21 julho, 2006

Morales, criminoso

Dia primeiro de Maio o exército da Bolívia ocupou refinarias e campos de extração da Petrobrás e das demais empresas de petróleo e gás instaladas no país. O presidente boliviano Evo Morales decretou a nacionalização da indústria de hidrocarbonetos, promessa sua de campanha. Pelo decreto 51% da propriedade de todas as empresas do setor passa a pertencer ao governo boliviano. Foram rasgados os contratos firmados com estas empresas.

O presidente Lula reagiu ao ocorrido classificando as ações de Evo Morales como um “ato de soberania”. A soberania pode ser definida como o caráter de um estado que não está submetido ao poder de nenhum outro estado. O governo boliviano firmou acordos com a Petrobrás e com o governo brasileiro por sua livre decisão. Firmar estes acordos não envolveu a submissão do estado boliviano, pelo contrário, foi exatamente um exercício de soberania. Renegar estes acordos, por outro lado, não se trata simplesmente de decidir independentemente os rumos da nação como é próprio de um estado soberano – trata se de quebrar um acordo voluntariamente assumido com outro estado soberano. Não foi preciso usar tropas do exército para firmar os acordos com o Brasil, mas elas foram necessárias para quebrá-lo. O uso não provocado da força é um claro indicativo de que a ética foi violada.

A relação entre estados é muito similar à relação entre indivíduos. Estados que não violam direitos têm a prerrogativa de defender suas fronteiras e sua integridade, assim como indivíduos que não são criminosos têm direito às suas vidas e propriedade. Estados independentes podem voluntariamente firmar acordos, assim como indivíduos. A grande diferença é que na relação entre estados não há um sistema judiciário para julgar os conflitos, nem existe uma polícia para punir os criminosos. Ao renegar contratos e acordos voluntariamente assumidos, em prejuízo de outros e sem compensação, o governo boliviano cometeu quebra de contrato – um crime. Ao se apossar da propriedade de outros à força cometeu outro crime: o equivalente a um assalto à mão armada. Um governo não tem o direito de tomar a propriedade de seus cidadãos, nem tem o direito de tomar a propriedade de estrangeiros. Isto não é exercício de soberania, é crime cometido contra estas pessoas.

Mas a Bolívia não tem o direito de determinar o destino do seu óleo e gás? Foi exatamente o que o governo boliviano fez ao firmar os acordos com a Petrobrás e as demais empresas petroquímicas instaladas no país. É importante salientar que recursos naturais não são riqueza. O governo, as empresas e os cidadãos da Bolívia não tinham recursos nem conhecimento para extrair e processar os recursos naturais de seu país, o que é necessário para transformar algo que é um mero fenômeno geológico em algo de valor para o homem – em riqueza. Sem o capital e o conhecimento da Petrobrás os bolivianos continuariam sua economia de subsistência, sentados sobre toneladas de gás natural inacessíveis e portanto inúteis.

Este capital e conhecimento não é fruto do acaso, não é uma dádiva divina, não foi tomado dos bolivianos. Este capital e conhecimento é fruto do trabalho de milhões de brasileiros cujo dinheiro foi tomado em impostos e usado para erguer esta estatal, é fruto do trabalho dos milhares de funcionários da Petrobrás, é fruto do trabalho de milhões de brasileiros e estrangeiros que investiram direta ou indiretamente nas ações da Petrobrás. A propriedade nada mais é que o reconhecimento que o homem trabalha para produzir, e que o homem produz para beneficiar sua vida. É reconhecer que o homem tem o direito sobre os resultados de seu trabalho. É por isso que mesmo não existindo uma autoridade à qual o governo boliviano esteja submetido, tomar a propriedade da Petrobrás – de todos aqueles que realizaram o esforço para que ela existisse – é criminoso. Tomar à força o resultado do trabalho de milhões de pessoas no Dia do Trabalho é de uma ironia singular.

Como Olavo de Carvalho diz em seu artigo “Traição anunciada”, a atitude do presidente Lula de elogiar um governo estrangeiro por cometer um crime contra cidadãos brasileiros é causa suficiente para justificar seu impeachment. O governo existe para defender os direitos dos cidadãos, um governo que apóia sua violação é um governo ilegítimo.

Qual seria a atitude correta a ser tomada pelo governo brasileiro frente à agressão boliviana? A primeira atitude a tomar é condenar moralmente o governo boliviano. É preciso dizer claramente que o governo boliviano não tem o direito de tomar a propriedade alheia à força. É preciso dizer que o que foi feito é crime e não será tolerado. O governo brasileiro fez exatamente o contrário.

A condenação moral clara e inequívoca é fundamental, mas insuficiente. É preciso também tomar todas as ações para que o criminoso não se beneficie de seu crime. De imediato deveriam ser suspensas todas as formas de ajuda, financeira e não financeira, à Bolívia. O perdão da dívida boliviana deveria ser sumariamente revogado. Todos os planos de investimento na Bolívia e em infra estrutura de ligação com aquele país (tais como gasodutos) deveriam ser imediatamente interrompidos, seus fundos a serem usados para obter de outras fontes os recursos que o Brasil precisa. Finalmente, caso estas ações não sejam suficientes para reverter a decisão do governo boliviano, as instalações tomadas de brasileiros deveriam ser inutilizadas. É fundamental, além da condenação moral, não auxiliar o criminoso. Piedade com os culpados é traição aos inocentes.

Não estaríamos prejudicando bolivianos inocentes ao suspender ajuda, financiamento e investimentos? Ao inutilizar aquilo que seu governo tomou à força? Não ajudar é diferente de prejudicar. Ao suspender ajuda, não se está prejudicando – se está retornando à situação inicial. Ao inutilizar o que foi roubado não se está prejudicando ninguém – se está retornando ao estado inicial. Isto é justiça. Evo Morales foi eleito prometendo cometer este crime, os bolivianos inocentes sofreriam pelo erro de seus compatriotas – não por culpa do Brasil.

Artigo escrito em 10 de Maio de 2006.