A essência de cada uma destas correntes políticas é a interferência do governo na vida do indivíduo. O esquerdista demanda a interferência do governo na vida econômica, o conservador a demanda na vida pessoal. As expressões práticas atuais destas correntes políticas, no entanto, não são igualmente ruins.
A despeito da ruína econômica e dos assassinatos em massa protagonizados por todos os governos que colocaram em prática os princípios da esquerda, a esquerda moderna continua fiel a estas idéias venenosas.
O conservadorismo cristão, no entanto, reflete séculos de amadurecimento da igreja cristã. O cristianismo, para sobreviver nestes tempos de ciência, foi obrigado a se adaptar. Esta adaptação é feita através do “recuo tático”, da re-interpretação da doutrina religiosa a cada vez que a razão demonstra sua falsidade.
Meros 400 anos atrás, a Igreja Católica ameaçava a vida de Galileu por ousar dizer que a Terra se movia em torno do Sol. Isto contradizia frontalmente a Bíblia, era portanto impossível. Hoje todos sabem que Galileu estava certo, mas conclui-se então que a Bíblia está errada? Não, as passagens que antes enchiam os teólogos de certeza científica hoje são consideradas metafóricas.
O mesmo vale para a lenda da criação. Hoje poucos realmente acreditam que o planeta foi criado em seis dias. Mas a história da Bíblia está errada? Não, hoje ela é considerada uma metáfora – um “dia” pode querer dizer alguns milhões de anos, certo?
Embora este constante recuo frente à razão e à ciência diga algo muito importante quanto à veracidade daquilo que prega o cristianismo, não é isso que interessa ao se analisar a influência desta religião na política. O fato é que esta postura de “sobreviver não confrontando a razão” torna o cristianismo uma religião capaz de conviver com um sistema político livre. A comparação com o islamismo mostra o quanto isto é importante.
O conservadorismo cristão, portanto, não defende a imposição política da ética cristã exceto em assuntos específicos. A direita combate o direito ao aborto e a pesquisa científica com embriões – mas não tenta impor politicamente a caridade nem o “ame seu inimigo” (ambos fundamentos da ética cristã). A conclusão é que o conservadorismo hoje defende uma política que dá muito mais liberdade ao indivíduo que qualquer vertente esquerdista.
A verdadeira liberdade não encontra expressão significativa na política de hoje. Nos Estados Unidos existe um Partido Libertário – mas este não é fundamentado em princípios claros como os da esquerda e os dos conservadores. O partido congrega desde verdadeiros liberais até “anarco-socialistas”, entre outras maluquices. O ideário se resume a “precisamos diminuir o governo”, sem idéias claras sobre quanto nem porque fazê-lo.
No Brasil não existe força política que não seja de esquerda. Os dois principais partidos políticos, PT e PSDB, são explicitamente de esquerda. O PMDB também é um partido de esquerda. Em seu programa lê-se “O PMDB pretende continuar sendo a expressão política da maioria da população brasileira, oprimida e explorada por um regime econômico voltado para a satisfação de uma pequena maioria (...)”. Marxismo puro.
Afora os partidos de aluguel – que nem se pode dizer que tenham uma política – e os satélites do PT (que inclui, ironicamente, o “Partido Liberal”), resta o partido Democratas, o antigo PFL.
O PFL é historicamente um partido de esquerda. Foi componente dos governos Fernando Henrique Cardoso, apoiando a criação de muitas das atuais ferramentas de redistribuição de riqueza e o aumento do peso do estado que ocorreu neste período. Em sua reinvenção como Democratas, o partido preserva um núcleo de esquerdismo.
Em sua declaração de princípios lê-se: “(...) há problemas e desigualdades que não podem ser satisfatoriamente resolvidos pelo livre jogo das forças de mercado”. Ou seja, as pessoas não podem ser realmente livres. O item seguinte é mais claro: “Afirmamos a prevalência do interesse social sobre o individual”.
A pesar destes fundamentos esquerdistas (achar que a liberdade econômica “não funciona” e subordinar a liberdade individual ao “interesse social”), a declaração de princípios do partido Democratas também demonstra uma tendência positiva: “(...) a grande revolução a realizar-se neste País é a da liberdade da iniciativa em todos os planos - no político, no social e no econômico”.
É evidente que esta última afirmação contradiz os princípios anteriores – ou se tem liberdade ou se tem controle governamental. Mas o fato de que um partido defende que a solução para o país é reduzir o peso do estado já é uma novidade muito positiva no Brasil. Por seus princípios, os Democratas ainda são um partido de esquerda – mas o que defendem na prática representa muito mais liberdade do que as alternativas.
O espectro político brasileiro, portanto, é traçado entre a esquerda e a esquerda. De um lado a esquerda consistente, que leva a sério o ideal de igualdade material e a idéia de que para uma pessoa enriquecer outra precisa empobrecer. Nesta parte do espectro estão as alas “radicais” do PT e os demais partidos marxistas (PSOL, PCdoB, PCO etc).
Esta esquerda é favorável à interferência direta sobre a vida do cidadão. Apóiam a invasão de propriedade de gente honesta e inocente por “grupos sociais”, apóiam a censura contra a “mídia golpista” do Capitalismo. É o que Vargas Llosa chama de “esquerda carnívora”.
Do outro lado temos a esquerda pragmática. Esta esquerda é caracterizada pelo reconhecimento do fato óbvio que Comunismo não funciona. A contra gosto pregam uma mistura de interferência governamental e liberdade, veneno e alimento. Veneno suficiente para fazer alguma “justiça social”, mas liberdade suficiente para não matar o paciente.
As tendências “moderadas” do PT, o PSDB, o PFL histórico e o PMDB se distribuem nesta direção. Esta esquerda, por coerência, seria a herbívora – como disse Reinaldo Azevedo. Os Democratas ensaiam um movimento em direção à defesa da liberdade individual, mas ainda professam os princípios esquerdistas.
Partidos brasileiros: dos totalitários comunistas aos social-democratas, todos são de esquerda
Não existe no Brasil tradição liberal, nem expressão política do liberalismo. Nunca existiu. Não existe também uma tradição conservadora, nem política “de direita”. O próprio termo “conservador” não faz sentido aqui. Foi criado nos Estados Unidos, onde havia uma tradição liberal cristã e onde havia aqueles que queriam conservá-la frente ao esquerdismo. No Brasil nunca houve tal coisa para ser conservada.
O Democratas ameaça trazer ao cenário a primeira expressão concreta do liberalismo, embora ainda entremeada de princípios de esquerda. Vale acompanhar a evolução do partido e de seu discurso, pois seria algo realmente novo na política nacional.
Até que isto aconteça, o espectro político no Brasil fica entre a esquerda e a esquerda. Pode se fazer distinção entre “esquerda carnívora” e “esquerda herbívora”, mas no fim das contas são todos quadrúpedes.