Em “O mito do sistema capitalista” expliquei que o Capitalismo não é um sistema econômico, pois não é um sistema. Nele não há qualquer parte da economia determinada pelo governo. Mas o que é, então, Capitalismo? Como saber se uma dada economia é capitalista? Onde existe Capitalismo no mundo de hoje?
O que é Capitalismo?
A definição mais comum de Capitalismo é alguma variante de “sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção”. Esta definição é equivocada por vários motivos.
Em primeiro lugar, o direito à propriedade é um conceito político e não econômico. Trata-se de reconhecer que tudo o que tem valor para o homem é produto do esforço produtivo de alguém, e garantir ao criador de cada valor o direito de fazer o que quiser com aquilo que produziu.
Em segundo lugar, a definição faz uma distinção irrelevante ao especificar a propriedade privada de meios de produção. Rigorosamente todo produto material do esforço humano é um meio de produção em potencial.
Mesmo um bem de consumo é um meio de produção – ele permanece totalmente inalterado da saída da fábrica, passando pelo operador logístico, pelo atacadista e pelo varejista. Mas cada um destes o usa para produzir valor: trazendo o produto para perto de quem o deseja.
E o bem de consumo de um é o meio de produção de outro. Uma pessoa pode usar o leite comprado no mercado para colocar em seu cafezinho. Outra usa o mesmo leite para fazer um bolo para vender.
Não existe distinção real entre “bem de consumo” e “meio de produção”. A distinção está apenas em como cada um usa um dado produto: para saciar suas próprias vontades ou para produzir algo que saciará as vontades de outros.
Finalmente, apenas a garantia da propriedade privada é insuficiente. Nos regimes fascistas e no moderno “estado regulador” a propriedade é nominalmente privada – mas o governo determina o que se pode ou não fazer com ela. Na prática, esta violação da liberdade anula o direito à propriedade. O que significa ser “dono” de uma propriedade se você precisa da permissão de outro para usá-la?
Como ninguém planeja nem impõe a estrutura econômica no Capitalismo, chamo-o de “organização econômica”, e não “sistema econômico”. O que caracteriza esta organização econômica é ser o resultado natural da livre ação de todos os indivíduos, quando lhe são assegurados os direitos individuais.
Capitalismo é a organização econômica que resulta do sistema político de direitos individuais à vida, propriedade e liberdade.
Neste blog, tomo a liberdade de chamar o próprio sistema político de Capitalismo – por ser inseparável dos efeitos econômicos conhecidos por este nome.
Como saber se uma economia é capitalista?
Como visto, o Capitalismo não é um sistema. A existência de bancos, empresários, indústrias, dinheiro, trabalho assalariado, juros, nada disto precisa ser estabelecido pelo governo. Todas estas coisas surgem no Capitalismo, mas não são elas que fazem de uma economia capitalista. Não se pode caracterizar o Capitalismo por seus sintomas, pois é possível estabelecer estas e outras instituições típicas do Capitalismo pela força governamental.
O Capitalismo só pode ser identificado por suas causas, ou seja, pelo sistema político que o origina. Em um dado contexto, se os agentes econômicos têm assegurados seus direitos individuais então suas relações produtivas são capitalistas. Na medida que seus direitos à vida, propriedade e liberdade são ameaçados, suas relações deixam de ser capitalistas.
No mundo de hoje não existe país que seja completamente Capitalista. Na história a nação que mais se aproximou deste sistema político foram os Estados Unidos da América, no século 19. O que se encontra hoje no mundo ocidental são grandes economias mistas, em que os direitos de propriedade e liberdade individual são violados pelos governos em maior ou menor grau.
No Brasil o governo interfere em praticamente todos os aspectos da vida do cidadão, violando rotineiramente seus direitos à propriedade e à liberdade. Além de roubar o cidadão diretamente através dos impostos, impõe um sem número de regras estabelecendo o que o indivíduo pode ou não pode fazer com aquilo que teoricamente lhe pertence.
Mas mesmo no Brasil há partes da economia que estão mais ou menos próximas do Capitalismo, na medida em que a propriedade e liberdade dos envolvidos são respeitadas. A indústria petroquímica, por exemplo, está muito longe do Capitalismo. A indústria de cosméticos mais próxima.
O governo é dono da empresa que domina 90% da atividade petroquímica, regulamenta pesadamente a importação e exportação dos produtos, taxa abusivamente a compra e venda dos produtos e ainda se declara dono de toda a reserva mineral do país - se você achasse petróleo na “sua” terra, não poderia explorar!
Em contraste, não existe empresa governamental de maquiagem. Embora sem dúvida existam inúmeras regulamentações sobre produtos de estética, e eles sejam sujeitos a tributos e restrições de importação e exportação, não há regulação específica desta indústria. Existem grandes e pequenas empresas privadas, com os mais variados modelos de negócio.
Comparada com a indústria petroquímica, a indústria de cosméticos é muito mais capitalista: quem desenvolve, produz, comercializa, compra e usa cosméticos o faz com muito mais liberdade.
A privatização das grandes estatais de telecomunicações no Brasil dá um contraste claro entre situações de menor ou maior Capitalismo. Enquanto era uma indústria estatal, a telefonia no Brasil era cara, ruim e tecnologicamente atrasada. Quando se passou a respeitar parcialmente a propriedade privada nesta indústria, ocorreu uma revolução na qualidade, acessibilidade e preço dos serviços.
Mas a telefonia no Brasil ainda não é capitalista. A permissão para atuar no mercado é por concessão governamental. Os serviços e preços são regulados pelo governo. O verdadeiro Capitalismo faria o que vemos hoje parecer tão atrasado quando nos parece hoje o velho sistema onde uma linha de telefone custava milhares de reais e demorava meses para ser instalada.
Onde existe Capitalismo no mundo de hoje?
Não há um país que seja completamente capitalista, que defenda consistentemente os princípios do sistema político dos direitos individuais. Há, no entanto, países que se aproximam muito deste ideal, e outros que não o vêem nem ao longe. Nos países mais livres, há setores da economia que são praticamente Capitalistas – em que por algum motivo o governo não interfere.
Como Capitalismo se identifica pela defesa de direitos, a liberdade é o melhor indicador de quanto um país é capitalista. A Heritage Foundation publica anualmente um índice de liberdade econômica, um bom indicador de quanto cada país se aproxima do Capitalismo.
O Brasil aparece em 101º lugar no ranking de 2008. Aqui há bancos, empresários, assalariados e tudo o mais. Em teoria existe a tal “propriedade privada dos meios de produção”. Mas aqui nunca houve Capitalismo.