Uma operação da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado no fim de semana resultou na prisão de quatro líderes de uma das chamadas milícias que atuam nas favelas do Rio de Janeiro.
Veio à luz o fato de que existe uma organização que submete os habitantes de toda uma região às mais completas arbitrariedades – sob ameaça de violência física.
Entre as violações à liberdade citadas pelas vítimas do esquema estão a imposição de uma “taxa de segurança”, a cobrança de uma taxa quando alguém quer comprar ou vender um imóvel na região, a apropriação e venda de terrenos desocupados ou usados de maneira “improdutiva” tais como áreas de lazer.
Além destas arbitrariedades “administrativas”, esta organização também interfere na vida econômica. Estabeleceu um monopólio na distribuição e venda de gás e água, só permite que prestem serviço de van e mototáxi aqueles que obtiverem sua aprovação e ainda controlam toda a prestação de serviços de Internet e TV a cabo.
Se você chegou até aqui e acha que ainda estou falando de milícias no Rio de Janeiro, por favor volte ao começo do segundo parágrafo e tenha em mente as seguintes palavras: imposto, ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis), desapropriação, Petrobrás, Sabesp (substitua conforme seu estado), concessão de transportes, concessão de serviços de telecomunicações.
É realmente surpreendente que nenhum comentarista na mídia tenha destacado o fato de que o governo brasileiro faz rigorosamente tudo o que fazem as tais milícias cariocas. Se as milícias criminosas são mais bárbaras e cruéis, é apenas uma questão de intensidade – não de princípio. Experimente se recusar a pagar seus impostos e veja se sua vida não é destruída tal qual ocorreu com o pobre diabo que se recusou a pagar a “taxa de segurança”.
Se há uma diferença prática é que a segurança provida pelas milícias aparentemente funciona. Elas atuam em locais onde o governo oficial e suas forças policiais já não têm coragem de entrar há muito tempo – ou pior, estão associados aos criminosos comuns. Não por acaso, no dia seguinte à prisão dos líderes milicianos a favela foi atacada por um bando armado (supostamente traficantes que tinham sido expulsos pela milícia).
Este texto não se trata de apologia a traficantes nem a milicianos – a violação dos direitos individuais é abominável independente de quem faça ou seus motivos. Na verdade trata-se do contrário, chamar a atenção ao fato de que tudo o que a milícia faz e as pessoas acham absurdo, o governo brasileiro também faz e as pessoas acham normal ou até necessário.
O domínio territorial por traficantes ou milicianos é um sintoma da falência do estado de direito. É resultado do fato de que o governo é incapaz de realizar nestes locais sua função essencial – proteger a vida, propriedade e liberdade do cidadão.
O estado brasileiro não cumpre a função legítima e necessária de um governo, defender os direitos individuais, por ter se tornado algo diferente: uma organização que vive de pilhar gente honesta e trabalhadora alegando ser para seu próprio bem. Não é surpreendente que outros tenham visto nas favelas tomadas pelo tráfico a oportunidade de aplicar o mesmo “modelo de negócio” que enriqueceu tantos governantes.