15 agosto, 2007

Governo: o uso da força

No artigo "Governo: natureza e propósito" mencionei que é comum achar que o governo é capaz de agir sem usar a força. Para ilustrar como toda ação governamental envolve o uso da força, apresento alguns exemplos. Alguns são exemplos de coisas que muitas pessoas desejam que se faça – sem perceber que o que estão pedindo é que se viole os direitos fundamentais de seus pares e seus próprios.

Quando a polícia é chamada a reagir a um assalto a banco, estes representantes do governo usam a força diretamente, para proteger os cidadãos em perigo e para restaurar às vítima (o banco, sua seguradora, seus clientes) aquilo que lhes foi tomado à força pelos criminosos. Este é um exemplo de uso legítimo da força – em defesa do direito à vida e à propriedade.

Quando um juiz determina que uma das partes está em violação de um contrato e ordena que pague à outra uma compensação, esta ordem judicial está calcada no uso da força. Se o acusado não respeitar à ordem, pode ser preso e ter sua propriedade confiscada. O juiz usa a ameaça da força para compelir o violador de contrato a ressarcir a parte lesada. Este é mais um exemplo de uso legítimo da força – em defesa do direito à propriedade.

Quando o governo cria uma “agência reguladora” para atuar em uma dada indústria, suas determinações estão calcadas no uso da força. Se as empresas e pessoas que atuam naquele ramo não seguirem as determinações da agência, podem ser multadas ou obrigadas a cessar suas atividades. Uma multa aplicada por uma destas agências, naturalmente, está fundamentada na capacidade da agência de utilizar a força para tomar a propriedade da empresa ou impedi-la de funcionar. A “agência reguladora” usa a força para obrigar as empresas e pessoas a se comportarem de uma determinada maneira.

Outra forma de se entender a ação de uma agência reguladora, que permite mais clareza em relação às suas determinações, é que ela proíbe que certas transações mutuamente voluntárias sejam realizadas. Esta proibição é imposta através da ameaça de expropriação ou impedimento físico da atividade das partes.

Vamos usar um exemplo de relevância atual. O ministro da defesa Nelson Jobim tem proposto que seja regulamentada a distância entre os assentos dos aviões comerciais. A ANAC, Agência Nacional de Aviação Civil, é a “agência reguladora” criada para atuar na indústria do transporte aéreo. Se a ANAC regulamentar a indústria nos termos que sugeriu o ministro, determinando, por exemplo, que a distância entre assentos deve ser maior que 80 centímetros, este regulamento nada mais é do que o uso da força.

Não seguir o regulamento implica em ser acionado judicialmente por passageiros ou pelo ministério público, além de se estar sujeito a uma multa aplicada pela própria agência reguladora. Todos estes são ameaças à propriedade. É possível também que a empresa seja fisicamente impedida de operar seus aviões, através da força policial. O “regulamento” nada mais é que o uso da força.

Agora, vamos reinterpretar a ação hipotética da ANAC como sugerido acima. Um regulamento dizendo que a distância das poltronas de um avião deve ser maior ou igual a 80 centímetros é funcionalmente equivalente a esta proibição: "É proibido transportar passageiros em aviões cujas poltronas têm distância inferior a 80 centímetros." Mas ninguém é obrigado a voar de avião. Se o passageiro compra uma passagem, o faz porque aceita voar nas aeronaves que aquela companhia utiliza. Caso a empresa prometesse um acento espaçoso e oferecesse um apertado – isto seria violação de contrato. Do contrário, a compra do bilhete é uma transação voluntária.

Neste caso, portanto, a ação do governo através de sua agência reguladora é a de proibir pela força a transação voluntária entre duas partes inocentes. O governo está iniciando o uso da força, ameaçando a propriedade e liberdade de ação de partes inocentes. Vale destacar que não é só a empresa que tem sua ação cerceada. O passageiro está proibido de comprar um assento mais apertado, mesmo que ele queira (porque é mais barato, por exemplo).

Um equívoco muito comum é pensar que o passageiro “não tem opção”, porque todas as companhias têm práticas iguais. Mas o passageiro tem a opção de não voar – se julgar que todos os aviões são realmente tão ruins assim. Transporte aéreo não é um direito, é um produto. O dono do avião oferece o serviço da forma como quiser, o passageiro aceita se quiser. E quando existe no mercado uma situação em que “todos são ruins”, logo surge alguém para ganhar dinheiro vendendo algo bom.

A regulamentação da atividade industrial é, portanto, iniciar o uso da força contra cidadãos inocentes. É uma ação ilegítima do governo. Quem defende, ou exige, regulamentação não percebe que é sua própria liberdade que está sendo destruída. No calor de tentar fazer os outros seguir suas vontades, estas pessoas se esquecem que ao fazê-lo abrem as portas para que outros os forcem a seguir as vontades deles. E introduzem no convívio social o uso da força contra inocentes, o que só faz destruir a paz e a prosperidade de todos.

Outro tipo de ação governamental é a atuação direta na indústria através de “empresas” estatais. O uso da força é muito claro quando estas “empresas” detêm um monopólio legal da atividade. Um monopólio legal, como o da Petrobrás exerceu na indústria petroquímica brasileira, significa que o governo impede pela força que os cidadãos realizem uma dada atividade.

Assim como no caso das “agências reguladoras”, um monopólio nada mais é do que uma proibição. Neste caso, por exemplo, o cidadão que encontrasse petróleo em suas terras estaria proibido de extraí-lo, beneficiá-lo ou comercializá-lo. Todos os cidadãos estavam proibidos de beneficiar ou comercializar produtos petroquímicos comprados fora do país. Pessoas inocentes de qualquer crime tinham sua liberdade de ação retirada pela ameaça do uso da força pelo governo – através de multas, expropriação ou uso direto da força policial.
O monopólio estatal é, claramente, um uso ilegítimo da força pelo governo.

Mas existem “empresas” estatais sem monopólio legal. A própria Petrobrás não tem esta proteção legal desde 1997. Mas a estatal, mesmo sem monopólio legal, continua envolvendo o uso da força. Mesmo quando as “agências reguladoras” não interferem no mercado em favor da estatal há um fator fundamental que separa a estatal de suas “concorrentes” privadas: ela compartilha dos cofres do governo.

Esta ligação tem duas conseqüências principais, que separam uma estatal de uma empresa privada de forma irreconciliável. Primeiro, e mais óbvio, a estatal não precisa ganhar dinheiro. Quando há prejuízo, o governo paga a diferença – em geral com soberba por estar “gerando emprego” e “defendendo um setor estratégico”. Onde está a força? Ora, de onde vem o dinheiro do governo se não dos impostos? E o que é um imposto se não o uso da força contra o cidadão inocente para tomar-lhe o que é seu? Quem discordar que impostos representam uso da força, tente ficar sem pagar o Imposto de Renda e veja o que sucede.

A estatal, portanto, representa uma violação dos direitos do cidadão sujeito a impostos, por obrigá-lo a pagar por algo que ele não deseja. Se, como consumidor, desejasse aquele produto ou serviço, pagaria por ele o preço que achasse justo - não seria necessário ação do governo. Se, como investidor, quisesse colocar seus recursos neste negócio, o faria diretamente.

Operar empresas, portanto, também é uma ação ilegítima do governo.

Pro fim, há ações governamentais tomadas para "promover o convívio" ou "beneficiar a todos". Um exemplo recente e claro foi a recente proibição na cidade de São Paulo de propaganda visual, pela administração do prefeito Gilberto Kassab. Mais uma vez, a proibição pela força vem desfarçada de "regulamentação". Mas proibição é o termo correto - é proibido pintar a fachada de sua propriedade da forma como se quer, é preciso pintar como o governo quer.

Neste caso o uso da força é claro, não respeitar a norma imposta significa ser sujeito a multas e, em recusando pagá-las, à força direta através da ação policial. O que os defensores da medida não percebem é que é o direito de propriedade que está sendo violado pelo governo. Se é legítimo proibir o comerciante de pintar sua loja como bem entende, o que impede o governo de forçar o cidadão a pintar sua casa de uma forma "mais bonita"? Moralmente, ambos são idênticos.

Em resumo, não há ação governamental que não envolva o uso da força. O governo é legítimo quando age para defender os direitos dos cidadãos - vida, propriedade e liberdade. Quando tenta determinar como pessoas inocentes devem agir, passa ser ele próprio criminoso.