Em “Esquerda ou esquerda?” mostrei que o espectro político dos partidos no Brasil se situa inteiramente à esquerda, ou seja, todas as forças políticas majoritárias operam com a premissa de que é legítimo ao governo usar a força para interferir na vida econômica do cidadão.
Há, naturalmente, diferentes graus de esquerdismo. Alguns propõem que o estado apenas evite os “problemas do capitalismo”, ou seja, os problemas que supostamente ocorrem quando as pessoas são livres (na série de artigos sobre “Fantasmas do Capitalismo” abordo alguns destes “problemas”). Outros são contra a propriedade privada em si, e desejam ver o governo como autoridade sobre a vida econômica de todos os cidadãos (em nome do suposto “bem comum” é claro).
Ambos estes extremos, bem como todas as demais posições à esquerda do espectro político, têm algo em comum: a idéia que o homem é incapaz de viver em liberdade sem gerar todo tipo de desgraça econômica – da pobreza e fome ao trabalho escravo.
Esta idéia é o alicerce de todo o pensamento de esquerda, e resulta de dois princípios fundamentais: que as pessoas não são capazes de determinar o que é melhor para si mesmas, e que na vida econômica para que uma pessoa ganhe é necessário que outra perca.
O primeiro princípio é evidentemente falso. Por menos educação formal que um indivíduo tenha, ele é um ser independente e dotado de razão. Se ele optar por seguir o conselho de outros que julgue mais capacitados, muito bem. Todos fazemos isto em algum aspecto de nossas vidas. Mas forçá-lo a aceitar a tutela de outro contraria a natureza do ser humano.
A contradição interna presente neste princípio é que os indivíduos seriam incapazes de saber o que é melhor para si próprios – mas basta vestir um deles com um cargo governamental que este passa a ser capaz não apenas de saber o que é bom para si como também o que é bom para os demais. Mas governantes são pessoas, como todos nós.
O segundo princípio também é obviamente falso. Em qualquer transação voluntária, cada um dos envolvidos só participa se quiser. Ao aceitar a transação, demonstra que ela o beneficia (do contrário recusaria).
Se eu compro algo por dez reais, significa que aquilo vale mais para mim do que os dez reais. Se o vendedor me vende por dez reais, significa que para ele vale menos. Ambos saímos ganhando. Mesmo se ao sair da loja eu encontrar outro vendedor oferecendo o mesmo produto por cinco reais – isto não significa que saí perdendo. Apenas ganhei menos do que poderia, se me esforçasse mais em pesquisar preços.
A verdade é que em um regime de liberdade econômica, onde apenas o roubo e a fraude (como, por exemplo, se o primeiro vendedor me dissesse que seu preço era o mais baixo da região) são proibidos, a pobreza absoluta e a fome rapidamente deixam de ser problema.
O fato de que estes dois princípios fundamentam o pensamento “de esquerda” não é reconhecido por todos os “esquerdistas”. Pergunte às lideranças do PSDB ou DEM se eles acreditam que o cidadão brasileiro é incapaz de decidir o que é melhor para si mesmo e é muito provável que eles neguem enfaticamente e, ao contrário da maioria dos seus adversários, provavelmente será uma negação sincera.
Mas a política destes partidos é tão calcada nestes dois pilares podres quanto a de seus adversários. PSDB e DEM defendem a regulamentação da economia pelo governo, defendem a existência de estatais, defendem o assalto ao brasileiro produtivo e inocente para beneficiar terceiros.
A chamada “oposição” contesta vigorosamente o como e o quanto o governo do PT faz estas coisas – mas nunca os princípios envolvidos. Como disse Paulo Moura, “O objetivo de José Serra e Aécio Neves é substituir Lula. Não é romper as bases estruturais patrimonialistas hegemônicas na cultura política nacional”.
PSDB e DEM têm um discurso e uma política que estão em contradição com os próprios princípios que os justificam. Se o cidadão brasileiro é incapaz de fazer suas próprias escolhas, o governo precisa definir o que será feito. Se este princípio fosse verdade, o coerente seria ampliar o governo sem parar, assumindo cada vez mais controle sobre a vida do cidadão – como faz o PT.
De maneira análoga, se na vida econômica o ganho de um fosse necessariamente resultado da perda de outro, o coerente seria que o governo assumisse o total controle sobre todos os aspectos econômicos. Privatização, desburocratização, agências reguladoras independentes e isentas – tudo isso é contraditório a este princípio. O certo seria expandir o controle do governo para poder interferir em todas as partes da economia. Como faz o PT.
Fica claro, portanto, que os dois “lados” do debate político brasileiro na verdade são um lado só, por compartilharem as premissas fundamentais que levam à violação da liberdade econômica do cidadão pelo estado. Mas também fica claro que enquanto o PT e seus aliados agem em coerência com estes princípios, a “oposição” está repleta de contradições internas.
Isto não passa desapercebido, mesmo entre as pessoas mais simples. Se todos concordam que os ricos exploram os pobres, e mais, que a pobreza é culpa deles, o cidadão vai votar no partido que promete regras claras e estabilidade política ou vai votar no partido que diz “vou pegar o dinheiro dele e dar para você”? Em qualquer debate entre pessoas que compartilham dos mesmos princípios, o mais consistente sempre ganha.
A “oposição” no Brasil conta com um apoio que não merece. O apoio de milhões de pessoas que não compartilham das premissas básicas da esquerda. Querem o direito de fazer suas próprias escolhas. Querem usufruir dos frutos de seu próprio trabalho, pois sabem que não estão explorando ninguém, nem estão sendo explorados.
Esta massa de gente honesta e trabalhadora não tem hoje quem os represente. Falta no Brasil um partido baseado no princípio dos direitos individuais: liberdade com responsabilidade. Até lá teremos de votar no partido menos ruim – pois quando o princípio está errado, o preferível é eleger os incoerentes.