04 julho, 2006

A verdade existe?

A Epistemologia estuda o que é conhecimento e como conseguí-lo. As perguntas a serem respondidas, entre outras, são: “O que é conhecimento?”, “O que é verdade?”, “É possível saber se algo é verdade? Como fazê-lo?”.

Uma tese epistemológica precisa ser derivada de uma tese metafísica. Não faz sentido falar em conhecimento sem antes determinar o que existe. As diversas teses epistemológicas, no entanto, raramente deixam clara esta derivação.

Um exemplo de teoria onde esta relação é clara é na filosofia de Immanuel Kant. A metafísica de Kant postula que existe uma realidade “ideal”, à qual não se pode ter acesso, devido à limitação da mente e dos sentidos humanos. O que vemos, sentimos e pensamos – o mundo “real” – seria portanto uma distorção da realidade “ideal”, uma distorção inescapável pois somos nós mesmos que distorcemos a realidade ao percebê-la. A metafísica de Kant, portanto, é a da precedência da consciência: o mundo real, percebido por nós, é moldado por nossa mente.

A Epistemologia que segue este metafísica, evidentemente, é a tese que a verdade é impossível de descobrir, uma vez que a fonte de distorção é a própria mente humana e seus sentidos. Parafraseando uma crítica da filosofia Kantiana, “sou cego porque tenho olhos, sou surdo porque tenho ouvidos, sou louco porque posso pensar”.

Esta teoria é conhecida como Idealismo, por postular a existência de um “ideal” impossível de conhecer, ou como Subjetivismo, por concluir que tudo é subjetivo e a verdade impossível de determinar. As conseqüências desta epistemologia, além da idéia que a real natureza das coisas é impossível de conhecer, são a tese de que cada um tem sua verdade – determinada por suas próprias percepções – e que nenhuma delas é melhor que outras – porque é impossível saber quem está certo.

O Idealismo é a base filosófica do multi-culturalismo (a idéia de que nenhuma cultura é melhor que outra, mesmo que uma mantenha seu povo vivendo nu na floresta por séculos e outra construa aviões, arranha-céus e triplique a expectativa de vida das pessoas) e da tolerância (a idéia que é preciso respeitar a opinião alheia, seja lá qual for – respeitar a opinião em si, e não somente o respeito devido ao ser humano que a defende).

Como mencionado, nem todo sistema epistemológico é desenvolvido com base em uma metafísica explícita. Possivelmente a tese Epistemológica mais conhecida é sintetizada pela famosa frase de René Descartes: “Penso, logo existo”. Esta frase é uma tentativa de resolver uma das maiores dificuldades na Epistemologia: encontrar o ponto de partida que justifica o conhecimento. Se o Subjetivismo descarta a verdade como impossível, o Racionalismo de Descartes tenta desenvolver a Epistemologia a partir do seu famoso axioma.

Ao partir da consciência, Descartes usa implicitamente a metafísica da precedência da consciência. Sua epistemologia é fundada na tese de que a mente possui conteúdo independente da experiência sensorial, que idéias podem ser desenvolvidas pela mente apenas, sem depender dos sentidos (seu axioma seria um exemplo de tal idéia). Embora a epistemologia Cartesiana seja distinta, ela se baseia em uma metafísica muito próxima da Kantiana: não podemos confiar em nossos sentidos para perceber a realidade, precisamos determinar a verdade usando a mente apenas (Kant não confia nem na mente).

Ao negar algo que implicitamente todos sabem que existe e funciona – a eficácia do pensamento humano e da nossa percepção da realidade – estas teorias epistemológicas contribuíram muito para transformar a percepção da filosofia na atual: uma perda de tempo ou um amontoado de conjecturas sem fundamento ou utilidade. As conseqüências destas teses – como o multi-culturalismo, a tolerância, o esoterismo – são, no entanto, aceitas sem resistência.

Outra teoria epistemológica é o Empiricismo. Esta é a idéia que todo conhecimento é fruto da experiência, só é possível saber aquilo que já se experimentou. Esta tese contradiz frontalmente as premissas do Racionalismo – que a mente tem conteúdo independente da percepção e que é possível obter conhecimento usando apenas a introspecção.

Embora a base metafísica do Empiricismo seja racional – que existe uma realidade a ser observada – e que seu conceito básico seja correto – que o conhecimento é adquirido observando a realidade através dos sentidos – esta tese epistemológica deixa uma lacuna importante. É possível saber que existe a Groenlândia sem ir até lá ou observá-la do espaço? O Empiricismo filosófico (para distinguí-lo do empiricismo científico, que é uma parte do método científico) diria que não.

Esta lacuna, levada ao extremo, dá a abertura ao Ceticismo. Esta é a tese de que é impossível saber qualquer coisa pois existe sempre a possibilidade de estar errado. Esta tese difere do Idealismo em que admite a existência da realidade e de que ela é perceptível. No entanto como não podemos garantir que já observamos todos os aspectos possíveis de uma questão, podemos sempre estar errados.

O Ceticismo filosófico (para distinguí-lo do ceticismo saudável, no sentido de não acreditar nas coisas sem evidência) nega a própria causalidade. Não é só porque observamos que a toda ação corresponde uma reação que podemos alegar que sabemos uma lei universal: pode ser só coincidência, talvez amanhã ocorra diferente, talvez haja uma lei ainda mais fundamental que não conhecemos e que pode invalidar a famosa terceira lei de Newton em alguma circunstância. Para o empiricista é impossível saber algo sem testá-lo, para o cético é impossível saber qualquer coisa até saber tudo.

No próximo artigo será apresentada a Epistemologia Objetivista, uma tese racional baseada na metafísica racional e que não contradiz, e sim explica, aquilo que todos nós sabemos – que nossos sentidos são válidos e que o conhecimento é possível.