, uma dada ação teria de ter como resultado final a mesma situação atual. Ou seja, a única coisa rigorosamente “sustentável” é não fazer absolutamente nada.

Observando as ações das organizações ambientalistas, percebe-se que esta verdade está clara para elas. O ativismo ambientalista trata-se essencialmente de impedir que se façam coisas. Não derrubem florestas, não cacem, não pesquem, não construam hidrelétricas, não queimem gasolina, a lista é longa.

É evidente que o resultado final de seguir este princípio consistentemente é a inexistência do homem. Alguns ambientalistas são até honestos o suficiente para reconhecer que este é realmente seu ideal.

Mesmo que se tolere que o ambiente seja alterado temporariamente, ainda é impossível ser verdadeiramente “sustentável”. Se usarmos um filtro para limpar a água, de onde vem o filtro? Se usarmos um material reciclável para o filtro, com que construímos a máquina que o recicla? E o que fazemos com a sujeira que tiramos do filtro sujo?

Raízes do anti-conceito “Sustentabilidade”
Há três erros fundamentais e de princípio por trás da idéia de “sustentabilidade”.

O primeiro é a idéia que a natureza tem valor intrínseco, independente de seu valor para o homem. O conceito de “valor” é dependente da existência de um ser capaz de julgar. Para seres irracionais ou objetos inanimados não há valores, apenas fatos.

Uma maneira de deixar um ambientalista totalmente embasbacado é, ao ouvir o inevitável “precisamos salvar o mico-leão dourado” (ou a espécie ameaçada do momento) responder simplesmente “por quê?”.

O mais provável é ouvir uma resposta vaga sobre “biodiversidade” ou sobre utilidades que ainda não descobrimos. A realidade é que na maioria dos casos não há nenhum benefício real em preservar espécies em extinção. As espécies que nos são realmente úteis são as menos “ameaçadas” do planeta.

O segundo erro é não reconhecer que meio natural de sobrevivência do homem é alterar as coisas, adaptá-las a si. Ao tratar o homem como algo à parte da natureza, nos condenam por agir como temos de agir, por nossa natureza.

A natureza humana é a de indivíduos dotados de razão. Nosso meio de sobreviver é entender a natureza e alterá-la em nosso benefício. Condenar o homem por fazer isto é condenar o homem por viver, tão irracional quanto condenar uma bactéria por produzir gás carbônico ao decompor uma árvore caída na floresta.

O terceiro erro é a idéia que a capacidade humana é estática. Quando se fala em “sustentabilidade” sempre se está preocupado sobre se é possível continuar fazendo indefinidamente as coisas como fazemos hoje.

A realidade é que a vida humana é de constante progresso. Hoje é trivial fazer coisas que seriam “insustentáveis” cem anos atrás. Mas o progresso da capacidade humana de alterar a natureza depende da liberdade de usar hoje aquilo que temos hoje, da maneira mais produtiva que pudermos imaginar.

As três premissas acima estão implícitas no anti-conceito "sustentabilidade", é impossível uma discussão racional sobre a ação humana se esta idéia for admitida.

Isto significa então que devemos destruir tudo o que vemos pela frente como um enxame de gafanhotos? É claro que não. A ação humana é resultado do pensamendo racional. Pensar no longo prazo é algo fundamentalmente racional. Também não se pode admitir o dano à propriedade alheia.

A verdade é que existem inúmeros motivos racionais para usar com eficiência os recursos naturais, reaproveitar muitos dos materiais que usamos e garantir para nós mesmos um meio saudável e agradável para viver. Não é uma questão de "sustentabilidade" mas sim de tirar o maior proveito possível das coisas.

Um conceito válido para substituir um anti-conceito: Produtividade
Nada tem valor exceto em relação à vida do homem. Seres racionais são os únicos capazes de fazer juízos de valor e sua vida é a referência em relação à qual os valores são medidos.

A ação humana é capaz de transformar a natureza de formas menos úteis para formas mais úteis ao homem. Tal ação cria valor, pois os produtos beneficiam mais a vida do homem que os materiais de que são constituídos. A ação humana também é capaz de destruir valor, quando os produtos valem menos para o homem do que os materiais de que são constituídos.

Como, embora limitados, todos os materiais presentes na natureza são indestrutíveis (*), o único limite para a produção é nossa capacidade de transformar os materiais das formas em que os encontramos para a forma que desejamos.

O único limite real, portanto, é a capacidade humana. É o esforço humano. Quem realmente se preocupa com o bem da humanidade, ou seja, com o bem de cada um dos indivíduos que a compõe, deve se preocupar não com “sustentabilidade” mas com “produtividade”. Não com “preservação” mas com “produção”.

* Neste artigo foi desprezada a transformação de matéria em energia por ser irrelevante para todos os efeitos práticos.

28 março, 2008

Roubando palavras: Direitos humanos

Roubar palavras é a prática de corromper conceitos válidos, usando as palavras para confundir em vez de esclarecer. Quando uma palavra é usada para descrever algo que contradiz o conceito que aquela palavra representa, não só o diálogo se torna impossível como também o próprio pensamento racional.

Na sociedade há dois meios possíveis de interação: a razão e a força. Substituir a razão por mistificação só interessa a quem pretende impor a força. As esquerdas e os populistas usam palavras para provocar emoções, não para transmitir idéias. Isto lhes é necessário, pois a política que defendem é a imposição da força sobre o indivíduo. Ninguém aceitaria isto se entendesse o que está em jogo.

Roubar palavras é artifício constante no discurso esquerdista e populista, e deixa o adversário despreparado sem reação. Quem defende a liberdade precisa conhecer os artifícios de quem a pretende destruir.

O roubo da palavra Direito
O conceito de direitos é um conceito abstrato. Isto não significa que é um conceito vago ou que pode ter vários significados diferentes ao mesmo tempo. Significa que é um conceito que requer o desenvolvimento de uma longa cadeia de conceitos precedentes para ser corretamente compreendido. Conceitos abstratos são mais susceptíveis ao roubo de palavras.

Direito é um conceito político. Isto significa que é um conceito que se refere a como as pessoas interagem. Compreender o que significa “direito” requer entender a teoria política, o que por sua vez requer saber o que são e porque existem os direitos individuais.

Este texto não pretende desenvolver estes conceitos. Os artigos da série sobre direitos individuais apresentam este desenvolvimento. Aqui é suficiente observar que entender o que significa “direito” requer compreender vários outros conceitos abstratos e sua relação.

Há três direitos fundamentais que todo indivíduo possui, em virtude de sua natureza. Por ser um indivíduo dotado de razão, todo ser humano tem direito à vida, propriedade e liberdade.

Estes direitos não são garantias, são liberdades:

O direito à vida não é uma garantia de que a pessoa terá suas necessidades saciadas, apenas que estará livre da agressão de outros contra sua vida;

O direito à propriedade não é uma garantia de que a pessoa terá riquezas, apenas que estará livre da ameaça de que outros venham a tomá-la contra sua vontade;

O direito à liberdade não é uma garantia de que a pessoa poderá fazer o que quiser, apenas de que outros não a obrigarão a fazer nada.

O ponto fundamental sobre os direitos individuais é que por serem conseqüência da natureza humana todos os possuem igualmente – e como conseqüência os direitos de duas pessoas nunca estão em conflito.

Esta ausência de conflito entre os direitos das pessoas é decorrência do fato de que o direito de uma pessoa não impõe uma ação a outros – apenas requer que os outros não ajam de forma a agredi-lo:

O direito à vida de um não obriga o outro a alimentar, vestir ou abrigá-lo – apenas o proíbe de matá-lo;

O direito à propriedade de um não obriga o outro a lhe dar propriedade – apenas o proíbe de tirar dele o que ele já tem;

O direito à liberdade de um não obriga o outro a lhe ajudar – apenas o proíbe de ameaçá-lo fisicamente.

É evidente que as pessoas podem não matar, não roubar e não se ameaçar mutuamente sem nenhum conflito entre seus direitos.

O conceito de “direito” é roubado quando se usa esta palavra para representar seu oposto. Isto é feito através de anti-conceitos freqüentemente agrupados sob o título “direitos humanos”.

Este roubo se dá através da invenção de “direitos” positivos, ou seja, direitos que garantem algum bem ou serviço e não apenas a ausência de agressão. Alguns exemplos comuns são o “direito à educação”, o “direito à saúde”, o “direito à alimentação” entre tantos outros.

Um “direito à educação” não é uma liberdade, não se trata de algo inerente à natureza humana. Deixado completamente livre da interferência alheia o indivíduo não ganha educação automaticamente. Educação é resultado do trabalho – do próprio indivíduo que aprende e de alguém que o ensina.

O “direito à educação” de um, portanto, impõe a alguém o trabalho de educá-lo. Ao contrário dos verdadeiros direitos, este alguém terá de agir para respeitar o “direito” do próximo – não basta não agredi-lo.

Um “direito à saúde” é um caso análogo. Deixado completamente livre da interferência alheia o indivíduo não fica saudável automaticamente. Alguém precisa curá-lo das doenças que vier a ter. Saúde é resultado do trabalho de alguém.

O “direito à saúde” de um, portanto, impõe a alguém o trabalho de curá-lo quando adoece. Ao contrário dos verdadeiros direitos, este alguém terá de trabalhar para respeitar o “direito” do próximo – não basta não agredi-lo.

Vale observar que o direito à vida, este sim legítimo, proíbe um indivíduo de agredir a saúde de outro (envenenando-o, por exemplo). Mas não o obriga a curá-lo quando ele adoecer naturalmente ou como resultado de suas próprias ações.

Fica claro que estes “direitos” são o oposto dos legítimos. Enquanto os direitos legítimos permitem que cada um faça o que quiser, desde que não mate, roube ou ameace ninguém, estes “direitos” obrigam umas pessoas a servirem outras.

O conflito é evidente nos exemplos dados entre o direito à propriedade e o direito à liberdade e os falsos “direito à educação” e “direito à saúde”. Educação e saúde são resultados do trabalho de alguém, têm um custo. Ou se obriga alguém a pagar pela educação e saúde de quem não pode arcar com este custo, ou se obriga o educador e o profissional da saúde a servir de graça. No primeiro caso se viola o direito de propriedade, no segundo o direito à liberdade.

Em todo o mundo se faz ambas as coisas. O roubo da palavra “direito” foi tão eficaz que os falsos direitos são universalmente aceitos – e poucos se constrangem com o fato de que para garantir estas benesses os governos roubam e escravizam cidadãos inocentes através de impostos e regulamentação, violando assim seus verdadeiros direitos de seres humanos.

27 março, 2008

Roubando palavras: Propriedade pública

Roubar palavras é a prática de corromper conceitos válidos, usando as palavras para confundir em vez de esclarecer. Quando uma palavra é usada para descrever algo que contradiz o conceito que aquela palavra representa, não só o diálogo se torna impossível como também o próprio pensamento racional.

Na sociedade há dois meios possíveis de interação: a razão e a força. Substituir a razão por mistificação só interessa a quem pretende impor a força. As esquerdas e os populistas usam palavras para provocar emoções, não para transmitir idéias. Isto lhes é necessário, pois a política que defendem é a imposição da força sobre o indivíduo. Ninguém aceitaria isto se entendesse o que está em jogo.

Roubar palavras é artifício constante no discurso esquerdista e populista, e deixa o adversário despreparado sem reação. Quem defende a liberdade precisa conhecer os artifícios de quem a pretende destruir.

O roubo da palavra Propriedade
Propriedade é um conceito abstrato. Isto não significa de forma alguma que é um conceito vago ou que pode ter vários significados diferentes. Significa que é um conceito que requer o desenvolvimento de uma longa cadeia de conceitos precedentes para ser corretamente compreendido.

Conceitos abstratos são os mais susceptíveis ao roubo de palavras. Subverter um conceito com um baixo nível de abstração significa contrariar a realidade de maneira evidente, pois o interlocutor provavelmente conhece a definição objetiva daquele conceito.

Por outro lado, muitas pessoas não têm conhecimento de toda a cadeia indutiva que leva aos conceitos mais abstratos. Sabem o que significam “na prática”, mas não conseguem defini-los com rigor. Nestes casos, é fácil usar a palavra que conhecem e associam implicitamente com este sentimento – para dizer algo completamente diferente.

Propriedade é um conceito político. Isto significa que é um conceito que se refere a como as pessoas interagem. Compreender o que significa “propriedade” requer entender a teoria política, o que por sua vez requer saber o que são e porque existem os direitos individuais.

Neste texto não se pretende desenvolver estes conceitos. O artigo “Ética e direitos” e os subseqüentes abordam esta questão. Aqui é suficiente demonstrar que entender o conceito “propriedade” requer conhecer diversos outros conceitos abstratos e sua relação.

Ter propriedade sobre alguma coisa significa deter o total controle sobre o uso daquilo. O direito à propriedade é o direito de controlar totalmente aquilo que se produz com o próprio trabalho. Quando alguém diz “isto é meu”, está dizendo “posso fazer o que eu quiser com isto sem pedir permissão a ninguém”.

É fácil ver que o conceito de propriedade é, por definição, exclusivo. Se duas pessoas fazem uma sociedade e abrem uma empresa, nenhuma das duas é dona da empresa. Cada uma delas separadamente não pode dizer “eu sou dono desta empresa”, teria de dizer “eu sou dono de uma participação de 50% desta empresa”. Há vários pontos interessantes que este exemplo permite identificar.

Não seria correto dizer “sou dono de 50% desta empresa” ou “sou dono de metade desta empresa”, seria necessário perguntar: qual metade? Ao formarem a sociedade, os participantes definem termos a que se submetem. Definem que direitos sua participação lhes confere na administração do negócio, nos lucros e nos ativos.

Ao dizer “sou dono de uma participação de 50% desta empresa”, está se dizendo “posso fazer o que quiser com um título que me dá o direito a 50% do capital desta empresa, nos termos do contrato que formou a sociedade”. O sócio pode vender sua participação nos termos que quiser – mas ele não pode vender uma máquina qualquer e depois dizer “esta fazia parte da minha metade”.

Isto demonstra que o conceito exclusivo de propriedade não é incompatível com as inúmeras situações que conhecemos de propriedade partilhada.

O conceito “propriedade” é roubado quando se usa esta palavra para representar seu oposto. Isto é feito através do anti-conceito “propriedade pública”.

Ao contrário de uma sociedade ou outra forma de propriedade compartilhada, no caso da “propriedade pública” cada um dos supostos “donos” não tem o direito de fazer o que quiser com nenhuma parte daquele bem. Como exemplo, vamos usar as ruas.

Se você mora em um condomínio fechado, a rua da sua casa é “propriedade particular”. Você não é dono de sua rua, nem da parte que está exatamente em frente à sua casa. Mas é dono de uma participação no condomínio.

Você só pode vender sua participação no condomínio vendendo também sua casa – mas isto é apenas parte dos termos do contrato que você assinou ao comprar sua casa ou terreno. Se você não gosta daquele condomínio, pode se mudar para outro que prefira. Este é o uso correto do conceito propriedade.

Já se você não mora em condomínio fechado, a rua de sua casa é “propriedade pública”. Você não é dono da sua rua e, neste caso, não pode vender “sua” parte nela. Embora as palavras “propriedade pública” impliquem que todos são donos daquele bem, a verdade é que nenhum cidadão tem real propriedade – poder de fazer o que quiser – com aquela rua, nem com qualquer parte dela.

Quem tem a prerrogativa de dispor da "propriedade pública", na realidade, é o governo. É o governo que pode livremente dispor dela e é o governo que determina sua alienação ou condições de uso. O nome correto para "propriedade pública" é propriedade governamental, pois é o governo que tem total controle sobre seu uso.

Para combater a deturpação é preciso chamar as coisas pelo nome correto. Da próxima vez que ouvir que algo é "propriedade pública", não hesite, diga: "então quero vender minha parte". Se você não pode fazer isto, trata-se na verdade de propriedade do governo!

25 março, 2008

Roubando palavras: Responsabilidade social

Roubar palavras é a prática de corromper conceitos válidos, usando as palavras para confundir em vez de esclarecer. Quando uma palavra é usada para descrever algo que contradiz o conceito que aquela palavra representa, não só o diálogo se torna impossível como também o próprio pensamento racional.

Na sociedade há dois meios possíveis de interação: a razão e a força. Substituir a razão por mistificação só interessa a quem pretende impor a força. As esquerdas e os populistas usam palavras para provocar emoções, não para transmitir idéias. Isto lhes é necessário, pois a política que defendem é a imposição da força sobre o indivíduo. Ninguém aceitaria isto se entendesse o que está em jogo.

Roubar palavras é artifício constante no discurso esquerdista e populista, e deixa o adversário despreparado sem reação. Quem defende a liberdade precisa conhecer os artifícios de quem a pretende destruir.

O roubo da palavra Responsabilidade
Responsabilidade é um conceito abstrato. Isto não significa que é um conceito vago ou que pode ter vários significados diferentes ao mesmo tempo. Significa que é um conceito que requer o desenvolvimento de uma longa cadeia de conceitos precedentes para ser corretamente compreendido. Conceitos abstratos são mais susceptíveis ao roubo de palavras.

Responsabilidade é um conceito ético. Isto significa que é um conceito relacionado com as escolhas que as pessoas fazem. Compreender o que significa “responsabilidade” requer entender o que é a ética, e como ela se aplica à vida do indivíduo.

Responsabilidade significa assumir as conseqüências das próprias escolhas. É uma das virtudes derivadas da Honestidade, que se trata de lidar com a realidade como ela é. Vivemos em um Universo causal em que toda ação tem conseqüências. Responsabilidade é reconhecer que atos têm conseqüências, e que se deve lidar com as conseqüências de suas próprias escolhas.

Se alguém arranha o carro de outra pessoa no estacionamento, tem duas opções. Pode lidar com a conseqüência de seu ato, deixando o telefone ou outro meio para o dono do carro danificado entrar em contato. A pessoa pode, no entanto, optar por não lidar com a conseqüência de sua ação – o dono do veículo terá de arcar com a conseqüência de um ato que não foi dele.

Este exemplo, embora banal, ilustra o que é Responsabilidade. Uma pessoa responsável lida com os prejuízos que causa para si e para os outros com a mesma naturalidade que usufrui dos benefícios que produz. Fica clara também a relação com a virtude maior da Honestidade.

Um exemplo muito mais profundo, e que é central à discussão política e econômica, é a questão da pobreza. Um indivíduo responsável em condição de pobreza reconhece a realidade: não existe nada gratuito na vida humana, toda riqueza foi produzida por alguém. Reconhece que ter riqueza é conseqüência de um tipo especifico de ato, o ato produtivo. O trabalho.

O indivíduo irresponsável, por outro lado, atribui sua situação a outras pessoas. Nesta visão, a sua condição não resulta do fato de que ele próprio não produz – é culpa de outras pessoas que não lhe dão o que ele precisa. Mas este indivíduo abriga uma contradição interna: ele espera que outros produzam para si e para ele, quando ele próprio não está disposto a produzir nem para si próprio.

Responsabilidade, no contexto de uma sociedade, significa reconhecer que a própria condição é conseqüência dos próprios atos. A notória exceção é ser vítima de um crime, quando pela força física outra pessoa agride sua vida, propriedade ou liberdade de ação.

O conceito de Responsabilidade é intencionalmente roubado quando a palavra “responsabilidade” é usada para representar seu oposto. A esquerda faz isto através do anti-conceito “responsabilidade social”.

“Responsabilidade social” trata-se de resolver problemas que você não causou. Ou seja, assumir as conseqüências das escolhas de outras pessoas. Isto ataca o verdadeiro conceito de responsabilidade por sugerir que alguns indivíduos têm a obrigação de lidar com as conseqüências de escolhas que não fizeram enquanto outros não têm a obrigação de lidar com suas próprias escolhas.

Um exemplo prático é o da empresa “socialmente responsável” que gasta dinheiro montando uma escola para crianças de família pobre na comunidade em que atua. Ora, não foi o empresário nem foram seus acionistas que escolheram ter filhos sem ter dinheiro para pagar uma boa escola. Eles não são de maneira alguma responsáveis por estas crianças.

Por outro lado, os pais destas crianças sim são responsáveis por elas. Elas só existem como conseqüência de suas ações. Ter um filho sem ter condições materiais de alimentar, abrigar e educá-lo é uma tremenda irresponsabilidade.

Como se pode ver, o anti-conceito de “responsabilidade social” coloca responsabilidade nas costas de quem não a tem, e a tira daqueles que realmente são responsáveis! Para combater esta deturpação é preciso chamar as coisas pelo nome correto, e sempre cobrar de quem tomou uma decisão a responsabilidade por suas conseqüências.

Caridade é caridade. Responsabilidade é outra coisa. Há realmente muita gente no mundo que merece ser ajudada, sejam vítimas da má sorte ou boas pessoas que cometeram enganos. Mas ninguém é responsável pelas escolhas dos outros nem pelo acaso, apenas pelas suas próprias escolhas.

24 março, 2008

Roubando palavras: Justiça social

Roubar palavras é a prática de corromper conceitos válidos, usando as palavras para confundir em vez de esclarecer. Quando uma palavra é usada para descrever algo que contradiz o conceito que aquela palavra representa, não só o diálogo se torna impossível como também o próprio pensamento racional.

Na sociedade há dois meios possíveis de interação: a razão e a força. Substituir a razão por mistificação só interessa a quem pretende impor a força. As esquerdas e os populistas usam palavras para provocar emoções, não para transmitir idéias. Isto lhes é necessário, pois a política que defendem é a imposição da força sobre o indivíduo. Ninguém aceitaria isto se entendesse o que está em jogo.

Roubar palavras é artifício constante no discurso esquerdista e populista e deixa o adversário despreparado sem reação. Quem defende a liberdade precisa conhecer os artifícios de quem a pretende destruir.

O roubo da palavra Justiça
Justiça é um conceito altamente abstrato. Isto não significa de forma alguma que é um conceito vago ou que pode ter vários significados diferentes. Significa que é um conceito que requer o desenvolvimento de uma longa cadeia de conceitos precedentes para ser corretamente compreendido.

Conceitos abstratos são os mais susceptíveis ao roubo de palavras. Subverter um conceito com um baixo nível de abstração significa contrariar a realidade de maneira evidente, pois o interlocutor provavelmente conhece a definição objetiva daquele conceito.

Por outro lado, muitas pessoas não têm conhecimento de toda a cadeia indutiva que leva aos conceitos mais abstratos. Sabem o que significam “na prática”, mas não conseguem defini-los com rigor. Nestes casos, é fácil usar a palavra que conhecem e associam implicitamente com este sentimento – para dizer algo completamente diferente.

Justiça é um conceito ético. Isto significa que é um conceito que se refere às escolhas que as pessoas fazem. Compreender o que significa “justiça” é compreender o que é a ética, e como ela se aplica à interação entre pessoas. Isto por sua vez requer conhecer a natureza do ser humano, indivíduo dotado de razão.

Não é objeto deste texto desenvolver o conceito de justiça. Sua relação com a ética foi identificada em “O princípio da Honestidade” e “Honestidade em sociedade”, embora não de forma exaustiva. Aqui é suficiente mostrar como compreender o significado de “justiça” requer compreender uma série de outros conceitos já abstratos, embora mais próximos da percepção direta.

Justiça significa agir para com os outros de maneira consistente com o que eles são, com sua natureza e com seus atos. Justiça é tornar a forma como se trata as pessoas uma conseqüência das escolhas destas pessoas, de suas ações e motivações.

Se uma pessoa comete um crime, viola intencionalmente a vida, propriedade ou liberdade de alguém, é justo tratá-la como um predador, um ser que vive pela força e não pela razão. É justo reagir à força quando alguém lhe ameaça ou agride pela força primeiro.

Se uma pessoa não viola os direitos do próximo, não mata, não rouba e não escraviza, é justo tratá-la como um ser que vive pela razão. É injusto usar a força contra esta pessoa – mesmo que se discorde de suas escolhas.

Há dois aspectos fundamentais ao conceito de justiça: trata-se de agir com base no resultado de um julgamento, portanto é algo fundamentalmente humano. O acaso, leis da natureza e seres irracionais são incapazes de serem justos ou injustos. E trata-se de reconhecer a causalidade, identificar as conseqüências das escolhas de outra pessoa e reagir de acordo.

O conceito de justiça é enfraquecido pelo uso corriqueiro. É comum chamar de “injustiça” quando uma pessoa boa sofre um revés por acaso, como um desastre natural, um acidente ou uma doença. Mas o acaso não é justo nem injusto, ele simplesmente acontece.

Injustiça é agir intencionalmente de forma incoerente com as ações dos outros. Um chefe que dá um aumento para seu amigo em vez de para o funcionário mais eficiente está sendo injusto. Se o amigo do chefe ganha (sem trapaça) a rifa da empresa, isto não é uma injustiça. Embora o resultado seja o mesmo, o amigo ter mais dinheiro que o bom funcionário, este segundo exemplo é apenas obra do acaso.

Mas o conceito de justiça é intencionalmente roubado quando se usa a palavra “justiça” para representar o seu oposto. A esquerda faz isto através do anti-conceito “justiça social”.

“Justiça social”, no discurso esquerdista, é sinônimo de igualdade de condição. Uma sociedade “mais justa” é uma sociedade mais igualitária. Toda desigualdade é tratada como injustiça.

Note-se de imediato que o conceito verdadeiro de justiça é o da causa e conseqüência: é justo agir de forma consistente com a conseqüência dos atos do outro. Igualdade é absolutamente incompatível com o conceito objetivo de justiça.

Somos todos diferentes em capacidade, motivação e condição inicial - que por sua vez resulta da capacidade e motivação de nossos antepassados. Para que se atinja a igualdade de condição, dada a desigualdade de ação, é preciso não agir de acordo com as causas e conseqüências das ações individuais.

Para fazer “justiça social” é preciso ser injusto – por definição.

Por que os esquerdistas roubam a palavra justiça para si? Caso defendessem abertamente a igualdade social – que seria o termo honesto para o que pregam – as esquerdas estariam abertas à pertinente e devastadora crítica de que a igualdade é brutalmente injusta: dá a quem faz menos benefícios que não merece e tira de quem faz muito os frutos de seu esforço.

Roubar a palavra “justiça” destrói de antemão a mais poderosa objeção racional ao ideário da esquerda. O defensor da liberdade individual fica na posição de ter de explicar porque “justiça social” não é justiça coisa nenhuma – um argumento complexo, abstrato e inacessível para muitos.

Aos desonestos esquerdistas e populistas fica a associação emotiva fácil da palavra “justiça” com aquilo que estão propondo, isto sim imediato e de ampla receptividade - apesar de sob esta bandeira promoverem as maiores injustiças.

Para combater o conceito de “justiça social” é preciso desmascarar a desonestidade inerente no termo. É preciso fazê-lo de forma clara e acessível. É preciso confrontar o esquerdista com a crua realidade do que significa colocar em prática este ideal.

“Então você está propondo fazer caridade com dinheiro roubado de gente inocente? Quem disse que o pobre honesto quer esmola? Que justiça é essa que defende roubar de alguém só porque ele trabalhou mais que o outro?”

Quando se deixa claro o que realmente significa "justiça social", ela parece bem menos desejável.

01 dezembro, 2007

Roubando palavras

Confrontar diretamente os direitos individuais, a idéia que a vida, o próprio trabalho e as escolhas de cada um não dependem da permissão dos outros, é uma tarefa ingrata.

Como visto em “Quem tem medo de fantasma”, a esquerda foge deste debate, tentando fazer com que as pessoas não prestem atenção nos princípios por trás das suas teses. Amedrontar as pessoas ou confundi-las com complexas discussões de particularidades é a primeira grande tática esquerdista.

A segunda é desvirtuar completamente o debate, e isto se faz basicamente usando as palavras para confundir, em vez de esclarecer.

É impressionante como quase todos os conceitos políticos já foram deturpados de alguma forma. Para ilustrar, seguem alguns exemplos:

O que é sociedade?
Sociedade é um conceito complexo. Quando se diz “sociedade”, se está falando de um conjunto de indivíduos e da maneira como estes se relacionam. Sociedade é um conceito útil quando se quer estudar os efeitos acumulados das ações de muitas pessoas.

O esquerdista deturpa o conceito de “sociedade” personalizando-a. Sociedade não é mais um conjunto de indivíduos independentes que se relacionam de uma certa forma – no discurso esquerdista a sociedade passa a ser uma entidade com existência, ação e vontade própria!

É claro que “a sociedade” é incapaz de agir e é incapaz de tomar decisões. “A sociedade” nem existe, à parte dos indivíduos que a compõe. Mesmo quando todas as pessoas envolvidas concordam com algo, não há uma “escolha da sociedade” – e sim um monte de escolhas individuais.

A conseqüência desta deturpação é que o indivíduo deixa de ser reconhecido como tal – e passa a ser apenas uma célula neste vasto organismo. A vontade do indivíduo é submetida à “vontade da sociedade”. A vida e a propriedade do indivíduo submetidas ao “bem da sociedade”.

O que é liberdade?
Liberdade é não estar sob ameaça de outras pessoas. Se só existisse uma pessoa em todo o mundo, ela seria completamente e absolutamente livre. O ideal Capitalista é que se possa ter esta mesma liberdade vivendo em sociedade, e os direitos individuais são o meio de fazê-lo.

O esquerdista deturpa o conceito de liberdade personalizando a natureza. Se alguém não tem o que comer, sua vida está ameaçada. No discurso esquerdista, isto significa que ele não é livre. Quem nunca ouviu “é impossível ser livre passando fome” ou algo parecido (“sem educação”, “sem onde morar”, etc.)?

É claro que a natureza não é “alguém”. A pessoa que não tem o que comer não está sendo ameaçada, embora sua vida esteja em risco. A não ser que se tenha tirado dela o resultado de seu trabalho ou que ela tenha sido impedida de trabalhar, ou seja, que ela seja vítima de uma violação de seus direitos, sua fome não é culpa de nenhuma pessoa.

A conseqüência desta deturpação é que para consertar o “crime” cometido pela natureza – o fato que precisamos trabalhar para produzir os materiais que sustentam nossa vida – o esquerdista pratica um crime de fato: tomar à força o que é de quem produziu, para dar a quem “precisa”.

O que é justiça?
Justiça é agir para com outras pessoas de maneira consistente com as conseqüências dos atos destas pessoas. Se uma pessoa produz algo, justo é respeitar seu direito àquela propriedade. Ao fazer isto, reconhecemos que a existência daquele produto é conseqüência da ação daquela pessoa.

Se uma pessoa comete um crime (viola a vida, propriedade ou liberdade de outro), justo é tratá-la como um predador – ou parasita. Ao violar o direito de outro ela escolhe viver desta forma, e não como ser racional.

O esquerdista deturpa o conceito de justiça substituindo-o pela simples igualdade. Todos os homens têm a mesma natureza, são dotados da faculdade da razão e da capacidade de escolher. O esquerdista pretende tratar todos como se fossem realmente iguais.

É claro que embora tenhamos todos a mesma natureza, não tomamos todos as mesmas decisões, nem agimos da mesma forma. Ignorar as escolhas e ações dos indivíduos e pregar a igualdade como ideal absoluto é uma tremenda estupidez – e uma tremenda injustiça.

Conclusão
Como se pode ver, ao ouvir um esquerdista é preciso perceber o que ele realmente quer dizer com as palavras. Em geral não é o que você imagina:

Sociedade não é mero conceito intangível usado para estudar os efeitos combinados das ações de muitos indivíduos. Sociedade para ele é um ente concreto – e os indivíduos é que são algo em que ele só pensa como abstração.

Liberdade não é a inexistência de impedimentos e ameaças criados por outros. Liberdade para ele é fazer apenas o que os outros (em geral representados por ele próprio) permitem que você faça – para o “bem comum”.

Justiça não é arcar com as conseqüências dos seus próprios atos. Justiça para ele é que todos tenham o mesmo resultado – independente das escolhas e capacidade de cada um.

Quando um esquerdista usar um conceito político, o mais seguro é supor que ele quer dizer exatamente o contrário.

12 novembro, 2007

O Possível, o provável e o verdadeiro

Além da questão da verdade em si, abordada em “O ônus da prova” e “O verdadeiro, o falso e o arbitrário”, os conceitos de possibilidade e probabilidade também geram grandes confusões e erros epistemológicos. Definições claras e uma associação direta à realidade, que só é possível tendo estabelecido o conceito de “verdade” já apresentado, resolvem estes problemas.

Tanto “possibilidade” quanto “probabilidade” são termos que usamos para qualificar a incerteza. Quando temos certeza, basta dizer “é” ou “não é”. O “possível” e o “provável” também guardam uma relação hierárquica entre si. Apenas coisas possíveis podem ter probabilidade. Dada esta relação, começaremos pela discussão da “possibilidade”.

“Possível” é uma qualidade de uma afirmação sobre a realidade (passada, presente ou futura), que é incerta por falta de evidência suficiente. A afirmação “é possível que existam planetas orbitando a estrela Vega" usa o termo neste sentido:

· É uma afirmação sobre a realidade;
· Conhecemos várias estrelas que têm planetas em órbita, portanto há evidência em favor da afirmação, que do contrário seria arbitrária;
· A afirmação não contradiz nenhuma verdade conhecida. Nossos métodos de detecção de planetas não são precisos a esta distância, do contrário o fato de não termos encontrado planetas seria uma evidência contrária.

A afirmação “é possível que exista um planeta orbitando o Sol a uma distância menor que a do planeta Mercúrio” também usa o termo neste sentido. Ao contrário da frase anterior, no entanto, esta é falsa. Ela contradiz o fato conhecido de que somos capazes de observar a região entre o Sol e Mercúrio – e a esta distância nossa detecção é precisa.

Há dois erros conceituais comuns relacionados ao uso de “possibilidade”. O primeiro, e mais grave, é dar à possibilidade em si existência própria. O argumento “para que alguma coisa exista, precisa antes ser possível” comete este erro. Possibilidade é um qualificador do nosso conhecimento – não da realidade.

Quando a incerteza é eliminada, não faz mais sentido falar em possibilidade. É possível que exista vida inteligente na Terra? Não! É verdade que existe vida inteligente na Terra. Embora às vezes pareça que não...

O segundo erro é aplicar o conceito de possibilidade a arbitrariedades. É possível que existam unicórnios roxos invisíveis debaixo da Terra? Esta afirmação satisfaz quase todas as condições do uso correto do termo “possível”, mas a que falta é essencial! Não há qualquer evidência a favor da existência de unicórnios, muito menos roxos.

A afirmação é uma mera arbitrariedade. A inclusão de “invisíveis” e “debaixo da terra” serve apenas para evitar que ela entre em contradição com fatos conhecidos (ninguém nunca viu um unicórnio roxo), mas de nada servem para eliminar a arbitrariedade. Para isso seria preciso um mínimo de evidência positiva.

“Possível” é uma classificação absoluta. Dado um contexto de conhecimento, as coisas são possíveis ou não são. Por exemplo, pode se afirmar com certeza que é impossível viajar a uma velocidade maior que a da luz. Pode-se afirmar também que é possível viajar até Plutão – ninguém nunca fez, mas temos evidência de que a viagem pode ser feita e nenhuma evidência contrária.

“Provável” é uma classificação relativa. Se algo é possível, podemos classificar a confiança que temos de que aquilo realmente é verdade, em se tratando de uma realidade presente, ou virá a ser, em se tratando de uma afirmação sobre o futuro.

A probabilidade pode ser expressa qualitativamente e, em certos casos, quantitativamente. Existem muitos termos e expressões que expressam graus de probabilidade. Improvável, provável, incerto, certo, garantido, duvidoso, e diversas construções usando estes e outros termos (muito incerto, quase garantido, etc.) representam diferentes níveis de probabilidade.

Em alguns casos, é possível quantificar a probabilidade. Nestes casos o mais usual é expressar a probabilidade como uma porcentagem ou como um número entre zero e um. Zero por cento ou zero representa a impossibilidade, cem por cento ou um representa a certeza, a verdade.

Na escala numérica, portanto, incluem-se casos em que não há incerteza – esta talvez seja uma das fontes de confusão no uso de “possibilidade” e “probabilidade”.

Assim como no uso de “possível”, é errado atribuir probabilidade ao arbitrário. O arbitrário não tem base na realidade. Não tem, portanto, nem possibilidade nem probabilidade.

Em resumo:

Possível é toda afirmação sobre a realidade (passada, presente ou futura) que tem evidência favorável, mas não conclusiva, e não tem evidência conclusiva contrária;
Probabilidade é uma medida (qualitativa ou quantitativa) desta incerteza;
Verdade é quando a evidência favorável é conclusiva e a contrária eliminada.

06 novembro, 2007

O verdadeiro, o falso e o arbitrário

Uma das questões epistemológicas mais complexas de explicar claramente é a distinção entre o que é verdade, o que é falso e o que é simplesmente arbitrário.

A primeira coisa a estabelecer, antes de abordar estes conceitos, é que a referência para julgar qualquer idéia é a realidade. Ao fazer qualquer afirmação séria, ou seja, excluindo a ficção intencional, se está dizendo algo sobre a realidade.

O segundo fundamento essencial é que nosso conhecimento da realidade se faz através dos sentidos. Toda a evidência que temos a favor ou contra qualquer idéia provem, direta ou indiretamente, dos sentidos.

O terceiro pilar essencial é a constatação já discutida em "O ônus da prova". A realidade é causal, evidências que podemos perceber necessariamente são geradas por algo que existe. Ou seja, apenas aquilo que existe deixa evidências de sua existência. Aquilo que não existe também não pode deixar rastro!

Há, portanto, dois tipos muito distintos de afirmação sobre a realidade: as positivas, que dizem respeito à existência de algo ou às propriedades de algo que existe, e as negativas, que dizem respeito a coisas que não existem.

Afirmações positivas requerem evidência. É preciso indicar com base em que dados dos sentidos se está fazendo aquela afirmação. Por outro lado, é impossível provar uma negativa - como vimos, aquilo que não existe não deixa provas!

Com estas idéias em mente, podemos abordar as questões da verdade, falsidade e arbitrariedade. Começando com os conceitos mais simples:

Verdade é qualquer afirmação positiva para a qual temos evidência a favor, seja por percepção direta dos sentidos ou outras verdades mais fundamentais já estabelecidas, e que não possui evidência contrária.

Já uma afirmação negativa é verdadeira quando não existe evidência a favor da afirmação positiva a que ela se opõe.

Exemplos:
Afirmação positiva
"Existem crateras na Lua" é uma afirmação verdadeira se tivermos evidência de que a Lua existe e de que sua superfície realmente apresenta grandes depressões.

A existência da Lua podemos observar diretamente. A segunda evidência só ficou disponível com a invenção do telescópio, já que a olho nu não podemos ter certeza se o que vemos é relevo ou apenas uma coloração irregular...

Note que a evidência através do telescópio é indireta. Só podemos confiar nela por entendermos como o telescópio funciona - precisamos saber que o que vemos através dele é real!

Afirmação negativa
"Não existem unicórnios roxos em Júpiter" é uma afirmação verdadeira desde que não haja evidência para a afirmação positiva oposta "existem unicórnios roxos em Júpiter".

Não é preciso observar Júpiter nem fazer um estudo detalhado sobre a anatomia de um unicórnio para ver se ele seria capaz de sobreviver naquele planeta. Nenhuma prova é necessária. A não ser que exista um motivo para se considerar a afirmação positiva, uma evidência inicial que nos leve a contemplá-la, a afirmação negativa é verdadeira.

Falsidade é qualquer afirmação positiva para a qual existe alguma evidência a favor, mas onde existe evidência contrária incontroversa, seja observação direta ou outras verdades mais fundamentais já estabelecidas.

Já uma afirmação negativa é falsa quando existe evidência que suporte a afirmação positiva que se opõe a ela.

Exemplos:
Afirmação positiva
"Dercy Gonçalves é imortal" é uma afirmação falsa se tivermos evidência contrária a esta proposição. Há alguma evidência a favor, ela realmente existe, está viva e parece não morrer nunca - por mais que envelheça.

Mas há evidência contrária muito mais contundente: sabemos que ela é um ser humano e sabemos que todos os seres humanos são mortais. A afirmação é falsa.

Afirmação negativa
"Nunca antes neste país (...)" é uma afirmação falsa se existir evidência de que o fato citado, seja lá o que for, já ocorreu no passado deste país. Se houver alguma evidência para a afirmação oposta, "no passado (...) já aconteceu", a afirmação negativa é falsa.

Arbitrariedade é qualquer afirmação positiva para a qual não existe evidência a favor. Pelo princípio do ônus da prova, não é preciso haver qualquer evidência contrária. Se não há evidência a favor, a afirmação é arbitrária.

Não existem afirmações negativas arbitrárias, pois uma afirmação negativa afirma exatamente a ausência de evidências!

Exemplo:
"Gnomos existem!" é uma afirmação arbitrária. Não há qualquer evidência de que existem homenzinhos que vivem nos jardins. Nunca se fotografou um, nunca encontramos um esqueleto de gnomo. Afirmar que existem gnomos não é nem falso - é menos que isso, é arbitrário.

Resumo
Para facilitar a compreensão destes conceitos, pode-se usar a seguinte síntese:

Uma verdade positiva tem evidência a favor e não tem evidência contra. O oposto de uma verdade positiva é uma falsidade. "Existem crateras na Lua" é verdade, "não existem crateras na Lua" é uma falsidade.

Uma verdade negativa indica a ausência de evidência de seu oposto. O oposto de uma verdade negativa é uma arbitrariedade. "Não existem gnomos" é uma verdade, "existem gnomos" é uma arbitrariedade.

25 setembro, 2006

Pensando errado

O que caracteriza um argumento ou raciocínio inválido? Todo argumento inválido é baseado em um erro epistemológico. Este erro pode ser um engano, um erro honesto, ou a adoção intencional de princípios epistemológicos incorretos. Foi visto que a Epistemologia é fundamentada na Metafísica, alguém que opere com base em uma Metafísica irracional incorrerá naturalmente em erros epistemológicos.

O primeiro erro epistemológico, o mais fundamental, é a arbitrariedade. Um argumento ou tese que é proposto sem evidência em seu favor é arbitrário. Não está nem errado, é inválido e deve ser desconsiderado de imediato. Raramente a arbitrariedade é usada abertamente em uma discussão. A forma mais comum de mascarar a arbitrariedade é inverter o ônus da prova.

Inverter o ônus da prova consiste em oferecer como evidência de uma afirmação positiva a ausência de evidência contrária. Como visto em “O ônus da prova”, afirmações positivas requerem evidência positiva – ao se fazer uma afirmação sobre algum aspecto da realidade é necessário mostrar quais características da realidade levam àquela conclusão. O caso clássico deste erro epistemológico é argumentar a existência de deus dizendo “prove então que Deus não existe”. A inexistência não deixa evidência, o positivo é que precisa ser provado.

A inversão do ônus da prova às vezes não se apresenta explicitamente, o argumento pela ignorância é uma forma mascarada desta inversão. Mantendo o exemplo anterior, o argumento pela ignorância é “não temos provas que Deus existe mas não temos provas que ele não existe – portanto não sabemos”. O agnosticismo, portanto, é fundamentado em um erro epistemológico.

O argumento pela ignorância é natural quando se aceita a metafísica Idealista. A conseqüência epistemológica da tese de que é impossível conhecer a verdadeira realidade é a crença em “múltiplas verdades”. Daí para usar a ignorância como argumento é um passo natural. “O socialismo falhou na União Soviética mas nunca testamos aqui no Brasil, pode funcionar”.

O argumento pela ignorância também é um dos favoritos dos que aceitam a epistemologia da fé – que é possível encontrar alguma verdade simplesmente pela força de sua crença ou por iluminação divina: a verdade depositada diretamente em sua mente. Neste caso a ignorância é usada para delimitar onde se aplica a fé. “Não sabemos como o homem evoluiu, logo ele foi criado por Deus”. O formato “[ignorância] logo [arbitrariedade]” não se limita às discussões teológicas.

Outro erro epistemológico que decorre diretamente do Idealismo/Subjetivismo é o argumento pela popularidade. Como visto em “A verdade existe?” o Subjetivismo destrói totalmente o conceito “verdade” ao pregar que a realidade é intangível e que “cada um tem sua verdade e ninguém tem mais razão que o outro”. Se isto é aceito, a idéia de que a tese mais popular é a mais verdadeira segue naturalmente. O planeta Terra, no entanto, não passou a ser uma esfera apenas quando a maioria dos seres humanos passou a acreditar nisto.

Os erros listados até aqui são erros essenciais. São erros causados pela incompreensão ou perversão do que é conhecimento ou do que é a verdade e, portanto, são erros epistemológicos. Existem também erros de lógica. O erro epistemológico invalida o conhecimento como um todo, o erro de lógica é apenas uma aplicação incorreta do pensamento racional. Erros de lógica consistem em extrair conclusões inválidas de premissas válidas.

Um exemplo de erro de lógica é argumentar que correlação implica causalidade. A preocupação atual com o aquecimento global segue este padrão: “Seres humanos emitem gases estufa, o planeta está aquecendo, logo seres humanos são responsáveis pelo aquecimento do planeta”. A simples correlação entre a emissão humana de CO2 e o aumento de temperatura não é evidência de causalidade.

Esta é a característica do erro lógico: partir de premissas verdadeiras e chegar a uma conclusão que as premissas não sustentam. Um exemplo mais exagerado deste erro lógico é o seguinte: “Meu galo canta todas as manhãs antes do nascer do Sol, logo o canto do meu galo faz o Sol nascer”.

Outro exemplo de erro de lógica é o da amostra tendenciosa. Neste caso o erro é inferir uma generalidade com base em evidência de contexto restrito. Um exemplo seria: “Não conheço ninguém que vai votar no Lula, logo Lula vai perder a eleição”.

Além dos erros epistemológicos e dos erros de lógica existem argumentos que são inválidos exatamente por não oferecer um argumento. São exemplos:

Apelo à autoridade: consiste em usar como argumento o fato de que alguma pessoa ou entidade importante defende aquela posição. Por exemplo: “Einstein acreditava em Deus, quem é você para dizer que ele não existe?” ou “A ONU publicou um relatório assinado por centenas de cientistas afirmando que o aquecimento global é causado pelo homem”.

Ad hominem: consiste em atacar quem argumenta uma posição em vez de contra argumentar a posição em si. Por exemplo: “Quem é você para defender a ética? Você é ateu!”.

Apelo à emoção: consiste em evitar a discussão racional apelando para as emoções do interlocutor. Por exemplo: “A eliminação do assistencialismo deixaria muitas pessoas desamparadas! Pense nas crianças!”.

Argumento circular: consiste em assumir como premissa a conclusão que se está defendendo. Por exemplo: “Deus existe porque a Bíblia diz”, “Como você sabe que a Bíblia é verdadeira”, “Porque a Bíblia é a palavra de Deus”.

Além de todos estes erros existe um erro lógico-epistemológico que merece atenção especial. Este erro consiste em violar a hierarquia dos conceitos, ou seja, usar um argumento para negar algum conceito de que o próprio argumento oferecido depende. Este erro foi identificado por Ayn Rand, e chamado por ela de roubando o conceito. Alguns exemplos:

“Toda propriedade é roubo” – Pierre-Joseph Proudhon

Esta afirmação é um excelente exemplo do erro lógico-epistemológico citado. “Roubo” é um conceito, é definido como “a tomada da propriedade de outro contra sua vontade”. O conceito “roubo” depende hierarquicamente do conceito “propriedade”. Se não existe um direito à propriedade (como argumenta Proudhon) não pode existir roubo. O argumento rouba o conceito “roubo” – pois ao negar o conceito “propriedade” ele não pode usar conceitos que dependam dele.

“O oposto de uma afirmação verdadeira é uma afirmação falsa. Mas o oposto de uma verdade profunda pode muito bem ser outra verdade profunda.” – Niels Bohr

“Uma mentira repetida o suficiente torna se verdade.” – Lênin

Ambas estas afirmações roubam o conceito “verdade”. Bohr afirma que duas verdades podem ser opostas – logo não existe verdade alguma, logo seu argumento é irrelevante. Lênin afirma que a verdade é simplesmente o que as pessoas acreditam, logo a verdade não existe, logo seu argumento é irrelevante (a não ser que muitas pessoas acreditem nele?).

Conhecer estes erros é uma ferramenta fundamental para disciplinar o próprio pensamento, e uma arma contra os que os praticam – por ignorância ou por malícia.

01 agosto, 2006

Não-contradição

Em “O ônus da prova” vimos que a evidência separa o arbitrário do plausível. Dado que alguma afirmação possua alguma evidência em seu favor, como saber se ela é realmente verdadeira? O princípio em questão é que o conhecimento é contextual. Como todo o conhecimento é baseado na integração de percepções, o total das percepções e integrações de cada um é a única referência com a qual se pode julgar a verdade.

A metafísica racional estabelece que as coisas possuem identidade – elas são o que são. A realidade não possui contradições, um objeto não pode ser azul e branco ao mesmo tempo, um gato não pode estar vivo e morto ao mesmo tempo. É portanto um princípio epistemológico derivado diretamente da metafísica que não existem contradições. Se a realidade possui identidade, o pensamento racional – que visa compreendê-la – não pode admitir contradição.

Se uma afirmação possui evidência em seu favor e não existe evidência alguma que a ponha em dúvida, isto significa que tudo o que se sabe sobre a realidade é consistente com aquela afirmação. Ela é verdadeira. Uma afirmação que possui evidência favorável e que não possui qualquer evidência em contradição é, portanto, absolutamente verdadeira. Duvidar dela é epistemologicamente equivalente a acreditar em algo sem evidência alguma.

Se à primeira vista este critério de verdade parece simples, é apenas por comparação com os critérios irracionais e impossíveis de satisfazer postulados pelos Céticos e Idealistas. Na realidade o critério racional de “verdade” tem duas conseqüências extremamente profundas.

Em primeiro lugar, o julgamento da verdade é individual. Isto não significa que existem múltiplas verdades – apenas que pessoas diferentes podem ter julgamentos diferentes do que é verdade, por terem contextos diferentes. Se duas pessoas estão em desacordo, necessariamente uma delas está errada – a realidade é uma só – no entanto ao compartilhar seus contextos o erro pode ser encontrado.

Um beduíno que viveu a vida inteira vagando pelo deserto e longe da civilização tem como verdade que existe mais terra do que água. Seu contexto não inclui ver o mar, não inclui o mapa-múndi, não inclui fotos de satélite. Ele está errado, mas em seu contexto não há evidência alguma que o indique. Encontrar alguém que afirme que há mais água que terra no planeta pode não ser suficiente para convencê-lo – é a palavra de uma pessoa contra uma vida de percepção direta. Cruzar o Atlântico, por outro lado, com certeza o faria rever seu conhecimento.

Nossos contextos individuais incluem toda nossa percepção direta e incluem também tudo o que aprendemos de outras pessoas. O que aprendemos de outras pessoas, no entanto, é ponderado pelo julgamento que fazemos daquelas pessoas – de sua racionalidade e da capacidade que julgamos que elas têm de identificar a realidade, julgamento este também feito com base em nossas percepções.

A segunda conseqüência profunda da epistemologia racional é que todo o conhecimento precisa ser integrado. Como o contexto do seu conhecimento é tudo o que você sabe, é imperativo para quem deseja conhecer a realidade – ser racional – que não existam contradições entre as coisas que se toma como verdade.

Isto significa que cada nova informação que se obtém precisa ser julgada à luz do que já se sabe e então integrada ou descartada. Freqüentemente a integração exige a reavaliação de muito do que já se sabe.

No próximo artigo sobre epistemologia veremos as origens dos erros mais comuns e algumas de suas conseqüências.

31 julho, 2006

O ônus da prova

Se todo o conhecimento humano é baseado na integração das nossas percepções, o conhecimento é contextual. Isto significa que o critério para determinar se algo é verdade não é algo transcendental e sim a aplicação do pensamento racional: responder duas perguntas aparentemente simples: “Qual a evidência de que isto é verdade?” e “Isto contradiz algo do que já sei?”

A primeira pergunta decorre diretamente da metafísica. A precedência da existência assegura que coisas existem. Aquilo que existe possui identidade, possui uma natureza específica, aquilo que não existe também não pode possuir propriedade alguma.

Uma afirmação positiva é uma afirmação que identifica algum existente ou um aspecto de um existente – tal como “peixes existem” ou “o céu é azul”. Uma afirmação negativa é uma afirmação que nega a existência de algo ou alguma propriedade de um existente – tal como “gorilas não são racionais” ou “não existe vida inteligente na Lua”.

Como apenas existentes possuem propriedades, só pode haver evidência da existência, evidência de inexistência é uma contradição – é exigir que algo que não existe possua propriedades perceptíveis. O entendimento deste princípio epistemológico é essencial e pode ser condensado em duas frases: “é preciso provar as afirmações afirmativas” e “é impossível provar afirmações negativas”.

Uma afirmação positiva sem evidência não é falsa – é menos que isso. A frase do físico Wolfgang Pauli “Isto não está nem errado” descreve bem qual a reação correta frente a tal afirmação. Uma afirmação positiva sem evidência é arbitrária – é algo que não possui vínculo com a realidade. O arbitrário não precisa ser refutado, pode ser descartado imediatamente.

A ausência de evidência, no entanto, é suficiente para uma afirmação negativa. A afirmação “Não existem unicórnios em Júpiter” é verdadeira – não porque se pode provar que cavalos com um chifre na testa estão ausentes naquele planeta, a inexistência não gera evidências – mas porque não há evidência de que eles existam.

Esta questão é conhecida como o “ônus da prova”. A metafísica e a epistemologia racionais colocam o “ônus da prova” sobre quem faz afirmações positivas sobre a realidade.

A pergunta “qual a evidência de que isto é verdade” separa portanto o arbitrário daquilo que merece consideração. No próximo artigo veremos como a verdade pode ser determinada e quais as conseqüências disto para quem pretende ser racional.

21 julho, 2006

Como sabemos II

Para responder à pergunta “Como sabemos?” é preciso primeiro definir o que é “saber”. Saber é ter conhecimento de algo e tê-lo como verdade. Alguns conceitos de genus similar são “suspeitar” e “achar” – nestes casos tem se conhecimento de algo mas a verdade daquilo está em dúvida, em maior ou menor grau.

A chave de toda a difícil questão, portanto, é definir “verdade” e como ela pode ser determinada. Se a realidade existe, a verdade é a identificação de um aspecto da realidade. A afirmação “o livro está sobre a mesa” é verdadeira se existe um livro, existe uma mesa e o livro de fato se situa sobre ela.

Já foi visto que todos os conceitos são construídos a partir de percepções ou de outros conceitos – que por sua vez foram construídos a partir de percepções. Os sentidos são portanto o ponto de partida de todo o conhecimento humano – são inclusive condição necessária para o próprio pensamento conceitual. Um cérebro humano que nunca recebesse estímulo externo algum seria completamente incapaz de pensar.

A percepção direta é, portanto, a primeira ferramenta para identificar aspectos da realidade. Simplesmente olhar para a mesa é suficiente para concluir que “o livro está sobre a mesa” é verdade – ou não. A objeção Kantiana é que não podemos acreditar em nossos sentidos: o livro pode ser um holograma, a posição relativa do livro e da mesa pode ser uma ilusão de ótica, o livro pode – na realidade “ideal” de Kant – ser uma jabuticaba, mas nossos sentidos a distorcem e a fazem parecer um livro.

Outra objeção, esta mais sensata, é que muitas vezes a percepção direta nos fornece uma impressão que não é verdadeira. O exemplo clássico é o da terra plana. Acreditou-se por milênios que a terra era plana – e a percepção direta certamente pode dar esta impressão. Se algo tido como verdade – e suportado pela percepção direta – pode depois se demonstrar errado, como confiar em nossos sentidos?

Este argumento é estendido além da mera questão dos sentidos. Se algumas coisas que tínhamos como verdade depois descobrimos que estão erradas, como podemos ter certeza de qualquer coisa? É sempre possível que acabemos descobrindo que estávamos errados! Esta é a base do Ceticismo.

Implícita em ambas as teses acima está uma definição de verdade – a mesma que ambas demonstram ser impossível de conhecer. A definição implícita é que a verdade é uma identificação de algum aspecto da realidade "como ela realmente é". Embora esta definição pareça boa, ela não reconhece a maneira como o homem adquire conhecimento.

Kant conclui que como não podemos transportar magicamente a própria realidade para dentro de nossa mente todo o conhecimento é impossível. David Hume, o pai do Ceticismo filosófico moderno, conclui que até sabermos tudo, não sabemos nada. Estas conclusões não surpreendem, são a mera repetição do que já está implícito nas premissas de cada um: um critério de "verdade" que é impossível satisfazer na realidade.

A contradição que ambas as idéias incluem – e que nos garante que ambos estão errados é: se a verdade é impossível, como saber que a verdade é impossível? Usar a lógica para demonstrar que a verdade é impossível é como tentar argumentar que você mesmo não existe.

A identificação essencial da Epistemologia Objetivista é que o pensamento humano é fundamentado na percepção. A conseqüência disto é que o conhecimento é contextual. A verdade, por se tratar da identificação de algum aspecto da realidade, necessariamente precisa considerar como funciona a consciência. O critério para determinar a "verdade" não pode demandar conhecimento automático, isso não existe.

A maneira de conhecer a verdade é conseqüência direta da Metafísica racional. A realidade existe e independe de nossos pensamentos e vontades. Se a realidade é uma só, e existir é possuir identidade, a chave para a verdade é a não-contradição. Nós adquirimos conhecimento a partir da percepção, o entendimento correto de “verdade”, portanto, é uma identificação de algum aspecto da realidade, sem contradições.

Uma verdade é algo baseado em evidência e que não contradiz outras evidências. Achar que a terra é plana é perfeitamente justificável se ninguém nunca viu nada que indicasse o contrário. Ao ver um barco “afundando” no horizonte, porém, surge uma evidência conflitante – é preciso então buscar uma nova explicação. O fato de que o conhecimento é contextual afunda o Idealismo e o Ceticismo e reduz suas objeções ao seu verdadeiro grau de relevância: não temos conhecimento automático da realidade, não somos onicientes - e isso não significa que o conhecimento que temos é inválido.

Nos próximos artigos sobre Epistemologia veremos como o significado correto do conceito “verdade” valida a capacidade humana para entender o universo.

18 julho, 2006

Como sabemos I

Como vimos na Metafísica, a existência é axiomática – incontestável. Assim como não se pode propor um argumento contra a existência sem cair em contradição (você precisa existir para propor um argumento), também é impossível argumentar contra a consciência (você precisa pensar para propor um argumento). A tarefa da Epistemologia é explicar como somos capazes de saber.

O primeiro passo é entender como funciona a nossa consciência. Ayn Rand foi a primeira a explicar de maneira consistente e completa a nossa consciência, que ela identificou como uma consciência conceitual. Sua “Teoria dos Conceitos” parte do fato já identificado por Aristóteles de que ao nascer a mente humana é tabula rasa – todos viemos ao mundo dotados de mentes capazes de pensar, mas sem conteúdo algum.

O crescimento de um ser humano, desde bebê até adulto, deixa claro que a capacidade mental se desenvolve ao longo da vida. Ao nascer somos capazes apenas de reagir a estímulos diretos, depois de algum tempo estamos curando doenças e escrevendo sinfonias. O que aconteceu neste intervalo?

Para uma mente em branco a visão não oferece a identificação de objetos, apenas uma superposição de cores. Para uma mente em branco a fala não é uma seqüência de palavras, é uma seqüência de sons.

O primeiro conceito que precisa ser formado é o conceito de “objeto”, ou mais apropriadamente “coisa”. Em algum momento o bebê identifica que aquele conjunto de cores, luz e sombras que ele associou com bem estar pois sempre precede sua alimentação, ou aquele círculo vermelho que de vez em quando aparece em seu campo de visão não são meras coincidências em um caleidoscópio sem sentido. O que ele está vendo é alguma coisa. Ele ainda está longe de saber o que é sua mãe e o que é a bola de brinquedo colocada em seu berço – mas já deu o primeiro passo nesta direção.

Munido deste único conceito o bebê se vê imerso em um mundo de coisas. A coisa que mata sua fome, a coisa pendurada sobre a coisa onde ele está, as coisas que ele consegue agitar quando quer, a coisa – parecida com as outras quatro coisas que ficam grudadas nela – que ele gosta de por na boca.

O próximo conceito essencial é o conceito de “eu”. Em algum momento o bebê percebe que há coisas que ele controla diretamente (seus braços e mãos por exemplo) e outras que não. Esta identificação é a primeira realizada usando a qualidade que nos separa dos animais (alguns dos quais são capazes de identificar objetos – como qualquer dono de gato ou cachorro sabe).

O mecanismo de formação de conceitos pode ser explicado com este exemplo. Existem coisas (a identificação primordial). Algumas coisas eu controlo diretamente, outras não (diferenciação). As coisas que controlo diretamente sou “eu” (a integração). Todo conceito portanto é formado por uma diferenciação e uma integração, com base em percepção direta ou em outros conceitos.

Em uma casa existem móveis (conceito mais genérico). Alguns móveis usamos para sentar e alguns destes têm encosto (diferenciação). Chamamos estes móveis usados para sentar e com encosto de “cadeira” (integração).

O ponto de partida é um conjunto, de percepções ou de objetos ou de conceitos já identificados, a diferenciação é a identificação de uma característica de interesse em um sub-conjunto, a integração é a associação de todos os membros do sub-conjunto ao novo conceito. O passo da integração é interessante em que o conceito abrange todos os existentes que cabem em sua descrição, e no fato de que é necessária uma linguagem para amarrar o conceito.

O conceito “Cadeira” inclui todas as cadeiras que existem, todas as que existiram, todas as que virão a existir e todas as que podem ser imaginadas. Se eu disser “cadeira de gelo” você sabe do que estou falando, mesmo que nunca tenha visto o objeto a que me refiro, mesmo que o objeto nem exista. Mas a palavra cadeira é essencial na integração do conceito.

Poderíamos chamar cadeiras de “mrh”, de “Δ” ou de um gesto com as mãos. Sem uma linguagem para guardar o significado de “móvel em que se senta e que tem encosto” seria impossível integrar o conceito. Seria impossível integrar o conceito de “móvel” e o de “sentar” e o de “encosto” também. Não estou falando de comunicação – é impossível pensar sem associar os conceitos a alguma representação. Estaríamos limitados ao nível da percepção sem a linguagem. Identificar coisas e reagir a elas por associação – mas sem a capacidade de pensar sobre elas.

O entendimento de como nossas mentes formam conceitos nos dá uma ferramenta muito útil: como fazer boas definições. Uma boa definição é uma definição que respeita a estrutura do pensamento conceitual: ela oferece genus (gênero, o conjunto inicial) e differentia (a diferenciação), para definir o conceito (a integração).

Se você não gostou da minha definição de cadeira acima, provavelmente é porque achou meu differentia insuficiente. Cadeira é um móvel (genus) em que se senta, têm encosto e que comporta uma pessoa (differentia). Esta é uma definição que elimina a ambigüidade com sofás – por exemplo.

Na próxima parte deste artigo veremos as conseqüências da maneira como pensamos e como podemos responder à pergunta: como você sabe?

04 julho, 2006

A verdade existe?

A Epistemologia estuda o que é conhecimento e como conseguí-lo. As perguntas a serem respondidas, entre outras, são: “O que é conhecimento?”, “O que é verdade?”, “É possível saber se algo é verdade? Como fazê-lo?”.

Uma tese epistemológica precisa ser derivada de uma tese metafísica. Não faz sentido falar em conhecimento sem antes determinar o que existe. As diversas teses epistemológicas, no entanto, raramente deixam clara esta derivação.

Um exemplo de teoria onde esta relação é clara é na filosofia de Immanuel Kant. A metafísica de Kant postula que existe uma realidade “ideal”, à qual não se pode ter acesso, devido à limitação da mente e dos sentidos humanos. O que vemos, sentimos e pensamos – o mundo “real” – seria portanto uma distorção da realidade “ideal”, uma distorção inescapável pois somos nós mesmos que distorcemos a realidade ao percebê-la. A metafísica de Kant, portanto, é a da precedência da consciência: o mundo real, percebido por nós, é moldado por nossa mente.

A Epistemologia que segue este metafísica, evidentemente, é a tese que a verdade é impossível de descobrir, uma vez que a fonte de distorção é a própria mente humana e seus sentidos. Parafraseando uma crítica da filosofia Kantiana, “sou cego porque tenho olhos, sou surdo porque tenho ouvidos, sou louco porque posso pensar”.

Esta teoria é conhecida como Idealismo, por postular a existência de um “ideal” impossível de conhecer, ou como Subjetivismo, por concluir que tudo é subjetivo e a verdade impossível de determinar. As conseqüências desta epistemologia, além da idéia que a real natureza das coisas é impossível de conhecer, são a tese de que cada um tem sua verdade – determinada por suas próprias percepções – e que nenhuma delas é melhor que outras – porque é impossível saber quem está certo.

O Idealismo é a base filosófica do multi-culturalismo (a idéia de que nenhuma cultura é melhor que outra, mesmo que uma mantenha seu povo vivendo nu na floresta por séculos e outra construa aviões, arranha-céus e triplique a expectativa de vida das pessoas) e da tolerância (a idéia que é preciso respeitar a opinião alheia, seja lá qual for – respeitar a opinião em si, e não somente o respeito devido ao ser humano que a defende).

Como mencionado, nem todo sistema epistemológico é desenvolvido com base em uma metafísica explícita. Possivelmente a tese Epistemológica mais conhecida é sintetizada pela famosa frase de René Descartes: “Penso, logo existo”. Esta frase é uma tentativa de resolver uma das maiores dificuldades na Epistemologia: encontrar o ponto de partida que justifica o conhecimento. Se o Subjetivismo descarta a verdade como impossível, o Racionalismo de Descartes tenta desenvolver a Epistemologia a partir do seu famoso axioma.

Ao partir da consciência, Descartes usa implicitamente a metafísica da precedência da consciência. Sua epistemologia é fundada na tese de que a mente possui conteúdo independente da experiência sensorial, que idéias podem ser desenvolvidas pela mente apenas, sem depender dos sentidos (seu axioma seria um exemplo de tal idéia). Embora a epistemologia Cartesiana seja distinta, ela se baseia em uma metafísica muito próxima da Kantiana: não podemos confiar em nossos sentidos para perceber a realidade, precisamos determinar a verdade usando a mente apenas (Kant não confia nem na mente).

Ao negar algo que implicitamente todos sabem que existe e funciona – a eficácia do pensamento humano e da nossa percepção da realidade – estas teorias epistemológicas contribuíram muito para transformar a percepção da filosofia na atual: uma perda de tempo ou um amontoado de conjecturas sem fundamento ou utilidade. As conseqüências destas teses – como o multi-culturalismo, a tolerância, o esoterismo – são, no entanto, aceitas sem resistência.

Outra teoria epistemológica é o Empiricismo. Esta é a idéia que todo conhecimento é fruto da experiência, só é possível saber aquilo que já se experimentou. Esta tese contradiz frontalmente as premissas do Racionalismo – que a mente tem conteúdo independente da percepção e que é possível obter conhecimento usando apenas a introspecção.

Embora a base metafísica do Empiricismo seja racional – que existe uma realidade a ser observada – e que seu conceito básico seja correto – que o conhecimento é adquirido observando a realidade através dos sentidos – esta tese epistemológica deixa uma lacuna importante. É possível saber que existe a Groenlândia sem ir até lá ou observá-la do espaço? O Empiricismo filosófico (para distinguí-lo do empiricismo científico, que é uma parte do método científico) diria que não.

Esta lacuna, levada ao extremo, dá a abertura ao Ceticismo. Esta é a tese de que é impossível saber qualquer coisa pois existe sempre a possibilidade de estar errado. Esta tese difere do Idealismo em que admite a existência da realidade e de que ela é perceptível. No entanto como não podemos garantir que já observamos todos os aspectos possíveis de uma questão, podemos sempre estar errados.

O Ceticismo filosófico (para distinguí-lo do ceticismo saudável, no sentido de não acreditar nas coisas sem evidência) nega a própria causalidade. Não é só porque observamos que a toda ação corresponde uma reação que podemos alegar que sabemos uma lei universal: pode ser só coincidência, talvez amanhã ocorra diferente, talvez haja uma lei ainda mais fundamental que não conhecemos e que pode invalidar a famosa terceira lei de Newton em alguma circunstância. Para o empiricista é impossível saber algo sem testá-lo, para o cético é impossível saber qualquer coisa até saber tudo.

No próximo artigo será apresentada a Epistemologia Objetivista, uma tese racional baseada na metafísica racional e que não contradiz, e sim explica, aquilo que todos nós sabemos – que nossos sentidos são válidos e que o conhecimento é possível.