21 julho, 2006

Como sabemos II

Para responder à pergunta “Como sabemos?” é preciso primeiro definir o que é “saber”. Saber é ter conhecimento de algo e tê-lo como verdade. Alguns conceitos de genus similar são “suspeitar” e “achar” – nestes casos tem se conhecimento de algo mas a verdade daquilo está em dúvida, em maior ou menor grau.

A chave de toda a difícil questão, portanto, é definir “verdade” e como ela pode ser determinada. Se a realidade existe, a verdade é a identificação de um aspecto da realidade. A afirmação “o livro está sobre a mesa” é verdadeira se existe um livro, existe uma mesa e o livro de fato se situa sobre ela.

Já foi visto que todos os conceitos são construídos a partir de percepções ou de outros conceitos – que por sua vez foram construídos a partir de percepções. Os sentidos são portanto o ponto de partida de todo o conhecimento humano – são inclusive condição necessária para o próprio pensamento conceitual. Um cérebro humano que nunca recebesse estímulo externo algum seria completamente incapaz de pensar.

A percepção direta é, portanto, a primeira ferramenta para identificar aspectos da realidade. Simplesmente olhar para a mesa é suficiente para concluir que “o livro está sobre a mesa” é verdade – ou não. A objeção Kantiana é que não podemos acreditar em nossos sentidos: o livro pode ser um holograma, a posição relativa do livro e da mesa pode ser uma ilusão de ótica, o livro pode – na realidade “ideal” de Kant – ser uma jabuticaba, mas nossos sentidos a distorcem e a fazem parecer um livro.

Outra objeção, esta mais sensata, é que muitas vezes a percepção direta nos fornece uma impressão que não é verdadeira. O exemplo clássico é o da terra plana. Acreditou-se por milênios que a terra era plana – e a percepção direta certamente pode dar esta impressão. Se algo tido como verdade – e suportado pela percepção direta – pode depois se demonstrar errado, como confiar em nossos sentidos?

Este argumento é estendido além da mera questão dos sentidos. Se algumas coisas que tínhamos como verdade depois descobrimos que estão erradas, como podemos ter certeza de qualquer coisa? É sempre possível que acabemos descobrindo que estávamos errados! Esta é a base do Ceticismo.

Implícita em ambas as teses acima está uma definição de verdade – a mesma que ambas demonstram ser impossível de conhecer. A definição implícita é que a verdade é uma identificação de algum aspecto da realidade "como ela realmente é". Embora esta definição pareça boa, ela não reconhece a maneira como o homem adquire conhecimento.

Kant conclui que como não podemos transportar magicamente a própria realidade para dentro de nossa mente todo o conhecimento é impossível. David Hume, o pai do Ceticismo filosófico moderno, conclui que até sabermos tudo, não sabemos nada. Estas conclusões não surpreendem, são a mera repetição do que já está implícito nas premissas de cada um: um critério de "verdade" que é impossível satisfazer na realidade.

A contradição que ambas as idéias incluem – e que nos garante que ambos estão errados é: se a verdade é impossível, como saber que a verdade é impossível? Usar a lógica para demonstrar que a verdade é impossível é como tentar argumentar que você mesmo não existe.

A identificação essencial da Epistemologia Objetivista é que o pensamento humano é fundamentado na percepção. A conseqüência disto é que o conhecimento é contextual. A verdade, por se tratar da identificação de algum aspecto da realidade, necessariamente precisa considerar como funciona a consciência. O critério para determinar a "verdade" não pode demandar conhecimento automático, isso não existe.

A maneira de conhecer a verdade é conseqüência direta da Metafísica racional. A realidade existe e independe de nossos pensamentos e vontades. Se a realidade é uma só, e existir é possuir identidade, a chave para a verdade é a não-contradição. Nós adquirimos conhecimento a partir da percepção, o entendimento correto de “verdade”, portanto, é uma identificação de algum aspecto da realidade, sem contradições.

Uma verdade é algo baseado em evidência e que não contradiz outras evidências. Achar que a terra é plana é perfeitamente justificável se ninguém nunca viu nada que indicasse o contrário. Ao ver um barco “afundando” no horizonte, porém, surge uma evidência conflitante – é preciso então buscar uma nova explicação. O fato de que o conhecimento é contextual afunda o Idealismo e o Ceticismo e reduz suas objeções ao seu verdadeiro grau de relevância: não temos conhecimento automático da realidade, não somos onicientes - e isso não significa que o conhecimento que temos é inválido.

Nos próximos artigos sobre Epistemologia veremos como o significado correto do conceito “verdade” valida a capacidade humana para entender o universo.