31 julho, 2006

O ônus da prova

Se todo o conhecimento humano é baseado na integração das nossas percepções, o conhecimento é contextual. Isto significa que o critério para determinar se algo é verdade não é algo transcendental e sim a aplicação do pensamento racional: responder duas perguntas aparentemente simples: “Qual a evidência de que isto é verdade?” e “Isto contradiz algo do que já sei?”

A primeira pergunta decorre diretamente da metafísica. A precedência da existência assegura que coisas existem. Aquilo que existe possui identidade, possui uma natureza específica, aquilo que não existe também não pode possuir propriedade alguma.

Uma afirmação positiva é uma afirmação que identifica algum existente ou um aspecto de um existente – tal como “peixes existem” ou “o céu é azul”. Uma afirmação negativa é uma afirmação que nega a existência de algo ou alguma propriedade de um existente – tal como “gorilas não são racionais” ou “não existe vida inteligente na Lua”.

Como apenas existentes possuem propriedades, só pode haver evidência da existência, evidência de inexistência é uma contradição – é exigir que algo que não existe possua propriedades perceptíveis. O entendimento deste princípio epistemológico é essencial e pode ser condensado em duas frases: “é preciso provar as afirmações afirmativas” e “é impossível provar afirmações negativas”.

Uma afirmação positiva sem evidência não é falsa – é menos que isso. A frase do físico Wolfgang Pauli “Isto não está nem errado” descreve bem qual a reação correta frente a tal afirmação. Uma afirmação positiva sem evidência é arbitrária – é algo que não possui vínculo com a realidade. O arbitrário não precisa ser refutado, pode ser descartado imediatamente.

A ausência de evidência, no entanto, é suficiente para uma afirmação negativa. A afirmação “Não existem unicórnios em Júpiter” é verdadeira – não porque se pode provar que cavalos com um chifre na testa estão ausentes naquele planeta, a inexistência não gera evidências – mas porque não há evidência de que eles existam.

Esta questão é conhecida como o “ônus da prova”. A metafísica e a epistemologia racionais colocam o “ônus da prova” sobre quem faz afirmações positivas sobre a realidade.

A pergunta “qual a evidência de que isto é verdade” separa portanto o arbitrário daquilo que merece consideração. No próximo artigo veremos como a verdade pode ser determinada e quais as conseqüências disto para quem pretende ser racional.