15 outubro, 2008

Consertando o dinheiro

(atenção, texto longo!)

A filosofia baseada na razão e a história comprovam que a prosperidade é resultado da liberdade individual. Colocar em prática a política liberal capitalista em um país viciado no poder do estado, no entanto, não é coisa simples.

A série “Consertando o Brasil” apresenta propostas sobre como partir do Brasil de hoje e chegar ao Brasil que todos dizem que gostariam de ver, detalhes sobre a abordagem e o propósito destes artigos estão na Introdução à série.

Dinheiro
A atual crise financeira e a exposição que o assunto tem recebido tornam oportuno falar sobre o dinheiro, e sobre o que um governo que pretendesse se limitar à defesa dos direitos individuais teria como política financeira.

A ouvir a maioria dos jornalistas e analistas econômicos e a quase totalidade dos políticos, a crise atual resulta da irresponsabilidade de algumas grandes empresas e de seus gestores multimilionários que puseram todo o sistema financeiro em risco para aumentar ainda mais suas enormes fortunas. Isto é uma enorme mentira.

Embora esta crise tenha se tornado aparente no mercado imobiliário e embora o governo dos Estados Unidos seja responsável por criar um enorme desequilíbrio neste mercado, o colapso dos créditos habitacionais sub-prime americanos só se transformou em uma catástrofe econômica global porque o dinheiro em si está podre – no mundo todo.

Como é o dinheiro no Brasil (e no mundo) de hoje
No Brasil e no resto do mundo o que existe hoje é o que os americanos chamam de fiat money, cuja tradução literal é dinheiro por decreto. Uma nota de um dólar ou uma nota de um Real não tem valor em si nem é um título de propriedade sobre alguma coisa. Estas notas são apenas pedaços de papel que os governos dos Estados Unidos e do Brasil obrigam todos nos respectivos países a aceitar como pagamento.

Há conseqüências inescapáveis em um sistema de dinheiro por decreto. A primeira é que o governo do país tem a capacidade de produzir dinheiro do nada. Como a única definição de “um Real” é “aquilo que o governo brasileiro declara ser um Real”, o governo do Brasil pode simplesmente criar mais dinheiro – sem criar nenhuma riqueza. O mesmo vale para os demais países e suas moedas.

No passado os governos faziam isto literalmente – imprimiam dinheiro físico para pagar suas contas. Hoje em dia esta criação de dinheiro se faz através de operações financeiras dos bancos centrais, particularmente através de títulos da dívida pública. O nome que se dá ao aumento da quantidade de dinheiro em circulação é inflação.

A capacidade de fazer aparecer dinheiro também permite aos governos manipular a taxa de juros praticada no país. 

A segunda conseqüência essencial do sistema de dinheiro por decreto é que o dinheiro não tem qualquer significado material. Isto significa que não só os governos, mas também os bancos, são capazes de fazer mágica com o dinheiro – mágica que não se pode fazer com a riqueza.

Um exemplo disto é o ato de emprestar para várias pessoas o mesmo dinheiro, ao mesmo tempo. Se eu deposito cem reais em minha conta corrente, o governo deixa meu banco emprestar este dinheiro para outra pessoa. Se esta pessoa usa o dinheiro para comprar algo e o vendedor que recebeu o dinheiro o coloca no banco, o banco dele pode emprestar o mesmo dinheiro novamente – e assim por diante.

Com essa mágica, o dinheiro que eu depositei acaba ao mesmo tempo na minha conta, na conta do lojista, e na conta da pessoa que tomou o segundo empréstimo, e ainda pode ser emprestado de novo! É fácil ver que rapidamente o dinheiro em circulação se tornaria infinito. É por isso que os governos instituem o que se chama no Brasil de depósito compulsório.

Se eu deposito R$100 na minha conta corrente meu banco precisa depositar 45% no Banco Central se quiser emprestar este dinheiro. Meu banco pode, portanto, emprestar R$55. Se a pessoa que pegou os R$55 emprestado coloca o dinheiro no banco dela, este por sua vez só pode emprestar R$30,25, e assim por diante. Desta forma o dinheiro é apenas multiplicado, não se torna infinito. Mas este processo ainda cria dinheiro do nada, ou seja, produz inflação.

Ao longo do tempo estes dois efeitos produzem o constante aumento dos preços, que é conhecido popularmente como inflação, e os enormes lucros dos bancos – que emprestam dinheiro que não têm e ganham juros sobre ele.

Mais importante, o fato de que o dinheiro do país é simplesmente um decreto governamental significa que os agentes econômicos precisam constantemente adivinhar o que o governo vai fazer – precisam ter confiança no governo. Quando se ouve na TV que os investidores perderam a confiança, pode acrescentar "no governo" ao fim da frase sem medo de errar.

Finalmente, o fato de que todo o dinheiro do país é um enorme castelo de cartas significa que uma perturbação financeira (como a atual crise dos empréstimos imobiliários americanos) tem o potencial de causar o colapso de todo o sistema econômico - em vez de simplesmente causar a falência das pessoas, empresas e bancos irresponsáveis.

A história do dinheiro
Para conseguir explicar a natureza do problema e a solução proposta, vou falar um pouco sobre história.

Por surpreendente que possa ser, dinheiro decretado pelo governo, taxa de juro determinada pelo governo e bancos centrais que controlam todo o sistema financeiro do país são coisa recente – de menos de cem anos atrás.

Dinheiro é o instrumento de troca que as pessoas escolhem usar para lidar com os outros. Em qualquer sociedade que se desenvolve além da subsistência familiar, o dinheiro surge naturalmente. As mais diversas coisas já foram usadas como dinheiro – conchas, sal, contas, sementes, peles, gado – mas nas sociedades avançadas a tendência foi a adoção de metais, e do ouro e da prata em particular.

Em toda a história humana, e na revolução Capitalista que criou o mundo em que vivemos (conhecida como Revolução Industrial), o dinheiro sempre foi alguma coisa. Ou seja, algo que tinha valor e que através deste valor intermediava as trocas entre as pessoas.

Uma moeda de ouro não é valiosa porque o governo declara, ela é de ouro e ouro em si tem valor. O mesmo vale para todos os outros dinheiros usados na história humana. O que aconteceu para que chegássemos onde estamos hoje?

Com o desenvolvimento da economia surgiram diversas questões práticas que levaram ao uso de substitutos em lugar do dinheiro em si.

Uma dificuldade é o alto valor do ouro. Um grama de ouro vale hoje cerca de R$60. Para comprar um pão, por exemplo, a quantidade de ouro seria muito pequena. Seria preciso ter uma moeda de 0,005 grama de ouro para poder comprar um pão! É óbvio que isto não é possível.

O oposto também é um problema. Imagine uma empresa que fecha um contrato de bilhões de reais, para construção de uma ponte ou usina hidrelétrica. Em ouro, o pagamento pesaria várias toneladas.

Estes problemas foram resolvidos através dos substitutos. Para valores muito baixos ou muito altos para uma moeda de ouro, os bancos emitiam notas ou moedas de um material barato. Estas notas ou moedas não tinham valor algum em si, mas representavam o título de propriedade sobre uma quantia de ouro armazenada no banco.

Assim, se o banco tinha uma moeda de 5 gramas de ouro em seu cofre, podia emitir 1000 moedas de um metal barato qualquer ou imprimir 1000 notas cada uma valendo 0,005 grama de ouro. Cada nota ou moeda era o título de propriedade sobre parte daquela moeda de 5g que ficava depositada no banco. E assim tinhamos uma maneira prática de comprar um pão.

Embora não se pudesse levar uma ou até dez destas moedas ou notas ao banco e pedir para sacar o ouro (por ser uma quantidade muito pequena), tendo quantidade suficiente de moedas ou notas substitutas era possível levá-las ao banco e sacar em ouro.

O mesmo valia para grandes quantidades. Se o banco tinha uma barra de 1 kg de ouro, ou várias barras menores totalizando 1 kg, podia emitir uma nota valendo 1 kg de ouro. A nota circulava, o ouro ficava guardado no banco.

Sob este sistema de substituição, o único risco era que alguém falsificasse os substitutos. Por isso a confecção de notas e moedas substitutas procurava sempre criar características difíceis de reproduzir. Vale notar que qualquer banco podia emitir notas ou moedas, bastava ter ouro em cofre. As pessoas aceitavam as notas e moedas substitutas dos bancos em que confiavam.

Os problemas começaram quando alguns bancos, principalmente bancos controlados por governos, perceberam que as pessoas aceitavam usar apenas substitutos no dia a dia. Como o substituto era aceito como se fosse ouro, afinal representava a posse de ouro, as pessoas raramente iam sacar o metal! Até aí não havia problema. O problema é que estes bancos começaram a emitir mais substitutos do que tinham metal!

O banco só precisava ter metal suficiente no cofre para cobrir os casos em que as pessoas efetivamente vinham sacar o dinheiro. A vantagem para o banco é que ele podia fazer empréstimos e ganhar juros sobre notas que não tinham correspondente em ouro, ganhando rendimento sobre dinheiro que ele não tinha!

Esta prática é conhecida como reserva parcial, porque o banco só tem em reserva parte do ouro para o qual emitiu substitutos. Isto tem um efeito colateral: quando as pessoas descobrem que um banco está com as reservas muito baixas, correm para sacar em ouro todos os substitutos daquele banco que tiverem em mãos – afinal ninguém quer ficar com um substituto de um banco que está sem ouro!

Quando a reserva do banco baixava e as pessoas começavam a ficar preocupadas, elas iam sacar o ouro em espécie. Isto, naturalmente, baixava mais as reservas do banco. Este fenômeno ficou conhecido como corrida ao banco, ou bank run em inglês. Como o banco não tinha ouro em caixa para redimir todos os substitutos, freqüentemente isto causava a quebra do banco – ele ficava sem ouro no cofre e com um monte de gente que ainda tinha direito de sacar seus substitutos.

Embora isto fosse muito ruim, os clientes do banco geralmente não tinham perdas permanentes. Embora o banco não tivesse ouro para redimir seus substitutos à vista como deveria, os empréstimos que o banco fez com os substitutos que criou em excesso de suas reservas eventualmente eram pagos. Após a liquidação dos bens e garantias do banco falido os clientes geralmente recebiam seu ouro. Os banqueiros falidos, neste caso, eram os únicos grandes perdedores.

As corridas aos bancos e as falências de bancos, no entanto, geravam sérios inconvenientes às pessoas e empresas. Havia pressão para que o governo fizesse alguma coisa a respeito. Em vez de eliminar a fonte do problema, a reserva parcial, os governos atacaram os sintomas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, foi criado o sistema do Federal Reserve (ou simplesmente Fed). Este é um conjunto de grandes bancos que foi designado pelo governo para fornecer liquidez aos bancos em dificuldade. Quando um banco era ameaçado por um bank run, o Fed lhe emprestava ouro – assim o banco evitava o pânico de seus clientes, que desistiam de sacar seus substitutos em espécie, e podia voltar a operar com sua reserva parcial retornando o ouro emprestado.

Com os grandes bancos centrais garantindo a liquidez, o sistema de reserva parcial ficou muito mais estável e as corridas aos bancos se tornaram coisa do passado. Mas a história não pára por aí.

Com a garantia dos bancos centrais, os bancos obviamente tinham tranqüilidade para emitir ainda mais substitutos sem equivalente em ouro. A reserva que era necessária sob este sistema era bem menor do que quando o banco estava correndo risco de um bank run. Os próprios bancos centrais também estavam emitindo dinheiro sem reserva – este se tornou um meio favorito de financiar as contas do governo. Por que cobrar os sempre impopulares impostos se podia-se simplesmente criar o dinheiro?

Quando os próprios bancos centrais de alguns países começaram a correr risco de insolvência, o fenômeno que acontecia um banco de cada vez passou a acontecer com o sistema financeiro de um país inteiro. A solução tomada foi a mesma – criou-se um mecanismo pelo qual os bancos centrais dos países emprestavam ouro entre si para evitar que um deles quebrasse.

Ao longo de todo este processo, a taxa de reserva nos sistemas bancários diminuiu constantemente. Em outras palavras, havia cada vez mais substitutos (notas e moedas nacionais) para cada grama de ouro.

É evidente que mesmo com o acordo entre bancos centrais a mesma coisa voltou a acontecer – e desta vez não havia mais quem pudesse emprestar ouro. O sistema financeiro do mundo todo já estava interligado – e estava correndo risco de um bank run mundial.

Os governos tentaram salvar o sistema. Uma das maneiras era simplesmente desvalorizar a moeda. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, simplesmente decretou que o dólar que valia cerca de 1/20 onça de ouro passasse a valer 1/35 onça de ouro (uma onça são 28,35 gramas). Ou seja, deu um calote de mais de 40% em toda pessoa que tivesse dólares.

Mais uma vez, em vez de realizar uma reforma que restabelecesse uma moeda real e lastreada, os governos resolveram fazer outra coisa. Simplesmente aboliram o ouro como dinheiro – ficou só o papel.

É claro que um cidadão não vai aceitar um pedaço de papel que não vale absolutamente nada como pagamento por um bem real que ele produziu. Se os governos tivessem simplesmente abolido a reserva de ouro no sistema bancário as pessoas eventualmente teriam parado de usar as moedas nacionais.

Mas os governos decretaram a obrigatoriedade de aceitar seu papel moeda como pagamento. Muitos governos também proibiram a posse de ouro. Até hoje um contrato de venda denominado em ouro é legalmente inválido pela lei dos Estados Unidos.

Assim chegamos onde estamos hoje. O dinheiro não vale nada, não representa a posse de nada. Seu uso é imposto pelo governo, seu valor é determinado pelo governo, o governo cria dinheiro do nada. Na verdade hoje não existe dinheiro – existem substitutos que não substituem nada. E uma arma na nossa cabeça nos obrigando a fingir que eles valem alguma coisa.

A inflação e as crises financeiras como a atual são resultados deste sistema financeiro baseado no irreal. Não há como fazê-lo funcionar

Como deveria ser o dinheiro
O governo tem como única função legítima a defesa dos direitos individuais à vida, propriedade e liberdade. Em que ponto os governos falharam e como a ação legítima de um governo resolveria os problemas descritos acima?

Como demonstra a narrativa, os problemas financeiros que provocaram as contínuas e desastradas intervenções governamentais tiveram sua origem na prática da reserva parcial. Vale a pena analisá-la em detalhe.

Quando um banco que tem uma dada quantidade de ouro emite uma nota ou moeda substituta, está emitindo algo que representa um título de propriedade àquela quantidade de ouro. Embora possa haver regras para sacar o valor em espécie (quantidade mínima, por exemplo), o portador do substituto efetivamente é o dono daquela porção do metal.

Se o banco emite outro substituto para o mesmo ouro, o que ele está fazendo é emprestar para outra pessoa dinheiro que não lhe pertence – dinheiro que já está em circulação através do substituto original. Nesta situação há duas pessoas diferentes portando títulos de propriedade sobre o mesmo objeto. O que o banco faz ao emitir substitutos em excesso do ouro que ele mantém em reserva é fraude.

A prática de reserva parcial é fraude mesmo que as pessoas que retiram os substitutos no banco saibam que o banco tem esta prática. É fraude porque a nota ou moeda substituta diz que vale uma certa quantidade de ouro, quando de fato ela não representa posse desta quantidade de ouro.

Uma das funções legítimas do governo é proteger o direito de propriedade, e a fraude é um crime contra a propriedade. O governo deve proibir a prática da reserva parcial. Esta simples ação evita a origem de todos os problemas, e torna absolutamente desnecessária qualquer outra ação governamental sobre o dinheiro.

A maior crítica a esta visão é de que sendo proibida a reserva parcial faltaria crédito para o investimento na indústria. Na verdade a única diferença seria que só seria emprestado o dinheiro que foi colocado no banco para ser emprestado – mas ainda haveria crédito.

Ao proibir a reserva parcial fica impossível emprestar o dinheiro que já está em circulação na forma de notas ou outros substitutos. Também não se pode emprestar dinheiro depositado em contas correntes - pois a qualquer momento o correntista pode usar este dinheiro como pagamento, seja através de um cheque ou outro mecanismo qualquer.

Um depósito de longo prazo, por outro lado, assim como uma aplicação em um fundo, significa que o depositário está colocando aquele dinheiro à disposição do banco – em troca de um retorno. Este dinheiro não está em circulação, não há notas ou substitutos emitidos em relação a ele e o depositário não pode usá-lo para transações correntes. Este dinheiro o banco pode emprestar.

Não há motivo para achar que faltaria crédito sob um sistema bancário honesto. As pessoas continuariam economizando para o futuro e continuariam buscando meios de investir suas economias. Estas economias estariam, através dos bancos, disponíveis para financiar as empresas.

O que seria impossível é produzir dinheiro do nada. E isto é bom, pois quando o governo ou um banco privado cria dinheiro do nada ele está fraudando simultaneamente todos os que têm qualquer quantidade daquela moeda. A inflação – a expansão do dinheiro sem valor real – é o pior imposto que existe.

A barreira da dependência material estabelecida
Para a questão do dinheiro, a dependência material de muitos brasileiros em relação ao governo influencia apenas indiretamente. Esta influência se dá na medida que o governo usa a emissão de dinheiro, através de títulos da dívida, para se financiar.

A volta para um sistema baseado em dinheiro real, seja ouro, prata ou outro qualquer, significará que o governo não poderá mais criar dinheiro do nada. Será preciso arrecadar para poder gastar.

A barreira da viabilidade política
A eventual oposição da população viria do transtorno relacionado com a reforma em si, afinal o povo brasileiro não está mais acostumado a mudar de moeda como já esteve no passado. Outra potencial fonte de oposição seriam os próprios bancos, dado que acabaria a farra do lucro fácil que impera hoje. 

A barreira da máquina governamental
Esta é uma barreira severa à adoção de um sistema financeiro honesto. Em primeiro lugar, o dinheiro real limita o gasto governamental fechando a torneira da emissão de moeda e dívida. Isto impede a expansão das benesses governamentais e será confrontado por todas as forças políticas que dependem de fazer favores a setores da população para permanecer no poder.

Em segundo lugar, um sistema financeiro baseado em uma moeda real não oferece meios para que o governo manipule a economia do país. O governo não pode estabelecer a taxa de câmbio. O governo não pode estabelecer a taxa de juros. É impossível fazer política econômica, e isto é muito bom.

A medida elimina uma enorme fonte de insegurança para os investidores e empresários, elimina inúmeras oportunidades de corrupção e tráfico de influência – mas políticos oporão fortemente a perda destes poderes, pois ela aboliria a ilusão de que são eles que causam o desenvolvimento econômico do país.

Esta reforma elimina a necessidade de um Ministério da Fazenda e do Ministro da Economia, e torna o Banco Central um banco como qualquer outro. Há de se esperar forte oposição de todos os que ganham a vida ou têm poder em função destas instituições.

A barreira da cultura do estatismo
A cultura do estatismo seria uma barreira pelo fato de o brasileiro não confiar naquilo que não é garantido pelo governo – mesmo após séculos de experiência que demonstram que o governo não é nada confiável.

Neste sentido, o fim da moeda nacional e o surgimento de substitutos emitidos por bancos privados seria uma mudança com um período de adaptação a ser considerado.

Propostas usuais para o restabelecimento de dinheiro real
A maioria das propostas de economistas liberais envolve associar a quantidade existente de moeda nacional com as reservas de ouro existentes no banco central do país. Isto ocorre porque estas idéias são para o cenário americano, e o Fed tem uma grande reserva de ouro – embora muito menos que o que seria necessário para lastrear o dólar em seu valor histórico.

Para se ter uma idéia, o Fed possui em seus cofres cerca de oito mil toneladas de ouro. Mesmo assim, para que o dólar voltasse a ser um título de propriedade sobre uma quantidade definida de ouro destas reservas, seria necessário definir seu valor como menos de 1/10.000 de uma onça de ouro. A onça de ouro hoje é vendida por cerca de 850 dólares, portanto  forçar esta paridade reduziria o valor do dólar em mais de dez vezes.

O caso do Brasil é muito pior. Como o governo brasileiro não tem grandes reservas de metais preciosos, uma conversão do Real para uma fração destas reservas basicamente significaria reduzir o valor do Real a zero.

Outra proposta é simplesmente abandonar a moeda nacional. Isto seria feito permitindo a livre circulação de ouro e prata como moeda corrente, o fechamento de contratos denominados nestes metais – basicamente criar uma economia paralela baseada em dinheiro real deixando o dinheiro por decreto morrer.

Embora esta alternativa tenha mérito por simplesmente eliminar a interferência governamental, o problema prático é que eventualmente o Real passaria a valer nada. As pessoas não colocariam suas economias à mercê do governo se tivessem opção, eventualmente ninguém quereria receber Reais. Certamente ver seu dinheiro, suas economias no banco e tudo o mais que é denominado em Real passar a não valer nada seria impopular – mesmo que das cinzas deste desastre surgisse eventualmente um sistema econômico funcional.

Uma proposta para consertar o dinheiro no Brasil
A dificuldade em realizar uma reforma que passe o Brasil para uma base monetária honesta está em colocar o dinheiro honesto em circulação e em tirar o Real de circulação. Está principalmente em fazer isto sem criar grandes transtornos ao cidadão, sem causar rupturas significativas nas atividades produtivas e sem destruir o valor das economias das pessoas.

A proposta para realizar este feito começa por liberar o uso de qualquer instrumento para a realização de transações econômicas e a garantia legal à execução de contratos denominados em quaisquer termos.

Esta primeira medida significa que não só se poderia vender um bem por um preço denominado em ouro ou contratar um financiamento denominado em ouro como também em qualquer outro material e também qualquer moeda estrangeira.

O propósito deste passo, além de remover uma proibição que não tem legitimidade alguma, é estabelecer alternativas para as empresas. Empresas que importam e exportam, por exemplo, poderiam optar por fazer contratos em dólar ou euro também no Brasil. A existência destas alternativas é um meio de atenuar o impacto da retirada de circulação do Real.

O segundo passo é interromper toda a ação de política monetária do Banco Central. Isto significa que o BC não atuaria mais estabelecendo uma taxa de juros oficial, nem atuaria comprando e vendendo Reais para estabilizar o câmbio. As funções operacionais seriam inicialmente mantidas.

Esta segunda medida significa que o governo não teria mais como criar dinheiro através da emissão de dívida nem como manipular o câmbio e os juros. O câmbio entre Real e dólar, Real e euro, assim como o preço em reais do ouro seria definido pelo mercado.

O propósito deste passo é cortar a dependência do governo em relação à emissão de dinheiro para fechar suas contas e habituar os agentes econômicos a procurar no mercado suas referências monetárias, e não na política.

Este passo requer profundos cortes nos gastos governamentais, pois sem a possibilidade de simplesmente fazer dívida o orçamento do governo não pode ter déficit. Assim, esta reforma precisa ser executada em paralelo com outras que reduzam significativamente os gastos do governo através da eliminação de funções que não lhe são cabíveis.

Esta reforma monetária, a reforma fiscal proposta em "Consertando os Impostos" e as reformas dos diversos outros setores do governo formam um plano de governo interdependente.

O terceiro passo é passar a arrecadação do governo e seus pagamentos para quantias denominadas em ouro. Após a reforma fiscal proposta em "Consertando os Impostos" só haveria o imposto sobre consumo. Como as transações poderiam ser denominadas em qualquer moeda ou material, este terceiro passo significa que o imposto teria de ser pago ao governo em ouro, por uma taxa de conversão pré determinada (por exemplo, a cotação do início do mês).

Esta terceira medida significa que o governo adotaria o ouro como moeda para todas as suas ações – desde o pagamento de seus funcionários até o fechamento de contratos de fornecimento. Toda a arrecadação do governo seria em ouro e todas suas despesas seriam denominadas em gramas de ouro.

O propósito deste passo é colocar o ouro em circulação como moeda corrente. O surgimento de contas em ouro onde o banco tem uma quantidade do metal depositado igual ao saldo do correntista, e de instrumentos para a realização de transações em ouro diretamente seria natural. Um incentivo para isto seria o fato de que tendo transações em ouro, economiza-se o custo de converter valores em ouro para pagar o imposto.

O quarto e último passo é a retirada de circulação do Real. Como dito anteriormente, não se pode trocá-lo por ouro, pois o governo brasileiro não dispõe de reservas significativas. O governo, no entanto, dispõe de muita riqueza que não deveria ser de sua propriedade.

Como visto em "Consertando a infra-estrutura", há inúmeras empresas, terra, direitos de mineração, direitos de extração de água, freqüências de rádio e TV e muitas outras coisas que o governo detém que deveriam estar em mãos privadas. O caminho para redimir os reais seria listar toda esta propriedade e realizar leilões abertos aceitando apenas reais como pagamento. A cada leilão os reais arrecadados seriam eliminados, saindo permanentemente de circulação.

Esta quarta medida significa que o Real, na prática, passaria a ser lastreado em toda a propriedade governamental a ser privatizada. As pessoas, empresas ou organizações que quisessem participar dos leilões teriam de obter reais – e os brasileiros lhes venderiam seus reais em troca de ouro, dólares ou o que preferissem.

O propósito deste passo é duplo. Por um lado, retira o Real de circulação – o objetivo específico desta reforma monetária. Por outro distribui entre todos os brasileiros a riqueza arrecadada nas privatizações.

Realizada com prazos razoáveis e ampla divulgação, e associado às medidas anteriores que estabelecem alternativas, a saída de circulação do Real não geraria um grande distúrbio no sistema produtivo. No momento em que isto acontecesse, pessoas e empresas já estariam habilitadas a realizar suas transações em ouro, dólares, euros conforme sua preferência e conveniência.

Vencendo a dependência material estabelecida
A eliminação do mecanismo de criação de dinheiro como ferramenta orçamentária imporia ao governo a necessidade de reduzir despesas para fechar suas contas. Isto implica na redução dos gastos, portanto em menos redistribuição de riqueza. Planos específicos como o proposto para a educação precisam viabilizar esta redução.

Vencendo a inviabilidade política
A manutenção do Real como moeda em paralelo com a liberação do uso de dólares, euros e outras moedas estrangeiras no país e da implementação do ouro nas finanças do governo permite ao cidadão se adaptar gradualmente, mudando a moeda que usa conforme sua conveniência e benefício.

Dada a instabilidade histórica da moeda brasileira, é provável que empresas e pessoas rapidamente adotem alternativas. Embora possa haver oscilação na cotação do Real devido a estes ajustes, ao permitir que as pessoas escolham a moeda que preferem usar a tendência é minimizar a aversão popular à reforma.

Vencendo a máquina governamental
Esta barreira é realmente severa. É difícil imaginar qualquer dos grandes partidos aceitando abrir mão de todos os mecanismos que permitem ao governo manipular a riqueza do país como um todo. Não tenho idéias sobre como viabilizar perante as forças políticas estabelecidas uma reforma como esta, exceto através de enorme apoio popular. 

Vencendo a cultura do estatismo
Tendo moedas oficiais de outros países como alternativa, o brasileiro não seria obrigado a adotar o ouro como dinheiro. A tendência seria de as pessoas gradualmente passarem a ter esta preferência à medida que os bancos melhorassem os serviços associados ao uso do metal como dinheiro e que ficasse clara a estabilidade do ouro como moeda – imune à manipulação do governo brasileiro e de governos estrangeiros, imune a crises financeiras, enfim, confiável.

Notas:
1. Este artigo poderá ser extensamente alterado, para incorporar novas idéias minhas, sugestões de leitores ou para endereçar críticas que venham a ser feitas.
2. Este artigo usa extensamente o termo “dinheiro por decreto”. Isto é proposital e visa enfatizar o fato de que o dinheiro provido pelo governo não é um valor em si – só tem valor porque o governo obriga as pessoas a aceitá-lo como forma de pagamento.