07 novembro, 2008

Reinaldo Azevedo: "O País dos Petralhas"

O País dos Petralhas não é sobre Reinaldo Azevedo, mas o homem transparece na obra. Ao explicar sua motivação e estilo aparece um intelectual honesto e sem ilusões:

“Escrevo o que escrevo porque acho ser o certo. Tenho, sei disso, um estilo um tanto amistoso no trato da língua, mas um pouco hostil nos argumentos. Não escrevo para ganhar adeptos. Quem discorda tende a se sentir agredido; quem concorda vê-se um tanto vingado, e os moderados se assustam um pouco.”

Aparecem também detalhes menores que, aliás, deviam me fazer detestá-lo (ou vice-versa). Reinaldo não gosta de comida japonesa. Eu adoro. Reinaldo não gosta do U2. Eu acho a música deles muito boa. Reinaldo não gosta de pão com gergelim. Eu acho parte essencial do BigMac. Reinaldo não gosta de avião. Eu sou engenheiro aeronáutico – e trabalho com segurança de vôo!

Mas no essencial O País dos Petralhas é sobre algo que deveria aproximar as pessoas mais diferentes nos detalhes – desde que amantes da liberdade. É uma crítica tão contundente quanto é divertida às diversas faces do mal que castiga o Brasil: a idéia que qualquer coisa é válida se for feita para o bem da maioria.

A metralhadora giratória, carregada por vezes com fina ironia, por vezes com puro deboche, atinge de intelectuais que pretendem nos proteger de nossa própria burrice através da censura à vasta máquina partidária do PT que pratica rigorosamente tudo o que recriminava nos outros partidos – em maior grau e com menos vergonha.

Reinaldo cria neologismos que destilam sua crítica em uma única expressão. Esquerdopata é o intelectual de esquerda que, incapaz de convencer, recorre à força policial para calar seus opositores. Petralha é o petista que não vê problema em passar a mão no dinheiro dos outros para fortalecer o partido, já que o PT é a força do bem e da justiça por definição.

Dualética é a perturbada construção moral de esquerdopatas, cuequeiros e demais petralhas, onde vale uma moral para eles, defensores do bem e da verdade licenciados de restrições como não mentir ou não roubar, e outra que vale para nós, os outros, cujo mínimo deslize é justificativa para sermos execrados.

Contrapondo este neo-Maquiavelismo, Reinaldo oferece uma definição alternativa do que é o bem:

“Ah, mas o que é o bem?”, pergunta o demônio do relativismo. Para nossos propósitos, chamemo-lo de um pacto que garanta os direitos individuais e que estabeleça normas gerais de conduta que concorram para a liberdade.”

Além do princípio, O País dos Petralhas critica também um método. O método de usar a liberdade para destruir a liberdade. Seja o uso das eleições para conquistar o poder e uma vez empossado, acabar com o governo representativo (by Evo Morales, Hugo Chavez, Adolf Hitler et alia) ou o patrulhamento ideológico através de abaixo assinados, processos judiciais ou “manifestações espontâneas” contra gente que ousa proferir verdades inconvenientes.

O método que Reinaldo contrapõe é o regime democrático, como instituído nos países ocidentais ao longo dos últimos dois séculos. Um regime onde toda discordância é permitida – exceto naquilo que garante a liberdade de discordar. Sobre o multiculturalismo, dispara:

“Trata-se de um curioso pluralismo evidentemente: todas as culturas estão em princípio certas e válidas, menos essa nossa, [a única] que lhes garante a liberdade de dizer que estamos todos errados.”

Faço aqui uma crítica que não é crítica. Reinaldo apresenta a democracia como fim em si, como garantia suficiente da liberdade individual. “Nunca houve uma democracia socialista”, afirma. A carga de significado que ele atribui à palavra democracia excede em muito seu significado estrito.

O governo pela vontade da maioria, a democracia em seu sentido estrito, é completamente compatível com o socialismo, com a tirania. Ausente uma cultura profunda de responsabilidade individual a democracia tende ao socialismo porque, seres humanos sendo desiguais, sempre haverá uma minoria mais próspera que a média e uma maioria disposta a explorá-la.

Mas não é puro majority rule que Reinaldo Azevedo quer dizer quando diz democracia. É uma democracia limitada, onde a liberdade individual está fora do alcance mesmo da maioria. Em suas palavras “Ou todos são iguais perante a lei ou se está fraudando o regime democrático.”

Se a democracia é o método que contrapõe o petralhismo, a inviolabilidade dos direitos individuais é o princípio que contrapõe o “vale tudo em nome do bem comum”. Acho que esta clareza faria bem aos textos. Ninguém pode honestamente questionar que nunca houve socialismo respeitador dos direitos individuais, afinal a premissa do socialismo é invalidar o direito de propriedade.

Se este ponto está menos claro do que poderia ser, não compromete a mensagem – que capturo aqui em três citações, uma do próprio Reinaldo e outras duas que ele faz no livro:

“Queria um governo sobre o qual não desse vontade de falar nada. Governos devem servir apenas para a gente olhar o poente em paz.”
Reinaldo Azevedo

“The difference between a welfare state and a totalitarian state is a matter of time.” [1]
Ayn Rand

"There is only one cure for the evils which newly acquired freedom produces, and that cure is freedom.” [2]
Lord Macaulay*


A liberdade individual está acima da vontade da maioria. É sobre este princípio que se construiu a sociedade ocidental que, como diz Reinaldo, nos deu papel higiênico, luz elétrica e geladeira. O País dos Petralhas é, portanto, um golpe em favor da civilização na longa batalha contra a barbárie.

[1]"A diferença entre um estado benfeitor e um estado totalitário é uma questão de tempo"

[2]"Há uma única cura para os males da liberdade recém conquistada: a liberdade"

* Reinaldo parafraseia esta citação (“os males da liberdade de imprensa se combatem com mais liberdade de imprensa”), que atribui a Alexis de Tocqueville.