Além da questão da verdade em si, abordada em “O ônus da prova” e “O verdadeiro, o falso e o arbitrário”, os conceitos de possibilidade e probabilidade também geram grandes confusões e erros epistemológicos. Definições claras e uma associação direta à realidade, que só é possível tendo estabelecido o conceito de “verdade” já apresentado, resolvem estes problemas.
Tanto “possibilidade” quanto “probabilidade” são termos que usamos para qualificar a incerteza. Quando temos certeza, basta dizer “é” ou “não é”. O “possível” e o “provável” também guardam uma relação hierárquica entre si. Apenas coisas possíveis podem ter probabilidade. Dada esta relação, começaremos pela discussão da “possibilidade”.
“Possível” é uma qualidade de uma afirmação sobre a realidade (passada, presente ou futura), que é incerta por falta de evidência suficiente. A afirmação “é possível que existam planetas orbitando a estrela Vega" usa o termo neste sentido:
· É uma afirmação sobre a realidade;
· Conhecemos várias estrelas que têm planetas em órbita, portanto há evidência em favor da afirmação, que do contrário seria arbitrária;
· A afirmação não contradiz nenhuma verdade conhecida. Nossos métodos de detecção de planetas não são precisos a esta distância, do contrário o fato de não termos encontrado planetas seria uma evidência contrária.
A afirmação “é possível que exista um planeta orbitando o Sol a uma distância menor que a do planeta Mercúrio” também usa o termo neste sentido. Ao contrário da frase anterior, no entanto, esta é falsa. Ela contradiz o fato conhecido de que somos capazes de observar a região entre o Sol e Mercúrio – e a esta distância nossa detecção é precisa.
Há dois erros conceituais comuns relacionados ao uso de “possibilidade”. O primeiro, e mais grave, é dar à possibilidade em si existência própria. O argumento “para que alguma coisa exista, precisa antes ser possível” comete este erro. Possibilidade é um qualificador do nosso conhecimento – não da realidade.
Quando a incerteza é eliminada, não faz mais sentido falar em possibilidade. É possível que exista vida inteligente na Terra? Não! É verdade que existe vida inteligente na Terra. Embora às vezes pareça que não...
O segundo erro é aplicar o conceito de possibilidade a arbitrariedades. É possível que existam unicórnios roxos invisíveis debaixo da Terra? Esta afirmação satisfaz quase todas as condições do uso correto do termo “possível”, mas a que falta é essencial! Não há qualquer evidência a favor da existência de unicórnios, muito menos roxos.
A afirmação é uma mera arbitrariedade. A inclusão de “invisíveis” e “debaixo da terra” serve apenas para evitar que ela entre em contradição com fatos conhecidos (ninguém nunca viu um unicórnio roxo), mas de nada servem para eliminar a arbitrariedade. Para isso seria preciso um mínimo de evidência positiva.
“Possível” é uma classificação absoluta. Dado um contexto de conhecimento, as coisas são possíveis ou não são. Por exemplo, pode se afirmar com certeza que é impossível viajar a uma velocidade maior que a da luz. Pode-se afirmar também que é possível viajar até Plutão – ninguém nunca fez, mas temos evidência de que a viagem pode ser feita e nenhuma evidência contrária.
“Provável” é uma classificação relativa. Se algo é possível, podemos classificar a confiança que temos de que aquilo realmente é verdade, em se tratando de uma realidade presente, ou virá a ser, em se tratando de uma afirmação sobre o futuro.
A probabilidade pode ser expressa qualitativamente e, em certos casos, quantitativamente. Existem muitos termos e expressões que expressam graus de probabilidade. Improvável, provável, incerto, certo, garantido, duvidoso, e diversas construções usando estes e outros termos (muito incerto, quase garantido, etc.) representam diferentes níveis de probabilidade.
Em alguns casos, é possível quantificar a probabilidade. Nestes casos o mais usual é expressar a probabilidade como uma porcentagem ou como um número entre zero e um. Zero por cento ou zero representa a impossibilidade, cem por cento ou um representa a certeza, a verdade.
Na escala numérica, portanto, incluem-se casos em que não há incerteza – esta talvez seja uma das fontes de confusão no uso de “possibilidade” e “probabilidade”.
Assim como no uso de “possível”, é errado atribuir probabilidade ao arbitrário. O arbitrário não tem base na realidade. Não tem, portanto, nem possibilidade nem probabilidade.
Em resumo:
Possível é toda afirmação sobre a realidade (passada, presente ou futura) que tem evidência favorável, mas não conclusiva, e não tem evidência conclusiva contrária;
Probabilidade é uma medida (qualitativa ou quantitativa) desta incerteza;
Verdade é quando a evidência favorável é conclusiva e a contrária eliminada.