Um colega comentou em uma discussão estar surpreso e preocupado com a situação das três grandes montadoras americanas (GM, Ford, Chrysler). Que bancos e financeiras fossem afetados pela crise financeira era esperado. Mas indústrias que fabricam um produto real, tão básico nos dias de hoje?
Para entender porque a indústria automobilística foi a segunda indústria da chamada economia real a ser afetada nos Estados Unidos (depois da construção civil), é importante considerar os seguintes fatores:
1. A casa e o carro são os bens de maior valor que a maioria das pessoas possui e a maioria das pessoas usa crédito para comprá-los. Poderiam economizar dinheiro antes de comprar, mas pouca gente faz isso.
Quando o financiamento fica caro demais, em vez de trocarem o carro logo que terminam de pagar as parcelas do carro atual (ou antes!), as pessoas são obrigadas a juntar dinheiro para depois comprar o próximo carro. O fim do crédito barato, devido à crise financeira, cria um buraco nas vendas.
2. A desalavancagem dos mercados financeiros reduziu significativamente o volume de dinheiro em circulação. Empréstimos multiplicam a base financeira (explicações aqui e em vídeo), quando eles entram em default este dinheiro extra some. Isto leva a uma situação onde há menos dinheiro girando para o mesmo volume de bens a serem comercializados e a conseqüência disto é uma queda generalizada de preços.
Mas tem um preço safado que não cai: os salários. Em muitos países reduzir salário é proibido por lei. Em quase todos é muito difícil, pelo poder que os governos conferem aos sindicatos. A redução generalizada de preços, portanto, compromete todas as empresas. Apesar da matéria prima também cair de preço, os salários não acompanham resto do mercado.
Para piorar as coisas, as montadoras americanas GM, Ford e Chrysler já tinham uma posição competitiva fraquíssima perante Honda, Toyota, BMW, Porsche e outras. Esta fraqueza se devia fundamentalmente ao fato de o sindicato dos trabalhadores da indústria automotiva americana (UAW – United Auto Workers) ser extremamente poderoso – com influência maciça no Congresso americano através do partido Democrata.
Ao longo do tempo, passaram-se leis dificultando ou proibindo a importação de carros e peças, a maioria delas usando o ambientalismo como desculpa. Dificultou-se ou proibiu-se o outsourcing, supostamente para proteger os empregos de americanos. Garantiu-se cada vez mais regalias aos trabalhadores sindicalizados e deu-se poderes ao sindicato que permitem chantagear as empresas das mais diversas formas – supostamente para evitar que o trabalhador fosse explorado pelos empresários malvados.
O resultado de décadas desta interferência política no mercado de trabalho foi que as três grandes empresas automotivas americanas operam hoje com um custo de 1500 a 2000 dólares a mais por carro só em benefícios trabalhistas, sem contar salários. Ou seja, os metalúrgicos automotivos americanos ganham salários e benefícios muito acima do mercado.
Não é surpresa, portanto, que estas empresas que já estavam no limite da competitividade, dependem da disponibilidade de crédito para manter o nível de vendas e têm uma posição extremamente inflexível para alterar salários tenham rapidamente sucumbido à crise financeira.
O mais grotesco foi ver os próprios congressistas democratas que amarraram, sangraram e deixaram a indústria automotiva de joelhos perante os sindicatos dando lição de moral nos CEO: pobres idiotas que aceitaram a tarefa de tentar fazer estas empresas darem lucro nessas condições.
Aliás, a crise financeira também é fruto do que se faz em Washington – o que também não impede os próprios congressistas que exigiram décadas de inflação do dólar, déficits governamentais e financiamentos habitacionais para gente que não os pode pagar de interrogarem os presidentes do FED: pobres idiotas que aceitam a tarefa de produzir riqueza imprimindo dinheiro.