01 agosto, 2006

Não-contradição

Em “O ônus da prova” vimos que a evidência separa o arbitrário do plausível. Dado que alguma afirmação possua alguma evidência em seu favor, como saber se ela é realmente verdadeira? O princípio em questão é que o conhecimento é contextual. Como todo o conhecimento é baseado na integração de percepções, o total das percepções e integrações de cada um é a única referência com a qual se pode julgar a verdade.

A metafísica racional estabelece que as coisas possuem identidade – elas são o que são. A realidade não possui contradições, um objeto não pode ser azul e branco ao mesmo tempo, um gato não pode estar vivo e morto ao mesmo tempo. É portanto um princípio epistemológico derivado diretamente da metafísica que não existem contradições. Se a realidade possui identidade, o pensamento racional – que visa compreendê-la – não pode admitir contradição.

Se uma afirmação possui evidência em seu favor e não existe evidência alguma que a ponha em dúvida, isto significa que tudo o que se sabe sobre a realidade é consistente com aquela afirmação. Ela é verdadeira. Uma afirmação que possui evidência favorável e que não possui qualquer evidência em contradição é, portanto, absolutamente verdadeira. Duvidar dela é epistemologicamente equivalente a acreditar em algo sem evidência alguma.

Se à primeira vista este critério de verdade parece simples, é apenas por comparação com os critérios irracionais e impossíveis de satisfazer postulados pelos Céticos e Idealistas. Na realidade o critério racional de “verdade” tem duas conseqüências extremamente profundas.

Em primeiro lugar, o julgamento da verdade é individual. Isto não significa que existem múltiplas verdades – apenas que pessoas diferentes podem ter julgamentos diferentes do que é verdade, por terem contextos diferentes. Se duas pessoas estão em desacordo, necessariamente uma delas está errada – a realidade é uma só – no entanto ao compartilhar seus contextos o erro pode ser encontrado.

Um beduíno que viveu a vida inteira vagando pelo deserto e longe da civilização tem como verdade que existe mais terra do que água. Seu contexto não inclui ver o mar, não inclui o mapa-múndi, não inclui fotos de satélite. Ele está errado, mas em seu contexto não há evidência alguma que o indique. Encontrar alguém que afirme que há mais água que terra no planeta pode não ser suficiente para convencê-lo – é a palavra de uma pessoa contra uma vida de percepção direta. Cruzar o Atlântico, por outro lado, com certeza o faria rever seu conhecimento.

Nossos contextos individuais incluem toda nossa percepção direta e incluem também tudo o que aprendemos de outras pessoas. O que aprendemos de outras pessoas, no entanto, é ponderado pelo julgamento que fazemos daquelas pessoas – de sua racionalidade e da capacidade que julgamos que elas têm de identificar a realidade, julgamento este também feito com base em nossas percepções.

A segunda conseqüência profunda da epistemologia racional é que todo o conhecimento precisa ser integrado. Como o contexto do seu conhecimento é tudo o que você sabe, é imperativo para quem deseja conhecer a realidade – ser racional – que não existam contradições entre as coisas que se toma como verdade.

Isto significa que cada nova informação que se obtém precisa ser julgada à luz do que já se sabe e então integrada ou descartada. Freqüentemente a integração exige a reavaliação de muito do que já se sabe.

No próximo artigo sobre epistemologia veremos as origens dos erros mais comuns e algumas de suas conseqüências.