Como vimos na Metafísica, a existência é axiomática – incontestável. Assim como não se pode propor um argumento contra a existência sem cair em contradição (você precisa existir para propor um argumento), também é impossível argumentar contra a consciência (você precisa pensar para propor um argumento). A tarefa da Epistemologia é explicar como somos capazes de saber.
O primeiro passo é entender como funciona a nossa consciência. Ayn Rand foi a primeira a explicar de maneira consistente e completa a nossa consciência, que ela identificou como uma consciência conceitual. Sua “Teoria dos Conceitos” parte do fato já identificado por Aristóteles de que ao nascer a mente humana é tabula rasa – todos viemos ao mundo dotados de mentes capazes de pensar, mas sem conteúdo algum.
O crescimento de um ser humano, desde bebê até adulto, deixa claro que a capacidade mental se desenvolve ao longo da vida. Ao nascer somos capazes apenas de reagir a estímulos diretos, depois de algum tempo estamos curando doenças e escrevendo sinfonias. O que aconteceu neste intervalo?
Para uma mente em branco a visão não oferece a identificação de objetos, apenas uma superposição de cores. Para uma mente em branco a fala não é uma seqüência de palavras, é uma seqüência de sons.
O primeiro conceito que precisa ser formado é o conceito de “objeto”, ou mais apropriadamente “coisa”. Em algum momento o bebê identifica que aquele conjunto de cores, luz e sombras que ele associou com bem estar pois sempre precede sua alimentação, ou aquele círculo vermelho que de vez em quando aparece em seu campo de visão não são meras coincidências em um caleidoscópio sem sentido. O que ele está vendo é alguma coisa. Ele ainda está longe de saber o que é sua mãe e o que é a bola de brinquedo colocada em seu berço – mas já deu o primeiro passo nesta direção.
Munido deste único conceito o bebê se vê imerso em um mundo de coisas. A coisa que mata sua fome, a coisa pendurada sobre a coisa onde ele está, as coisas que ele consegue agitar quando quer, a coisa – parecida com as outras quatro coisas que ficam grudadas nela – que ele gosta de por na boca.
O próximo conceito essencial é o conceito de “eu”. Em algum momento o bebê percebe que há coisas que ele controla diretamente (seus braços e mãos por exemplo) e outras que não. Esta identificação é a primeira realizada usando a qualidade que nos separa dos animais (alguns dos quais são capazes de identificar objetos – como qualquer dono de gato ou cachorro sabe).
O mecanismo de formação de conceitos pode ser explicado com este exemplo. Existem coisas (a identificação primordial). Algumas coisas eu controlo diretamente, outras não (diferenciação). As coisas que controlo diretamente sou “eu” (a integração). Todo conceito portanto é formado por uma diferenciação e uma integração, com base em percepção direta ou em outros conceitos.
Em uma casa existem móveis (conceito mais genérico). Alguns móveis usamos para sentar e alguns destes têm encosto (diferenciação). Chamamos estes móveis usados para sentar e com encosto de “cadeira” (integração).
O ponto de partida é um conjunto, de percepções ou de objetos ou de conceitos já identificados, a diferenciação é a identificação de uma característica de interesse em um sub-conjunto, a integração é a associação de todos os membros do sub-conjunto ao novo conceito. O passo da integração é interessante em que o conceito abrange todos os existentes que cabem em sua descrição, e no fato de que é necessária uma linguagem para amarrar o conceito.
O conceito “Cadeira” inclui todas as cadeiras que existem, todas as que existiram, todas as que virão a existir e todas as que podem ser imaginadas. Se eu disser “cadeira de gelo” você sabe do que estou falando, mesmo que nunca tenha visto o objeto a que me refiro, mesmo que o objeto nem exista. Mas a palavra cadeira é essencial na integração do conceito.
Poderíamos chamar cadeiras de “mrh”, de “Δ” ou de um gesto com as mãos. Sem uma linguagem para guardar o significado de “móvel em que se senta e que tem encosto” seria impossível integrar o conceito. Seria impossível integrar o conceito de “móvel” e o de “sentar” e o de “encosto” também. Não estou falando de comunicação – é impossível pensar sem associar os conceitos a alguma representação. Estaríamos limitados ao nível da percepção sem a linguagem. Identificar coisas e reagir a elas por associação – mas sem a capacidade de pensar sobre elas.
O entendimento de como nossas mentes formam conceitos nos dá uma ferramenta muito útil: como fazer boas definições. Uma boa definição é uma definição que respeita a estrutura do pensamento conceitual: ela oferece genus (gênero, o conjunto inicial) e differentia (a diferenciação), para definir o conceito (a integração).
Se você não gostou da minha definição de cadeira acima, provavelmente é porque achou meu differentia insuficiente. Cadeira é um móvel (genus) em que se senta, têm encosto e que comporta uma pessoa (differentia). Esta é uma definição que elimina a ambigüidade com sofás – por exemplo.
Na próxima parte deste artigo veremos as conseqüências da maneira como pensamos e como podemos responder à pergunta: como você sabe?