01 agosto, 2007

Ética e auto-estima

Em uma conversa com um amigo que se tornou pai recentemente, acabamos falando sobre auto-estima, e como a nutrir nos filhos. É muito comum falar-se em auto-estima como algo que pode ser fornecido pela família ou pela escola, algo resultante das ações de outros. A real auto-estima, no entanto, não pode ser criada de fora para dentro.

O que é auto-estima
Cada pessoa tem seu valor, maior ou menor, e este valor pode ser reconhecido pelos outros, ou não. Mas não é a opinião de outros que determina o valor de alguém e sim o que esta pessoa é. Para que alguém tenha verdadeira auto-estima, precisa ter real valor – e precisa reconhecê-lo. A auto-estima é, portanto, uma conseqüência e não algo que pode ser criado diretamente.

Auto-estima é conseqüência de ter real valor e de reconhecê-lo. Mas o que significa ter valor, em se tratando de uma pessoa?

Valor é um conceito contextual – algo tem valor para alguém, para um determinado propósito. Não existe valor sem alguém para julgá-lo valioso. Não existe valor sem propósito. Já estabelecemos que julgar é uma ação individual e intransferível. Já estabelecemos também que o propósito máximo de cada um é sua própria vida.

A auto-estima é julgar a si mesmo como valioso para a própria vida.

Os valores próprios
Vamos abordar primeiro o que está sendo julgado. Ao julgar a nós mesmos, estamos fazendo uma avaliação de nossas próprias capacidades em relação ao benefício que trazem à nossa vida. Julgamos nossas habilidades mentais como força de vontade, capacidade de raciocínio, criatividade. Julgamos também capacidades físicas como nossa aparência, força e habilidade. Mas qual o critério para fazer este julgamento?

Já identificamos o que é fundamental para a vida de um indivíduo, foi esta a base para derivar os princípios éticos. Se a natureza humana requer que se viva com Racionalidade, a Razão é uma qualidade a ser valorizada. Se a natureza humana requer que se viva com Independência, Honestidade e Produtividade, estas também são qualidades a serem valorizadas.

Ao julgar a nós mesmos, avaliamos nossa capacidade de promover nossas próprias vidas. Como os princípios éticos racionais identificam aquilo que conduz a uma vida próspera, estamos julgando nossa capacidade de pô-los em prática.

O julgamento de outros
O segundo ponto essencial é que a auto-estima verdadeira resulta de um juízo próprio. De nada adianta que alguém seja constantemente adulado se ele mesmo não vê o valor em si. Esta pessoa provavelmente considera, mesmo que não conscientemente, que não merece a adoração que recebe. Ela pode buscar comportamentos cada vez mais extremos ou autodestrutivos, uma forma de mostrar a todos que não é tão maravilhosa como eles pensam. Suspeito que este seja o mecanismo por trás de muitas celebridades que implodem no auge do sucesso.

Outra possível conseqüência de alguém sem real auto-estima mas com popularidade é substituir o próprio julgamento pelo dos outros. Esta pessoa não vê valor em si, mas toma a adoração dos outros como evidência de que tem valor. Seu julgamento próprio passa a ser mero reflexo do julgamento de outros. Suspeito que este seja o mecanismo por trás de muitas ex-celebridades que passam a fazer as coisas mais absurdas para chamar a atenção – em sua mente, sem a atenção dos outros eles não valem nada.

Auto-ajuda ou auto-enganação?
Ainda em relação ao fato de a auto-estima ser um juízo próprio, vale comentar sobre as diversas técnicas de “pensamento positivo”, “auto-sugestão” e outros que se baseiam em tentar se convencer pela insistência. É certo que repetir frases positivas sobre si e as outras coisas que estes métodos propõe podem afetar a pessoa emocionalmente.

Em casos onde o real problema da pessoa é um negativismo emocional injustificado sobre si, estas coisas podem até ajudar. É importante ter em mente a verdadeira auto-estima vem de um juízo racional sobre si, mesmo que não explícito. Alguém que tem valor e não conseguia vê-lo pode remover a barreira através de uma “reprogramação” emocional. Alguém que não tem os valores importantes para a vida humana ou não sabe identificá-los apenas se tornará um papagaio repetindo frases sem fundamento.

A educação e a auto-estima da criança
Se os pais não podem produzir auto-estima diretamente nos filhos, o que podem fazer? Se a auto-estima é um reconhecimento da própria capacidade de viver, o que os pais podem fazer é ensinar aos filhos coisas que beneficiarão sua vida e deixá-los praticá-las. A auto-estima dos filhos virá de sua própria experiência em ter sucesso real na vida, desde as menores coisas até as mais estupendas realizações.

Vou dar algumas sugestões tiradas da minha própria experiência como filho e da observação das diferenças entre a educação que tive e a que observei na casa de diversos colegas.

A primeira sugestão que tenho para pais que se preocupam com a auto-estima dos filhos é tratá-los, desde sempre, como seres inteligentes. A mente, o pensamento, é o que nos define – reconheça que mesmo uma criança de dois anos já possui uma mente racional, e já entende muito mais do que pode parecer.

É claro que não se pode explicar o funcionamento da bolsa de valores para uma criança de dois anos, mas também não é necessário. As coisas que se precisa explicar em cada idade em geral são explicáveis dentro do contexto que a criança é capaz de conhecer.

Tratar as crianças como seres inteligentes é uma postura, uma atitude, mais do que ações específicas. É tê-las como pessoas plenamente capazes de entender as coisas, mas com muito pouco conhecimento básico. Esta diferença de atitude leva a diferenças fundamentais no trato, mesmo de um infante. É a diferença entre o “porque estou mandando” e o “porque está tarde” quando a criança não quer dormir, entre o “porque não” e o “porque está quente” quando não se deixa a criança chegar perto do fogão.

Estas pequenas explicações – que necessariamente se tornarão mais completas conforme a criança aprender mais – mostram desde o início que as coisas tem motivo, que a criança é capaz de entender a vida.

A maioria dos pais provavelmente acha que ficaria uma eternidade discutindo com seus filhos, e que nunca conseguiria fazer nada. Mas autoridade e respeito pela inteligência dos filhos não são mutuamente exclusivos. Não se trata de abrir mão da autoridade paterna ou materna, mas de deixar claro que as ordens dadas tem motivo – mesmo que não se consiga explicar naquele momento. Quem já teve um chefe que simplesmente mandava fazer as coisas do jeito dele e outro que explicava suas decisões sabe exatamente a diferença que isto faz.

Em certas circunstâncias não há tempo, e a solução é “obedeça agora e explico depois”, sem esquecer de explicar quando for oportuno. Em outras circunstâncias pode ser que simplesmente não se consiga imaginar como explicar algo de forma que a criança entenda. Um “não sei como te explicar, preciso pensar um pouco” resolve a questão naquele momento, mas se é algo que a criança precisa entender, é sua responsabilidade descobrir como explicar.

Esta atitude ensina a criança a valorizar a razão, o diálogo e o entendimento.

A segunda sugestão é deixar as crianças fazerem coisas por si mesmas, sempre que possível. Se ela aprendeu a comer com a colher mas ainda derruba comida – deixe derrubar comida. Se ela aprendeu a amarrar o sapato mas o laço fica torto – deixe ficar torto. Se ela aprendeu a abotoar a própria roupa mas pulou uma casa – deixe a roupa como está.

Isto não significa negar ajuda quando a criança pedir, nem significa deixar de ensiná-las como fazer melhor. É apenas a diferença entre “você abotoou a sua roupa!” e “sua roupa está toda torta, vem aqui pra eu arrumar” quando a criança se veste sozinha a primeira vez. O primeiro reconhece a realização da criança: para quem não se vestia sozinho se vestir é um grande sucesso – mesmo que a roupa esteja torta. O segundo transforma esta conquista em um fracasso.

Esta atitude reconhece os pequenos sucessos da criança, a incentiva a fazer cada vez mais coisas por si mesma – a ensina a valorizar a independência.

A terceira sugestão é nunca mentir para a criança. As crianças inicialmente têm confiança implícita nos pais. Eles ensinaram quase tudo o que ela sabe. Conforme a criança se desenvolve esta visão inicial será confirmada ou contestada pelo que ela virá a aprender.

Se a criança descobre que os pais mentem para ela, a mentira em si se torna para ela algo aceitável. Nesta fase do seu desenvolvimento os pais ainda são o exemplo a ser emulado, a referência de comportamento. Mais adiante parecerá natural mentir para os pais para conseguir o que ela quer, já que eles mentiram para ela para conseguir o que queriam.

Descobrir que os pais mentem para ela pode ainda levar a criança a questionar o respeito que os pais têm por sua inteligência. Neste aspecto, inventar uma mentira é até pior do que não dar explicação nenhuma.

Não mentir não significa que não se pode contar histórias nem se vestir de Papai Noel no Natal, mas significa deixar claro o que é realidade e o que é fantasia. Esta atitude constrói confiança nos pais no longo prazo, e ensina desde cedo a praticar a honestidade.

Estas atitudes dos pais permitem que a criança veja o mundo como algo que ela é capaz de entender, onde ela é capaz de agir com sucesso. E esta é a realidade que está por trás da verdadeira auto-estima.