15 outubro, 2008
Consertando o dinheiro
11 setembro, 2008
Consertando a infra-estrutura
A série “Consertando o Brasil” apresenta propostas sobre como partir do Brasil de hoje e chegar ao Brasil que todos dizem que gostariam de ver, detalhes sobre a abordagem e o propósito destes artigos estão na Introdução à série.
Infra-estrutura
O termo infra-estrutura é usado de forma muito abrangente. Refere-se a estradas, ferrovias, canais, portos, aeroportos, ruas, ônibus e trens urbanos, água e esgoto, energia elétrica, telefonia entre outros bens e serviços. Recentemente o serviço de conexão à Internet passou a ser tratado como infra-estrutura.
Dado que nenhum político, analista ou acadêmico se dá o trabalho de definir o que exatamente quer dizer com infra-estrutura, podemos abstrair dos exemplos o conceito que usam: chamam de infra-estrutura todo e qualquer bem ou serviço usado por muita gente, ou nos termos em que costumam se expressar, tudo aquilo de que muita gente precisa.
Todos os bens e serviços listados acima, bem como os demais bens e serviços chamados de infra-estrutura, são bens e serviços como quaisquer outros. Mais importante, são produtos. Produto é tudo aquilo que resulta da ação produtiva do homem, coisas que não existem prontas na natureza, coisas que alguém precisa criar através do trabalho.
Não há nada de especial nos produtos e serviços ditos de infra-estrutura. No passado recente cada um deles foi inventado, criado, produzido. Até então se vivia sem eles. Inicialmente eram um luxo, com muito investimento e desenvolvimento se tornaram acessíveis à população em geral, por fim passaram a ser comuns a ponto de serem considerados necessários.
Na lógica que prevalece no meio político, acadêmico e na mídia brasileira três grandes falácias deturpam o entendimento dos bens e serviços de infra-estrutura. Primeiro, que por alguém precisar de algo tem direito a tê-lo. Segundo, que o controle do governo é a melhor forma de garantir a disponibilidade de um bem ou serviço essencial. Terceiro, que sem o policiamento do governo os fornecedores destes bens e serviços se tornariam monopólios opressivos.
Como é a infra-estrutura no Brasil de hoje
A infra-estrutura no Brasil reflete décadas de governos que operam segundo as três falácias citadas.
Por acharem que a necessidade gera um direito, os governos brasileiros gastaram e continuam gastando fortunas arrecadadas em impostos para levar ruas asfaltadas, água, esgoto, energia elétrica e inúmeros outros serviços a todos. Inclusive àqueles que por opção vivem em locais isolados e àqueles que ocupam ilegalmente propriedades de outros.
Por acharem que o controle governamental é a única forma de garantir a existência de um serviço essencial, os governos brasileiros criaram empresas estatais para prover estes serviços. Como as estatais não conseguem competir com empresas privadas, garantiram a estas empresas monopólio sobre suas atividades.
Por acharem que sem o policiamento governamental empresas provedoras de bens ou serviços de infra-estrutura se tornariam monopólios opressivos, os governos brasileiros regulamentam pesadamente todas estas atividades. Definem as características dos produtos, a maneira como são comercializados, impõe controles de preço e fecham o mercado através de sistemas de concessão.
Cada uma destas ações viola os direitos individuais de cidadãos brasileiros. Cada uma delas tem conseqüências negativas diretas e indiretas.
Quando o governo provê bens ou serviços de infra-estrutura com dinheiro arrecadado através de impostos, viola o direito de propriedade do cidadão tributado. Isto causa diretamente uma diminuição do incentivo ao trabalho e à produtividade, afinal quanto mais se produz mais se paga em impostos – e é muito mais fácil simplesmente se acomodar e reclamar que o governo não lhe provê aquilo que você precisa.
Indiretamente, prover infra-estrutura gratuitamente (paga por impostos) bloqueia o investimento privado no setor. Os mercados de infra-estrutura tipicamente demandam grandes investimentos iniciais, e têm retorno ao longo de muitos anos ou muitas décadas. Nenhum investidor privado arriscará seu dinheiro se tiver de concorrer com os serviços aparentemente gratuitos do governo.
Quando o governo toma para si uma atividade, através de monopólio estatal, o governo viola o direito de propriedade e o direito à liberdade do cidadão. Com que legitimidade, por exemplo, o governo brasileiro proíbe um cidadão supostamente livre de montar um serviço de entrega de cartas? De extrair petróleo que ele mesmo encontrou em sua propriedade?
O monopólio estatal proíbe cidadãos livres de produzirem livremente, ou de usarem sua propriedade da forma que lhe parece mais produtiva. No lugar da livre iniciativa o monopólio estatal cria uma empresa que não precisa lucrar e não precisa agradar ao cliente. Esta não é a receita para garantir a disponibilidade de produtos ou serviços.
Quando o governo regulamenta uma atividade econômica, impondo condições e limites à atividade das pessoas e empresas, viola o direito à propriedade e à liberdade do cidadão. Com que legitimidade o governo proíbe que um cidadão venda um pão que ele mesmo fez por unidade, e não por quilo? Com que legitimidade estabelece os preços pelos quais um cidadão livre pode vender seus bens ou prestar serviços?
A regulamentação e os sistemas de concessão conspiram para diminuir os incentivos ao investimento e à inovação. Fazem com que as pessoas e empresas se dediquem a prover o mínimo permitido pela lei ao menor custo possível, em vez de buscarem o máximo de produtividade.
O efeito combinado deste verdadeiro arsenal de políticas erradas é a realidade atual da infra-estrutura brasileira. Os serviços de infra-estrutura são cronicamente deficientes em disponibilidade e qualidade, o volume de investimentos do governo nunca é suficiente, o investimento privado no setor não aparece apesar da demanda evidente.
Como deveria ser a infra-estrutura
Produtos e serviços de infra-estrutura, como qualquer outro produto, deveriam ser produzidos, comercializados e consumidos livremente sem qualquer intervenção do governo.
Embora estes serviços e produtos sejam muito desejáveis, até indispensáveis para a maneira que desejamos viver, não são direitos de ninguém. Como tudo que precisa ser produzido, pertencem a quem produziu por virtude de resultarem de seu esforço. Quem cria estes bens tem o direito de oferecê-los pelo preço e nas condições que quiser, e os demais cidadãos tem a liberdade de escolher se aceitam ou não estes termos.
O governo não deve tentar prover estes bens ou serviços gratuitamente simplesmente porque é impossível. Como só existem como resultado do trabalho de alguém, estes produtos têm um preço. Não há mágica que os faça tornarem-se gratuitos. O que o governo faz, tomar riqueza de uns com impostos para pagar serviços para outros, é apenas isso: roubo seguido de esmola.
Finalmente, o governo não deve tentar controlar o que é produzido, como é comercializado nem a que preço. O governo não sabe qual é o melhor produto, quem sabe é o cidadão que o consome. O governo não sabe a melhor forma de comercializar produtos, quem sabe é a empresa que vende e o cliente que compra. O governo não sabe quanto vale um bem ou serviço, quem sabe é o comprador.
Quando o mercado é livre, as pessoas só compram aquilo que vale o seu preço. Quando o governo interfere, as pessoas não têm escolha. Os impostos são cobrados gostando se ou não dos serviços que o governo oferece. O cidadão nem tem a oportunidade de conhecer alternativas, pois elas não são nem inventadas quando a regulamentação especifica como tudo deve ser.
A barreira da dependência material estabelecida
Praticamente todos os brasileiros são usuários de serviços de infra-estrutura governamentais ou providos por empresas estatais. Felizmente, estes serviços em sua maioria já não são gratuitos, embora muitos sejam significativamente subsidiados.
A vantagem é que as pessoas já estão acostumadas a pagar pela maioria dos serviços que consomem. Interromper a interferência do governo nas diversas indústrias de infra-estrutura, portanto, significaria um impacto menor em termos de dependência quando comparado com a desestatização da educação ou saúde.
A barreira da viabilidade política
A ilusão de que sem a ação do governo não haveria ruas, estradas, portos nem aeroportos, ou que na ausência de regulamentação as empresas passariam a cobrar fortunas por água ou eletricidade é prevalente. A esta ilusão se soma o engodo de que uma rodovia ou usina hidrelétrica governamental pertence a todos.
A barreira da viabilidade política, no caso da infra-estrutura, é a resistência de milhões de pessoas que há décadas ouvem estas mentiras diariamente na TV, e constantemente em época de eleições. A liberalização destes mercados seria certamente chamada de entreguismo.
A barreira da máquina governamental
A máquina governamental seria uma barreira enorme ao fim da interferência do governo na indústria de infra-estrutura.
* Elimina o ministério e secretarias dos transportes em todas as esferas de governo;
* Elimina o ministério das comunicações;
* Elimina o ministério das minas e energia;
* Elimina inúmeras agências reguladoras;
* Desestatiza inúmeras empresas.
Estes fatores indicam que se pode esperar a oposição de:
* Burocratas dos diversos ministérios e secretarias afetados;
* Diretores e funcionários de agências reguladoras;
* Diretores e funcionários de empresas estatais;
* Políticos que usam cargos em ministérios, secretarias, agências e estatais como moeda de troca;
* Políticos que usam a legislação e as agências reguladoras para extrair benefícios das empresas privadas;
* Partidos políticos que derivam recursos ou apoio de sindicatos de funcionários do governo.
É preciso evitar ou superar esta oposição.
A barreira da cultura do estatismo
A cultura do estatismo torna a liberalização da indústria de infra-estrutura impopular. Se alguém não tem água encanada, acha que o governo tem de levar água até sua casa. Se pega congestionamento, acha que o governo tem de construir mais ruas ou metrô. Se o avião atrasa, o governo tem de proibir atraso. Se o banco tem fila, o governo tem de proibir a fila.
No Brasil o governo é visto como a solução para todas as dificuldades. Na verdade, o governo é a causa da maioria das dificuldades brasileiras. É preciso vender a liberdade, mostrar que funciona.
Uma proposta para consertar a infra-estrutura no Brasil
Já houve no Brasil muita abertura de setores de infra-estrutura ao mercado. Os governos Collor e FHC realizaram significativas reduções na interferência governamental eliminando diversos monopólios estatais e empresas controladas pelo governo. O governo Lula, embora tenha patrocinado algumas medidas liberalizantes, reverteu esta tendência. Há um claro viés estatizante em sua política.
As medidas liberalizantes do passado recente são as responsáveis pelos saltos qualitativos que o Brasil experimentou em algumas áreas de infra-estrutura. Após o fim do sistema Telebrás estatal, a telefonia ficou melhor, mais barata e muito mais difundida.
Por mais que se reclame do atendimento ao cliente das empresas de telefonia, é preciso reconhecer que muita gente que hoje tem telefone em casa e telefone celular não poderia nem sonhar com tal privilégio nas condições de meros 15 anos atrás.
Embora haja casos similares de sucesso nas mais diversas áreas com benefício inegável para os trabalhadores, investidores e clientes das mais variadas indústrias, a privatização continua sendo denunciada como um atentado contra o país e contra o cidadão.
Esta visão está errada triplamente. Primeiro porque o que foi feito no Brasil (com raras exceções) não foi privatização, mas apenas concessão. Concessão não é privatização. Em segundo lugar porque o chamado bem público não é propriedade de todos os cidadãos. Pelo contrário, é propriedade do governo e, portanto, é tratado pelos governantes como se lhes pertencesse. Finalmente porque ao se vender algo, se recebe algo em troca.
A proposta para consertar a infra-estrutura no Brasil é simples conceitualmente, mas requer aplicação individualizada a cada setor. Trata-se de:
Eliminação de toda a regulamentação imposta ao setor
* Aprovações governamentais requeridas para a realização de obras e empreendimentos;
* Normas técnicas impostas por força de lei;
* Características obrigatórias dos produtos ou serviços;
* Condições obrigatórias ou restrições à forma de comercialização;
* Obrigatoriedade da prestação do serviço;
* Controles de preço, incluindo mínimos (leis anti-dumping) e máximos.
Esta medida é baseada no respeito ao direito de propriedade, reconhecendo que o proprietário tem o direito de dispor de seus bens da forma que quiser sem para tanto pedir permissão ao governo. Reconhece que transações comerciais são por comum acordo e como tal também não dependem da aprovação do governo.
A proteção ambiental de áreas próximas a obras ou empreendimentos de infra-estrutura continua assegurada pelas leis que punem o dano à propriedade alheia.
A proteção do cliente ou usuário contra práticas danosas ou produtos que oferecem risco continua assegurada pelas leis que punem a negligência, imperícia e imprudência por parte do provedor do bem ou serviço.
A proteção do cliente ou usuário contra produtos de baixa qualidade ou que não cumprem o prometido explicitamente em contrato ou implicitamente em propaganda continua assegurada pelas leis que punem a fraude e propaganda enganosa.
Abertura do setor ao capital estrangeiro
* Eliminação de qualquer restrição quanto à quantidade de capital estrangeiro no setor;
* Eliminação de qualquer restrição quanto ao controle de empresas locais por estrangeiros;
* Respeito integral do direito de propriedade do estrangeiro.
Esta medida é baseada no respeito ao direito de propriedade, reconhecendo que o estrangeiro tem os mesmos direitos individuais que o cidadão. Reconhece que os direitos à vida, liberdade e propriedade não decorrem da nacionalidade e sim apenas da natureza dos indivíduos racionais.
A segurança dos interesses estratégicos do país é assegurada pelo simples fato de que não se pode levar uma estrada ou uma usina elétrica embora para o exterior – mesmo que o dono seja estrangeiro. As empresas e obras de infra-estrutura continuariam a ser constituídas e operadas por brasileiros.
Eliminação de todas as concessões e propriedades governamentais
* Leilão da propriedade sob concessão com transferência efetiva da propriedade ao comprador ao fim do atual período de concessão;
* Leilão das propriedades governamentais pertinentes ao setor com transferência efetiva da propriedade ao comprador.
Esta medida é baseada no respeito ao direito de propriedade, reconhecendo que o governo é soberano sobre o país, mas não é proprietário do país.
Soberania é a característica de deter o monopólio legal sobre o uso da força, sua legitimidade decorre do uso desta força para a proteção dos direitos individuais e é reconhecida pelo consentimento dos governados.
Propriedade é a característica de deter o direito exclusivo de uso sobre algo, sua legitimidade decorre do ato de criar a propriedade ou torná-la utilizável. Propriedade é criada pelos cidadãos e protegida pelo governo, não é criada pelo governo e não é concedida aos cidadãos pelo governo.
Como a propriedade governamental resulta do confisco da propriedade de cidadãos através de impostos no passado, é correto usar os recursos obtidos ao leiloar esta propriedade para reduzir a dívida acumulada pelo governo, que do contrário teria de ser paga com recursos provenientes de impostos futuros.
Com a eliminação das obrigações da regulamentação e das regras de concessão, combinada à eliminação de todas as barreiras de entrada aos mercados de infra-estrutura, em vez de prestar o serviço mínimo exigido por lei, as empresas teriam de prestar o melhor serviço que pudessem – ao risco de perder seus clientes para um concorrente novo ou estabelecido.
Privatização real de todas as empresas estatais do setor
* Transferência efetiva da propriedade ao comprador.
Esta medida é baseada no reconhecimento da natureza e propósito do governo. O governo é caracterizado pelo uso da força, e sua ação legítima se restringe àquilo em que é legítimo usar a força: a defesa contra agressão.
Como a propriedade governamental resulta do confisco da propriedade de cidadãos através de impostos no passado, é correto usar os recursos obtidos ao leiloar estas empresas para reduzir a dívida acumulada pelo governo, que do contrário teria de ser paga com recursos provenientes de impostos futuros.
Resultado global
Este conjunto de medidas retira do governo a propriedade sobre as grandes indústrias e obras de infra-estrutura do país. Elimina também os mecanismos pelos quais o governo é capaz de impedir ou interferir na criação e comercialização de produtos e serviços de infra-estrutura.
Tirar estes poderes do governo resulta em uma redução muito significativa do potencial para corrupção. Se o governo não tem o poder de impedir a livre ação produtiva de cidadãos e empresas, não há motivo para corromper governantes. É o fim das obras superfaturadas, das licitações compradas, da regulamentação a serviço de interesses privados.
Livres do risco da interferência governamental, dos impedimentos legais e dos processos burocráticos intermináveis e tendo garantido seu direito de cobrar os preços que garantem rentabilidade, os investidores privados levariam aos setores de infra-estrutura um volume de capital muito além do atual. O livre acesso de indivíduos e empresas estrangeiras ao investimento em infra-estrutura no país traria um volume ainda maior de recursos.
O mercado internacional de capitais combinado à existência de empresas estrangeiras especializadas nos diversos setores seria um impedimento natural ao surgimento de monopólios opressivos no Brasil. Um setor que tendesse ao monopólio com aumento expressivo de rentabilidade devido a altos preços atrairia novos concorrentes estrangeiros à atuação no Brasil.
Vencendo a dependência material estabelecida
Os serviços e produtos de infra-estrutura no Brasil, com raras exceções, não são gratuitos. Isto é muito bom, pois não é preciso vencer a barreira psicológica de passar a pagar por algo que antes aparentava ser gratuito (como ocorre com serviços de saúde e educação, por exemplo).
É possível, no entanto, que certos produtos e serviços que são oferecidos por obrigação imposta via regulamentação ou subsidiados pelo governo deixem de ser oferecidos ou apresentem um aumento de preço.
Como se observou na telefonia após a desestatização, a expectativa é que rapidamente a abertura dos diversos setores provoque um aumento do investimento e conseqüente melhoria e diversificação dos produtos. A tendência de longo prazo é a queda de preço, popularizando os produtos e serviços.
Vencendo a inviabilidade política
O caminho para vencer a inviabilidade política é uma forte campanha informando a população sobre as ações tomadas e os pontos positivos associados.
Em particular, a má qualidade dos serviços prestados pelo governo e estatais e a propensão destes a se tornarem foco de corrupção e maquinação política são pontos importantes a usar em favor da liberalização.
O volume de recursos arrecadado e conseqüente abatimento da dívida, se associado a uma redução de impostos equivalente, pode ser outro bom argumento.
Vencendo a máquina governamental
A oposição a estas medidas por parte de políticos e grupos de pressão que vivem de parasitar as obras e administração governamental seria realmente extrema. Seria verdadeiramente uma luta pela sobrevivência – a sobrevivência de um modelo de estado interventor e corrupto.
A única arma contra esta oposição é uma pressão massiva da opinião pública, maior até do que aquela exercida contra a renovação da CPMF no fim de 2007. Construir este apoio popular é um desafio de comunicação, como já comentado.
Vencendo a cultura do estatismo
Uma reforma como a proposta demora anos para mostrar resultados, no entanto haverá casos em que os resultados sejam mais imediatos. O esforço de comunicação associado à reforma deve identificar os benefícios nos diversos setores logo que eles se tornarem aparentes, e trazê-los à atenção da mídia e da população.
Os brasileiros precisam de tempo e de exemplos para se acostumarem coma idéia de que eles é que são responsáveis por resolver seus problemas.
Notas:
Este artigo poderá ser extensamente alterado, para incorporar novas idéias minhas, sugestões de leitores ou para endereçar críticas que venham a ser feitas.
Este artigo usa extensamente termos como “estrada governamental”. Isto é proposital e visa enfatizar o fato de que os serviços de infra-estrutura providos pelo governo não são “públicos” – têm pagantes e beneficiários específicos e distintos, não beneficiam a todos na medida que pagam por estes serviços nem estão à disposição de todos para usar como bem entendem.
13 julho, 2008
Consertando os Impostos
A série “Consertando o Brasil” apresenta propostas sobre como partir do Brasil de hoje e chegar ao Brasil que todos dizem que gostariam de ver, detalhes sobre a abordagem e o propósito destes artigos estão na Introdução à série.
Impostos
A arrecadação de impostos no Brasil atingiu após os governos FHC e Lula níveis extremos. A situação superou a passividade típica da população brasileira ao ter seus direitos fundamentais agredidos pelo governo, como demonstrou a fracassada tentativa de prorrogar a CPMF. Dada a proeminência dos impostos no debate político atual, resolvi abordá-los nesta série.
A questão real não é como consertar os impostos, pois imposto é crime – uma violação direta do direito individual à propriedade. O verdadeiro problema é como financiar o governo sem impostos. Mas há um longo caminho até este objetivo.
Como são os impostos no Brasil de hoje
A carga tributária média no Brasil está hoje em torno de 39%, segundo o IBPT. Isto significa que de toda a riqueza que os brasileiros produzem com seu trabalho, o governo lhes toma à força quase metade.
Este valor médio extremo é o primeiro grande problema. Todo o dinheiro que o governo arrecada é dinheiro tirado de gente inocente e trabalhadora. Penalizar o trabalho significa incentivar o não-trabalho.
As formas como as pessoas reagem a este “desincentivo” são inúmeras. Uma pessoa pobre pode recusar um emprego para não perder o Bolsa Família, alguém de classe média pode preferir um emprego mais fácil do que outro que paga melhor, pois a diferença de salário é corroída pelos impostos, alguém muito rico pode simplesmente preferir levar seus investimentos para outros países que o castiguem menos por produzir riqueza com seu capital.
Em particular, este último mecanismo é o mesmo que afugenta o investidor estrangeiro. Por que arriscar seu dinheiro em um lugar onde o governo leva 40% de tudo o que você ganha mas você arca com 100% de tudo o que perde?
Além de a carga média ser pesada, a carga sobre cada indivíduo varia enormemente. As pessoas mais pobres, as que têm pouco e produzem pouco, em geral têm uma carga tributária negativa. Não têm emprego formal ou são isentas de imposto de renda e recebem de programas assistencialistas mais do que pagam em impostos sobre seu consumo.
Para a classe média assalariada, incluindo a classe média baixa, esta equação se inverte. Estas pessoas não têm direito a diversos “benefícios” de programas assistencialistas, e optam por não consumir muitos dos serviços “gratuitos” oferecidos pelo governo. Sua renda e seu consumo são taxados “na fonte” – não há como escapar.
Por fim, as pessoas mais ricas derivam muito menos de seus rendimentos de salário. Há inúmeras brechas na legislação que permitem evadir ou minimizar legalmente os impostos pagos – e há muita gente que sonega. Estas pessoas também têm a alternativa real de mandar seu capital para fora do país. Os impostos que pagam são, em geral, aqueles que estão embutidos no preço dos bens e serviços que consomem.
Este perfil nutre um perverso incentivo para que os mais pobres não tentem sair de sua condição de “beneficiados” para passar a vítimas do sistema assistencialista. Também nutre na classe média um poderoso e justificado sentimento de injustiça, pois além de sustentarem contra sua vontade os mais pobres vêem os mais ricos se esquivando do achaque governamental das mais variadas maneiras – legais, ilegais, morais e imorais.
Além de ter uma carga média sufocante e de ter um perfil de distribuição que incentiva o miserável a continuar miserável e o muito rico a levar seu capital produtivo para outro lugar, a tributação no Brasil também é absurdamente complexa.
Segundo o site http://www.portaltributario.com.br/ há 82 impostos, tributos, taxas, “contribuições” e demais mecanismos através dos quais o governo do Brasil, em suas diversas esferas, expropria cidadãos inocentes de qualquer crime.
Cada um destes 82 impostos tem regras próprias: aplicabilidade e alíquotas variadas, isenções, exceções e outras nuances. Entender quais são os impostos devidos na realização de uma atividade simples já é um desafio. Quando se trata da operação de uma empresa, as variáveis são tantas que entender e seguir o sistema tributário passa a ser uma das grandes despesas operacionais.
Iniciativas como o Simples, um regime tributário especial para empresas pequenas, são simplesmente umas soluções paliativas para o problema – mas mostram que até o governo reconhece que não é viável operar uma empresa pequena seguindo a legislação “normal”.
Este sistema absurdamente complexo e cheio de exceções e nuances é ideal para três coisas. Primeiro, cria todo um mercado para consultores e advogados tributaristas – que vivem de achar meios legais para burlar a tributação.
Em segundo lugar, cria um mercado permanente para que políticos vendam facilidades para contornar as dificuldades que o próprio governo cria. Da próxima vez que ouvir um governante falando em “incentivo fiscal” lembre-se disto – o governo não está fazendo favor a ninguém, só está atrapalhando um pouco menos.
Finalmente, este sistema é ideal para a corrupção. Se ninguém é capaz de entender o sistema tributário, todos estão vulneráveis a multas e autuações, todos potencialmente podem ser “liberados” de uma forma ou de outra. As oportunidades para a corrupção e para o achaque e são inúmeras.
A carga e o sistema tributário do Brasil são, sem sombra de dúvida, a maior barreira ao desenvolvimento econômico do país. E a culpa é inteiramente do governo.
Como deveriam ser os impostos
A resposta simples é que não deveriam existir impostos. Da mesma forma que é imoral para um indivíduo tomar à força os bens que resultam do trabalho de outro, também é imoral que grupos de indivíduos o façam. Um governo não é diferente.
Um governo, cuja função é a defesa dos direitos individuais, que se financia através da violação do direito de propriedade das pessoas que deveria proteger é uma contradição. Anarquistas usam este fato como argumento em suporte à tese de que todo governo é imoral, ignorando a alternativa óbvia: um governo legítimo tem de ser financiado voluntariamente.
A maneira correta de financiar o governo é através de doações voluntárias de seus cidadãos.
A barreira da dependência material estabelecida
Dentre as diversas coisas que os governos de hoje em dia fazem, a esmagadora maioria não beneficia quem paga a conta. É por isso que os impostos existem. Se os cidadãos produtivos quisessem aquilo que o governo faz, os impostos seriam desnecessários e o financiamento voluntário seria simples e natural.
Para que o financiamento do governo seja voluntário, é preciso que o governo gaste o dinheiro do cidadão em coisas que o beneficiam. Obviamente isto significa que o assistencialismo e a transferência de riqueza de um cidadão para outro precisam acabar. Como há dezenas de milhões de brasileiros dependentes do dinheiro e serviços que recebem do governo, para acabar com os impostos é preciso eliminar esta dependência.
A barreira da viabilidade política
Tornar o financiamento do governo voluntário significa eliminar todos os mecanismos governamentais que beneficiam uns prejudicando outros. Desmontar sistemas assistencialistas significa confrontar o interesse aparente de todos os seus “beneficiários” – embora no longo prazo eles sejam os maiores prejudicados pelo atraso nacional. É preciso lidar com a inevitável oposição política.
A barreira da máquina governamental
Como dito antes, o sistema tributário é uma das maiores ferramentas que os governantes usam para manipular a vida das pessoas e, principalmente, as empresas. Eufemismos como “incentivos fiscais”, “política industrial”, “políticas setoriais” e muitos outros ocultam a prática de ditar a indivíduos livres em que devem trabalhar, o que consumir e diversos outros aspectos da vida de cada um.
Do lado dos gastos, eliminar impostos significa que os governos ficam limitados a fazer aquilo que os cidadãos produtivos vêem como benéfico. Um governo que resolvesse gastar bilhões distribuindo esmola ou com projetos faraônicos como Copa do Mundo e Olimpíada logo veria sua receita diminuir.
Eliminar os impostos significa eliminar a maior arma no arsenal do político, significa efetivamente tornar o governo incapaz de agir contra a vontade daqueles que o sustentam. Torna o político efetivamente um funcionário, e não o proprietário, do país. Naturalmente é preciso lidar com a inevitável oposição da máquina governamental.
A barreira da cultura do estatismo
Um governo financiável voluntariamente é um governo que necessariamente faz muito menos que os governos de hoje. E isto é bom. No entanto a cultura brasileira vê a ação governamental como solução para os problemas do dia a dia. Um governo que não ajuda ninguém terá de vencer a oposição generalizada daqueles que acham que cabe aos outros resolver seus problemas – sem perceber que para “ajudar” uns o governo precisa cometer crimes contra outros.
Uma proposta para consertar os impostos no Brasil
Dado o cenário brasileiro é preciso com urgência reduzir a carga tributária e também simplificar drasticamente o modelo de tributação. Cada uma destas reformas tem dificuldades distintas.
Reduzir a carga tributária significa reduzir o orçamento do governo. Para poder arrecadar menos é preciso gastar menos. As barreiras para uma redução maciça do volume de impostos são a dependência material de milhões de brasileiros, a viabilidade política de eliminar esta dependência e a cultura estatista – convencer a população que o governo precisa fazer menos.
Simplificar a tributação significa tirar poder dos governantes. Isto é bom, no entanto a barreira para colocar esta reforma em prática é o interesse de políticos e da máquina governamental em manter as coisas como estão.
A redução maciça da carga tributária requer tempo para que reformas, como a aqui proposta para a Educação, reduzam e eventualmente eliminem a dependência dos brasileiros. Assumido que a tributação coerciva é atualmente necessária, é preciso identificar uma forma de tributação eficiente e o menos injusta possível.
Simplificar o sistema
Para a transição deve se buscar uma tributação que não penaliza uns em benefício de outros. As pessoas, no entanto, não consomem medidas iguais dos serviços legítimos prestados pelo governo – considerando aqui sua função correta: exército, polícia, justiça. É preciso encontrar uma forma de tributação proporcional aos serviços que cada cidadão obtém das funções próprias do governo.
Como as funções do governo se resumem basicamente a defender vida e propriedade, cabe a correlação de que quanto maior a riqueza de um indivíduo, mais ele consome serviços de proteção de propriedade. Uma tributação proporcional à riqueza é mais coerente que uma tributação idêntica para todos os cidadãos.
As alternativas de tributação podem ser resumidas a: tributar renda (ex: Imposto de Renda, CSLL), tributar transações (ex: CPMF, ICMS) ou tributar propriedade (ex: IPVA, IPTU). Um imposto de alíquota única sobre qualquer um destes aparentemente atende o requisito de recair igualmente sobre todos os cidadãos em proporção aos serviços que o governo lhes presta.
Tributar a propriedade é moralmente repugnante – em maior grau que a tributação coerciva em si. Um imposto sobre propriedade destrói o próprio conceito de propriedade privada. A propriedade passa a ser tratada como uma benesse contingente ao pagamento de uma taxa ao governo, em vez de um direito inalienável. O Estado se torna na prática o único proprietário, e os cidadãos locatários daquilo que eles próprios construíram. Esta opção será descartada de imediato.
Tributar a renda tem dois problemas severos de ordem prática. Em primeiro lugar, tributar a renda do indivíduo é um enorme desestímulo ao empreendedor. Ao tributar a renda é subtraída uma parcela dos recursos que o indivíduo destinaria a investir no sistema produtivo – seja diretamente ou pelo acúmulo de capital em aplicações financeiras. O segundo problema grave é que para tributar a renda é preciso conhecer a renda do cidadão, o que gera a necessidade de fiscalizar 180 milhões de indivíduos.
Na prática, só se pode tributar a renda de quem tem emprego formal, o que torna este método desigual, pois não recai sobre o trabalhador “informal” – embora este continue consumindo serviços do governo. Isto tem o efeito adicional de incentivar a informalidade, o que dificulta a proteção do direito contratual.
Resta a tributação de transações. Como se está buscando uma medida da riqueza do indivíduo, não faz sentido tributar transações que não envolvem bens materiais (tais como transferências entre contas bancárias, operações de crédito, doações, heranças etc.). Tributar as transações de compra e venda de produtos fornece a característica desejada.
É extremamente indesejável que a tributação seja oculta ao pagador de impostos, é preciso que o cidadão saiba o quanto lhe custa o governo. É também totalmente insensata a incidência de imposto sobre um valor já pago em imposto. Estes dois efeitos ocorreriam em caso de incidência em cascata de impostos ao longo de uma cadeia produtiva. Um imposto sobre compra e venda de produtos que incidisse sobre qualquer transação teria estas características indesejáveis.
Chega-se, por fim, á solução: um imposto sobre a compra e venda de produtos que incide apenas na venda para o consumidor final. Um imposto sobre consumo.
A reforma imediata
O modelo proposto para a reforma do sistema de tributação consiste, portanto, na eliminação imediata de todos os tributos, “contribuições” e demais formas de taxação com exceção do ICMS. Isto inclui os impostos sobre propriedade, imposto de renda, impostos de importação sobre todos os produtos de qualquer natureza.
O ICMS seria transformado de um “imposto sobre a comercialização” em um “imposto sobre o consumo”. Vale reforçar que ele não seria um imposto sobre valor agregado, não incidindo em cascata nem em todas as etapas de produção – apenas incidiria sobre o consumo.
O imposto sobre consumo teria uma alíquota federal, uma estadual e uma municipal. Toda compra de bens ou serviços seria tributada com a soma destes valores, para o local da transação. O valor do imposto seria recolhido pelo vendedor, que seria cobrado pelo governo.
Por fim, para caracterizar um imposto sobre consumo e não sobre qualquer transação, ao comprar um produto ou serviço para uso em seu processo produtivo qualquer empresa (identificada por seu CNPJ) poderia emitir um certificado para o vendedor. O vendedor, com este certificado, não precisaria recolher imposto sobre esta venda.
Esta primeira reforma, substituindo 82 impostos por apenas um, traria enormes benefícios – mesmo que as alíquotas do imposto remanescente sejam inicialmente calculadas para manter o nível atual de arrecadação:
Vale uma explicação adicional sobre a robustez deste modo de tributação em relação à informalidade, à sonegação e à corrupção. O imposto incide apenas sobre a venda final – como isto seria implementado? Em uma transação entre duas empresas, em que uma é fornecedora da outra, ao ser feita a transação o comprador emite um registro desta como transação produtiva e não para consumo. Este registro fica com a empresa vendedora. Naturalmente o registro só é legalmente válido sendo o comprador uma empresa “formal”.
Ao ser fiscalizada, uma empresa precisa demonstrar que repassou ao governo o imposto referente à venda para consumo (o vendedor recolhe o imposto em nome do governo) para todo seu volume de vendas, exceto para a parte que estiver coberta por registros de transação produtiva com outras empresas. Este sistema gera uma cadeia de evidência que permite à agência fiscalizadora facilmente cruzar dados e identificar potenciais sonegadores.
Para sonegar, uma empresa precisaria declarar um volume de vendas abaixo do real (retendo o imposto relativo à diferença entre a venda alegada e a venda real), mas a cadeia de evidência denunciaria o golpe. Caso um fornecedor tenha um comprovante de que vendeu 10.000 rodas para uma fábrica de bicicletas e a fábrica de bicicletas alegue ter vendido apenas 3.000 bicicletas para o comércio, isto atrairá imediatamente a suspeita do fiscalizador.
O que acontece quando um agente “informal” entra na cadeia produtiva é que ao comprar o produto ele tem de fazê-lo como se fosse consumidor final – pagando imposto. Sem ser uma empresa formal ele não pode emitir o registro de transação produtiva. Apenas uma cadeia produtiva totalmente informal em todas suas etapas conseguiria não pagar imposto sem ser identificável pela agência fiscalizadora. Todos os pontos de comércio e venda final estariam também sujeitos à abordagem direta da fiscalização.
Reduzir o gasto governamental
Embora esta reforma seja profunda, ela é apenas a primeira parte. Para que o financiamento do governo possa ser voluntário, é preciso reduzir o governo àquelas funções que lhe são legítimas, por sua natureza.
Não por coincidência, as funções legítimas de um governo – a polícia, a justiça e a defesa nacional – são coisas das quais todos os cidadãos beneficiam, literalmente. Quando um ladrão é preso, quando um fraudador é condenado a ressarcir sua vítima, quando o país é defendido contra agressão externa todas as pessoas de bem são beneficiadas: há menos um ladrão, menos um fraudador, menos um país estrangeiro ameaçando sua vida e prosperidade.
Um estudo sobre os gastos com as funções legítimas do governo dos Estados Unidos em 2005, a maior potência bélica do mundo e em guerra, indicam que o orçamento da polícia, tribunais e militares representou cerca de 18% do total gasto pelo governo. No Brasil, este número provavelmente é menos de 5%.
A parte seguinte da solução para os impostos, portanto, é a eliminação de toda atividade governamental ilegítima. Cada uma delas certamente requererá um plano específico – como o proposto nesta série para a Educação.
Conforme os gastos do governo diminuem, as alíquotas do imposto único têm de ser reduzidas – até que o governo esteja fazendo apenas o que deve fazer: defender nossos direitos individuais. Neste momento sustentar o governo provavelmente custaria um vigésimo do que se paga hoje em impostos – e o imposto único poderia ser transformado em contribuição voluntária.
Vencendo a dependência material estabelecida
A dependência material precisa ser vencida com processos específicos de eliminação de todos os programas assistenciais existentes. Um exemplo é o proposto para a Educação. A redução da carga tributária acompanha estes processos – que podem durar até dez anos.
Vencendo a inviabilidade política
A primeira etapa da reforma, de efetividade imediata, é do interesse de absolutamente todos os cidadãos brasileiros. Empresas, assalariados, desempregados – quem quer que seja – seria beneficiado pela enorme simplificação da atividade econômica, e decorrente enxurrada de investimento externo e interno.
A viabilidade política desta reforma depende de aproveitar o momento atual de revolta contra a sede incansável de impostos que o governo manifesta.
Vencendo a máquina governamental
A parte mais difícil desta reforma é evitar que comece o ciclo vicioso de isenções, exceções e demais artifícios que o governo sempre usa para beneficiar uns prejudicando outros. A tendência natural seria que uma reforma como esta, ao passar pelo legislativo, ganhasse dezenas de emendas e alterações – deturpando seu princípio fundamental: a simplicidade e igualdade de condições.
Esta seria uma dura batalha política, e “vender” os conceitos fundamentais da reforma para a população seria essencial para que a pressão da opinião pública limitasse o estrago durante a aprovação do projeto. No entanto é importante reconhecer que mesmo descaracterizada até certo ponto, esta reforma seria incrivelmente benéfica.
Vencendo a cultura do estatismo
Para a segunda parte da reforma, de longo prazo, os processos específicos de eliminação de assistencialismo e intervenção governamental ilegítima é que têm de lidar com a cultura do estatismo. Na medida de seu sucesso, a carga tributária total poderia ser reduzida.
A grande vantagem é que, após a reforma inicial, a carga tributária é visível e diariamente evidente para o cidadão.
Notas:
1. Este artigo poderá ser extensamente alterado, para incorporar novas idéias minhas, sugestões de leitores ou para endereçar críticas que venham a ser feitas.
25 junho, 2008
Consertando a Educação
A filosofia baseada na razão e a história comprovam que a prosperidade é resultado da liberdade individual. Colocar em prática a política liberal capitalista em um país viciado no poder do estado, no entanto, não é coisa simples.
A série “Consertando o Brasil” apresenta propostas sobre como partir do Brasil de hoje e chegar ao Brasil que todos dizem que gostariam de ver, a Introdução à série contém detalhes sobre a abordagem e o propósito destes artigos.
Educação
Escolhi iniciar esta série com uma proposta sobre educação por ser tão comum a idéia de que resolvendo este problema todos os outros, da pobreza à criminalidade, se extinguem automaticamente.
Por mais valiosa que seja para o indivíduo, não é verdade que a educação seja solução para os problemas do país. Como disse durante a campanha presidencial de 2006, em “Educação não é resposta”, não há passe de mágica que eduque todos os brasileiros, e não há como o governo educar os brasileiros sem agravar a verdadeira causa do nosso atraso: o desrespeito aos direitos individuais.
Como é a educação no Brasil de hoje
A educação básica no Brasil é universal, gratuita e obrigatória, como manda a “Declaração universal dos direitos da criança” da UNICEF, órgão da ONU.
Na prática isto significa que o governo brasileiro, em suas diversas esferas, opera escolas que provêem ensino básico e médio “gratuitamente”, ou seja, com recursos vindos de impostos, a quem queira. Adicionalmente, a lei obriga os pais a manterem seus filhos na escola.
O governo brasileiro também opera Faculdades e Universidades. No caso do ensino superior, o ensino provido pelo governo não é universal nem obrigatório. É oferecido um número limitado de vagas e não há lei que obrigue a formação superior.
Em paralelo ao sistema governamental de ensino, há escolas privadas de todos os níveis (básico, médio, superior). A rede de ensino privado se concentra nas regiões mais urbanizadas, onde há concentração de pessoas capazes de pagar por seus serviços.
As conseqüências negativas deste cenário são diversas. A obrigatoriedade da freqüência escolar faz com que jovens que não valorizam o ensino sejam forçados a ir à escola. Em conjunto com a proibição do trabalho “infantil”, obriga jovens de famílias que não tem o mínimo sustento a ficarem na escola em vez de trabalhar.
Sobre este ponto, vale a pena dizer que inúmeros responsáveis pela prosperidade dos atuais países desenvolvidos começaram a trabalhar quando “criança” e com isto pagaram seus próprios estudos ou construíram seu negócio.
- Henry Ford foi criado em uma fazenda (trabalhando) e aos 16 anos de idade saiu de casa – para trabalhar como mecânico;
- Benjamin Franklin, pioneiro no estudo da eletricidade, inventor do pára-raios e dos óculos bifocais, um dos gigantes da política na fundação dos Estados Unidos da América, começou a trabalhar aos 12 anos de idade. Seus pais só puderam pagar dois anos de escola (ele era o décimo quinto entre dezessete irmãos);
- Thomas Edison, inventor da lâmpada, do toca-discos, do microfone, da câmera de vídeo (em conjunto com William K. Dickson), e fundador da GE, foi educado em casa, por sua mãe. Ele trabalhava aos 7 anos de idade, vendendo doces e jornais.
O ensino superior governamental não é universal. Até recentemente o critério para definir quem teria o privilégio de receber educação superior “gratuitamente” era o mérito acadêmico, medido através dos vestibulares. Recentemente este critério passou a ser sobrepujado por outros, tais como etnia e classe econômica, através de variadas políticas de cotas.
O ensino superior governamental não é de boa qualidade. Embora tenha sido de boa qualidade em um passado mais recente que o ensino básico, segue também em decadência. Uma das forças que torna esta decadência mais lenta é exatamente o fato de que até o passado recente os alunos do ensino superior governamental eram rigorosamente selecionados quanto à sua capacidade acadêmica. As políticas de cotas certamente acelerarão a ruína das faculdades e universidades governamentais.
O ensino governamental é corrupto. Como o dinheiro que financia as escolas do governo “não é de ninguém” e como as escolas do governo não têm de dar lucro, o terreno é fértil para a corrupção e para o desvio de verbas. A oportunidade atrai pessoas desonestas.
O professor que trabalha no ensino governamental é mal pago. Como o governo não compete com ninguém pelo trabalho de seus professores, os salários são baixos. Dentro da sala de aula, alunos que só estão lá por obrigação. Fora da sala de aula, diretores que são políticos e não educadores. O professor é desrespeitado dentro e fora da sala de aula.
O ensino básico privado é caro. Em outras palavras, não há ensino privado barato. Como o governo oferece o serviço “gratuitamente”, é inviável abrir escolas privadas com foco no baixo custo, visando o mercado de menor poder aquisitivo.
O ensino superior privado é de baixa qualidade. Houve um “boom” de faculdades e universidades privadas, mas não há uniformidade na qualidade do ensino provido, e os preços são altos.
Há, naturalmente, exceções a todas estas constatações. Esta descrição caracteriza a educação de maneira geral.
Como a Educação deveria ser
Educação não é um direito – educação é um produto. O oposto disto é defendido apaixonadamente por políticos, educadores e intelectuais – mas estão errados.
Direitos verdadeiros são condições inerentes à existência do indivíduo racional. O indivíduo permanece vivo a menos que o matem, permanece livre a menos que o ameacem, permanece dono do que é seu a menos que o roubem. Direitos verdadeiros são coisas que todos têm por natureza, mas podem lhes ser tiradas.
A educação não é inerente à existência do indivíduo. Ao contrário da vida, propriedade e liberdade, o indivíduo não possui educação – a não ser que alguém o eduque. A educação não é, portanto, um direito. Respeitar os verdadeiros direitos requer apenas que não façamos nada contra o próximo. O “direito” à educação nos obrigaria a trabalhar para ele.
Produtos são aquelas coisas que são criadas pelo trabalho humano. Como diz a própria palavra, produtos são coisas produzidas pela ação humana. Educar exige conhecimento e didática. O educador precisa ele mesmo saber, o que resulta de seu próprio esforço, e precisa transmitir este conhecimento ao aluno – outra ação humana. O próprio aluno, por sua vez, também precisa se esforçar para aprender.
A educação de um indivíduo resulta sempre de seu próprio esforço. Quando não é um completo autodidata, resulta também do esforço de outros – sejam professores, palestrantes, autores, editores ou fabricantes de material didático. A educação é produzida pela ação de todas estas pessoas. A educação é um produto.
Governos legítimos se limitam à defesa dos direitos individuais. Governos legítimos não fornecem produtos – pois um governo não produz, para dar algo a um cidadão precisaria antes tirar de outro. A educação deveria ser totalmente privada – assim como o fornecimento de todos os demais produtos.
A educação deveria ser totalmente facultativa. Cabe a cada indivíduo definir o que é bom para si. Aos pais, como guardiões de seus filhos, cabe decidir o que é bom para eles – até que sejam capazes de decidir por si próprios.
Uma educação privada, portanto paga, e opcional garante que só estarão na escola indivíduos que querem estudar – ou crianças cujos pais vêem real valor na educação de seus filhos. É disto que nasce o respeito ao professor.
Uma educação totalmente privada significa que as escolas precisam competir entre si para contratar bons professores. É disto que nasce a recompensa financeira adequada pelo serviço que prestam.
Uma educação totalmente privada significa que para ganhar mais dinheiro cada escola, cada diretor, cada professor, precisa oferecer um produto melhor. Assim como em toda atividade econômica, a liberdade de competição levará à constante melhoria da qualidade e redução do preço do produto. É disto que nasce o ensino barato e de qualidade.
Uma educação totalmente privada significa menos oportunidade para corrupção. O governo brasileiro, em suas diversas esferas, poderia reduzir suas despesas, portanto sua arrecadação, em 15 a 20%. Isto significa que até 200 bilhões de reais por ano deixariam de passar pelas mãos do governo. Aquilo que não passa pelo governo não pode ser desviado por políticos desonestos.
Mas como chegar a esta situação partindo de onde estamos hoje?
A barreira da dependência material estabelecida
Há milhões de crianças brasileiras freqüentando as escolas governamentais, a maioria de famílias pobres. Não existe ensino básico de baixo custo no país. Para eliminar o ensino governamental é preciso lidar com esta dependência estabelecida.
A barreira da viabilidade política
A ilusão de que o ensino governamental é gratuito é prevalente. A eliminação do ensino governamental será tratada politicamente como a eliminação de um benefício (sem reconhecer que elimina simultaneamente um malefício maior). Quem defender o ensino privado será atacado politicamente. Certamente será acusado de não valorizar a educação ou não se importar com o futuro das crianças brasileiras.
Estas acusações são falsas – o ensino totalmente privado certamente produziria ensino melhor, mais respeitado, mais barato e mais disponível no longo prazo. Mas é preciso lidar com a inevitável oposição política durante a transição.
A barreira da máquina governamental
A total privatização do ensino sofrerá oposição de muitas pessoas na máquina governamental, pois:
- Elimina todo um ministério federal e secretarias em todos os governos estaduais e municipais;
- Faz com que professores e diretores de escolas precisem produzir bons resultados para manterem seus empregos e evoluírem na carreira;
- Elimina as oportunidades de corrupção em construção de escolas, compra de material escolar, compra de merenda escolar entre outras;
- Elimina a possibilidade do uso de gastos com educação como ferramenta de propaganda política;
- Elimina a possibilidade de uso da rede de ensino para doutrinação política.
- Burocratas de ministérios e secretarias de educação;
- Professores e diretores de escola que não querem ser avaliados por seus resultados;
- Sindicatos de professores;
- Empresários que vivem de fornecer para o governo (honesta ou desonestamente);
- Políticos e lobistas que se beneficiam de “facilitar” estes negócios;
- Políticos que usam a educação como ferramenta de propaganda e
- Grupos que querem usar as escolas para propagar sua ideologia em escala nacional.
É preciso evitar ou superar a oposição destas pessoas.
A barreira da cultura do estatismo
A cultura do estatismo torna a extinção do ensino governamental impopular. Os “beneficiários” do sistema se acostumam e passam a se achar no direito de receber serviços a troco de nada. Em todas as classes econômicas predomina a idéia e que é responsabilidade do governo resolver os problemas dos cidadãos.
É preciso “vender” a solução liberal, mostrando em termos compreensíveis pela população em geral que o ensino totalmente privado funciona.
Uma proposta para consertar a educação no Brasil
O meio proposto para resolver o problema da educação no país consiste em um conjunto de medidas imediatas e um período de transição – ao longo do qual a população brasileira se adaptará à nova realidade.
A ação imediata consiste em tornar privadas as escolas básicas e médias governamentais. A maneira de fazer isto, diferente dos leilões e concessões que se costuma usar nas “privatizações” brasileiras, seria transferir a propriedade das escolas diretamente para seus funcionários.
Administradores e professores da rede governamental de ensino receberiam uma participação na propriedade da escola em que trabalham e as escolas passariam a ser de sua propriedade. Os termos específicos que regeriam estas sociedades precisam ser definidos, mas cada escola seria como qualquer empresa com vários sócios.
Toda a verba do orçamento do governo que era usada para custeio das escolas passaria imediatamente a ser distribuída à população em forma de “vales” – os pais de cada criança receberiam mensalmente um “vale” que poderiam usar no pagamento de qualquer escola. As escolas apresentariam os “vales” que receberam de seus alunos ao governo, que as pagaria em dinheiro. O valor do “vale” seria ajustado anualmente por um índice de inflação.
Um município que gasta R$2.000.000,00 por mês no custeio das escolas municipais e onde residem 10.000 crianças, por exemplo, passaria a distribuir mensalmente um vale de R$200,00 a cada criança. Ao matricular seu filho em uma escola que tivesse uma mensalidade de R$200,00 os pais poderiam simplesmente entregar o “vale” todo mês. Se a mensalidade fosse mais alta, pagariam a diferença.
Como a verba distribuída em “vales” é a mesma verba que as escolas governamentais recebiam, inicialmente haveria certa estabilidade. As escolas tornadas privadas poderiam inicialmente cobrar uma mensalidade exatamente igual ao valor do “vale”, mantendo os mesmos alunos e tendo uma receita próxima à que tinham antes.
Os “vales”, no entanto, seriam distribuídos a todas as crianças igualmente – como rege o princípio da igualdade perante a lei. Isto significa que crianças que atualmente cursam escolas privadas também receberiam “vales”.
Com o tempo as escolas recém tornadas privadas ajustariam seus preços à qualidade do serviço que prestam. Boas escolas poderiam cobrar mais que o valor do “vale”, escolas ruins teriam de oferecer melhores serviços para evitar que os pais transferissem seus filhos para outro lugar – levando consigo seu dinheiro.
É provável que muitos professores e administradores resolvessem vender suas partes nas escolas. No caso de escolas com imóveis em regiões nobres, é provável que o imóvel viesse a ser vendido. No entanto professores e administradores de escola têm um interesse direto na continuidade de seus próprios empregos. Mesmo que vendessem o prédio da escola, provavelmente reabririam em outro lugar. Se não reabrissem, todos os “vales” de seus ex-alunos acabariam em alguma outra escola.
Uma restrição à venda de imóveis ou outros ativos por um período de tempo poderia evitar a instabilidade da oferta de ensino durante a transição.
Este conjunto de medidas imediatas torna todo o sistema de ensino privado imediatamente, mas permite através dos “vales” que a transição da dependência do governo para a responsabilidade individual seja gradual, sem que uma geração de crianças precise pagar o preço pela irresponsabilidade de inúmeros governos e de seus próprios pais.
O período de transição começaria dez meses após a última escola governamental se tornar privada. Qualquer criança nascida a partir desta data não teria mais direito a “vale” educacional. Isto teria de ser amplamente e contundentemente anunciado. O período de dez meses é proposital – os pais saberiam antes de fazer o filho que teriam de pagar sua educação do próprio bolso.
Este modo de transição é melhor que uma redução gradual do valor do “vale”, pois deixa claro que a “ajuda” do governo vai acabar, e que os pais terão de assumir a responsabilidade pelos filhos que decidirem ter. Também evita que os vales se tornem permanentes – algo que será tentador para futuros governos socialistas.
Para o ensino governamental superior, que já não é universal, a venda das universidades e faculdades governamentais através de leilão pode ser suficiente. Ao contrário das “privatizações” que se costuma fazer no Brasil, seria realmente uma venda – e não uma concessão.
Dado o estado decrépito de tantas faculdades e universidades públicas, é provável que a parte mais valiosa destas instituições sejam seus terrenos e seu nome.
Vencendo a dependência material estabelecida
O método proposto de eliminação do ensino governamental evita o problema da dependência estabelecida. Todas as crianças de hoje cujos pais não têm condições para pagar uma escola continuariam a ter seus estudos custeados – integralmente ou em grande parte – pelo governo.
O método de transição estabelece uma fronteira clara. Pessoas que venham a ter filhos após o período de dez meses seriam consideradas as únicas responsáveis por sua educação – sem transferir este peso para o resto da população através dos impostos.
Certamente haveria casos de total irresponsabilidade – pessoas que teriam filhos sem ter condições de educá-los. Estas pessoas teriam de ser sujeitas à sanção legal por negligência, e as crianças dependeriam da caridade privada para custear seus estudos.
Vencendo a inviabilidade política
Durante um único mandato seria possível extinguir toda a máquina burocrática da educação governamental. Para regredir, um governo futuro teria de recriar toda esta máquina. Toda a verba, no entanto, estaria sendo gasta com os “vales”. Para recriar a máquina o governo subseqüente teria de aumentar impostos ou parar de distribuir os “vales” – duas medidas que certamente seriam extremamente impopulares.
Adicionalmente, o fato de que todos os profissionais do ensino estariam atuando em um mercado livre os tornaria fortes oponentes de uma ação governamental que viesse a colocá-los em concorrência com novas escolas governamentais.
O risco do retrocesso é inevitável, mas esta proposta é robusta contra a ingerência de governos e governantes futuros na medida do possível.
Vencendo a máquina governamental
O método proposto oferece um grande atrativo a professores e administradores de escolas governamentais. Estes, que provavelmente seriam os opositores mais ferrenhos de uma “privatização”, passam a ser proprietários das escolas.
Certamente nem todos seriam a favor, mas conquistar uma parcela significativa deste grupo – o mais numeroso dentre os potenciais opositores e aquele que está em contato direto com os alunos – seria uma grande força favorável.
Vencendo a cultura do estatismo
O método proposto oferece uma arma contra a cultura do estatismo. Com a transição feita da maneira proposta, e aliada à sua ampla divulgação, será possível dizer a quem no futuro vier reclamar que não pode pagar uma escola que sabia antes de fazer o filho que teria de arcar com esta responsabilidade.
A esperança é que a pressão social passe a ser pela responsabilidade individual ao gerar crianças, em vez de pedir ao governo que assalte a uns para pagar a conta da irresponsabilidade de outros.
Notas:
1. Sim, este artigo é longo demais para um blog.
2. Este artigo poderá ser extensamente alterado, para incorporar novas idéias minhas, sugestões de leitores ou para endereçar críticas que venham a ser feitas.
3. Este artigo usa extensamente o termo “ensino governamental”. Isto é proposital e visa enfatizar o fato de que o ensino provido pelo governo não é “público” – tem pagantes e beneficiários distintos, não é algo que beneficia a todos.