29 fevereiro, 2008

A favor da guerra fiscal

Um dos supostos benefícios da reforma do sistema tributário que está sendo preparada pelo governo Lula é acabar com a guerra fiscal. Nestes termos realmente parece ser uma boa coisa, no entanto quando um esquerdista diz alguma coisa em geral quer dizer o contrário.

O termo “guerra fiscal” é mais uma daquelas expressões criadas para confundir, e não para explicar. Chamar algo de guerra evoca imediatamente a imagem de destruição e sofrimento, e muitos não passam desta primeira reação emotiva ao julgar a questão.

Mas quais são as armas desta “guerra”? Ora, a arma usada na “guerra fiscal” é a redução de impostos! Ou seja, o grande problema da tal “guerra” é que os governos são forçados a extorquir seus cidadãos cada vez menos – se quiserem que os mesmos não levem seu dinheiro e força de trabalho para outro lugar.

A “guerra fiscal” é um combate em que há beneficiados e prejudicados, com certeza. Os beneficiados são empresas e indivíduos produtivos, que conseguem investir sua riqueza na produção de mais riqueza sem serem escalpelados pelo governo, e todos aqueles que beneficiam direta ou indiretamente dos empregos e produtos gerados por esta ação. O leitor esperto já percebeu que isto basicamente significa absolutamente todas as pessoas.

A grande vítima da “guerra fiscal” é o governo-monstro, que vê sua fonte inesgotável de dinheiro fácil, tirar o resultado do trabalho dos ouros, limitada pelo fato de que “os outros” têm a liberdade de se mudar para um lugar cujo governo os assalte menos.

Acabar com a “guerra fiscal”, portanto, significa acabar com uma guerra em que todos ganham e só os políticos que querem por a mão no dinheiro dos outros perdem. O meio de acabar com essa guerra? Proibir os governos estaduais de roubar menos seus cidadãos!

Disse o ministro Guido Mantega: “Para os estados menos desenvolvidos, a guerra fiscal é muitas vezes vista como necessária, face à inexistência de uma política de desenvolvimento regional mais efetiva”.

Traduzindo para o português: “como não existe um meio de os estados menos desenvolvidos tomarem a riqueza dos cidadãos e empresas de estados mais desenvolvidos, eles muitas vezes são obrigados a tentar atraí-los oferecendo mais liberdade e menos impostos”. Claramente um grande problema.

Segue o ministro: “Como os estados mais desenvolvidos também passaram a conceder benefícios, a guerra fiscal perdeu força como instrumento de redução das desigualdades regionais”.

Traduzindo para o português: “Como os estados desenvolvidos também passaram a esfolar menos seus cidadãos, a redução dos impostos já não é mais tão eficaz em atrair investimentos”. Nada surpreendente, afinal as desigualdades são naturais. Em condição de liberdade, a prosperidade é resultado da capacidade produtiva e, por motivos históricos e geográficos, as regiões do Brasil têm capacidades produtivas muito diferentes.

Mas esta situação é duplamente intolerável para nosso governo petista. Primeiro por impor um limite prático ao crescimento dos impostos, e portanto da máquina, na esfera estadual. Segundo por impedir que seja atingido seu glorioso ideal de igualdade através da caridade involuntária. A solução? Obrigar todos os estados a pilharem seus cidadãos igualmente. O único motivo para fazer isto? Aumentar impunemente os impostos.

26 fevereiro, 2008

Milícias legais e ilegais

Uma operação da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado no fim de semana resultou na prisão de quatro líderes de uma das chamadas milícias que atuam nas favelas do Rio de Janeiro.

Veio à luz o fato de que existe uma organização que submete os habitantes de toda uma região às mais completas arbitrariedades – sob ameaça de violência física.

Entre as violações à liberdade citadas pelas vítimas do esquema estão a imposição de uma “taxa de segurança”, a cobrança de uma taxa quando alguém quer comprar ou vender um imóvel na região, a apropriação e venda de terrenos desocupados ou usados de maneira “improdutiva” tais como áreas de lazer.

Além destas arbitrariedades “administrativas”, esta organização também interfere na vida econômica. Estabeleceu um monopólio na distribuição e venda de gás e água, só permite que prestem serviço de van e mototáxi aqueles que obtiverem sua aprovação e ainda controlam toda a prestação de serviços de Internet e TV a cabo.

Se você chegou até aqui e acha que ainda estou falando de milícias no Rio de Janeiro, por favor volte ao começo do segundo parágrafo e tenha em mente as seguintes palavras: imposto, ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis), desapropriação, Petrobrás, Sabesp (substitua conforme seu estado), concessão de transportes, concessão de serviços de telecomunicações.

É realmente surpreendente que nenhum comentarista na mídia tenha destacado o fato de que o governo brasileiro faz rigorosamente tudo o que fazem as tais milícias cariocas. Se as milícias criminosas são mais bárbaras e cruéis, é apenas uma questão de intensidade – não de princípio. Experimente se recusar a pagar seus impostos e veja se sua vida não é destruída tal qual ocorreu com o pobre diabo que se recusou a pagar a “taxa de segurança”.

Se há uma diferença prática é que a segurança provida pelas milícias aparentemente funciona. Elas atuam em locais onde o governo oficial e suas forças policiais já não têm coragem de entrar há muito tempo – ou pior, estão associados aos criminosos comuns. Não por acaso, no dia seguinte à prisão dos líderes milicianos a favela foi atacada por um bando armado (supostamente traficantes que tinham sido expulsos pela milícia).

Este texto não se trata de apologia a traficantes nem a milicianos – a violação dos direitos individuais é abominável independente de quem faça ou seus motivos. Na verdade trata-se do contrário, chamar a atenção ao fato de que tudo o que a milícia faz e as pessoas acham absurdo, o governo brasileiro também faz e as pessoas acham normal ou até necessário.

O domínio territorial por traficantes ou milicianos é um sintoma da falência do estado de direito. É resultado do fato de que o governo é incapaz de realizar nestes locais sua função essencial – proteger a vida, propriedade e liberdade do cidadão.

O estado brasileiro não cumpre a função legítima e necessária de um governo, defender os direitos individuais, por ter se tornado algo diferente: uma organização que vive de pilhar gente honesta e trabalhadora alegando ser para seu próprio bem. Não é surpreendente que outros tenham visto nas favelas tomadas pelo tráfico a oportunidade de aplicar o mesmo “modelo de negócio” que enriqueceu tantos governantes.

22 fevereiro, 2008

Espectro político: Estados Unidos

Um contraste que deixa mais claro o fato de que no Brasil só existe esquerda é o espectro político dos Estados Unidos. As prévias para a eleição presidencial americana em novembro estão sendo intensamente noticiadas e comentadas na nossa imprensa, o que tem provocado o interesse de muitos pelo processo eleitoral e pelas forças políticas que existem lá.

Nos EUA há dois partidos majoritários, o partido Democrata e o partido Republicano. Não é proibido criar outros partidos e, diferente daqui, nem é preciso pertencer a um partido para se candidatar. Pode-se concorrer como “independente” – e nas esferas locais às vezes os “independentes” são eleitos.

O partido Democrata é um partido de esquerda. A plataforma do partido consiste em aumentar os programas governamentais de assistência (previdência, saúde, educação etc), além de expandir a interferência estatal na vida econômica. O partido Democrata americano é o partido que defende a regulamentação, as barreiras comerciais e a taxação das empresas como caminho para a prosperidade.

Socialmente o partido Democrata historicamente é defensor das liberdades civis como a união civil de homossexuais e do direito ao aborto (que existe nos EUA). A base de sustentação do partido Democrata são os sindicatos (especialmente os sindicatos de funcionários públicos), os ativistas das “minorias” e seus simpatizantes.

O partido Republicano é um partido de direita, conservador. A plataforma histórica do partido é a preservação do sistema econômico americano tradicional: a liberdade econômica. Os Republicanos são tradicionalmente defensores da diminuição da interferência do governo na vida econômica, sendo contra barreiras comerciais e a favor da limitação dos programas assistenciais. A redução de impostos é uma bandeira tradicional do partido.

Socialmente o partido Republicano defende a moral cristã, e tem na Igreja seu principal pilar de sustentação. Os Republicanos costumam se posicionar contra a união civil de homossexuais, contra o direito ao aborto e contra a pesquisa científica com embriões humanos, por exemplo.

Para compreender o cenário americano, é preciso relacionar o posicionamento destes partidos em relação às forças políticas que conhecemos no Brasil. Esta comparação pode ser feita identificando princípios e posições defendidos por Democratas e Republicanos e comparando com o que se tem aqui.

Em primeiro lugar, vamos posicionar a esquerda americana. O partido Democrata é sustentado por sindicatos, principalmente os do funcionalismo público. No Brasil o PT e seus aliados detém este posicionamento.

Nos EUA a filiação a um sindicato é opção de cada um, enquanto no Brasil é obrigatória. Nos EUA qualquer grupo pode criar um sindicato, inclusive vários para a mesma área. No Brasil só pode haver um para cada atividade, e o governo escolhe qual é o “legítimo”. Obrigar o cidadão a ser representado por um sindicato e proibir que as pessoas se unam livremente em sindicatos diversos seria considerado uma interferência ilegítima na vida do cidadão – mesmo por um Democrata.

O partido Democrata americano é a favor da interferência do governo na economia. No Brasil, todos os partidos são – em maior ou menor grau. O modelo dos Democratas americanos, no entanto, é o da regulamentação e taxação e não do controle direto. Defendem que o governo deve determinar o que e como se pode produzir, bem como controlar preços e garantir que não há “abusos”, mas num contexto de iniciativa privada.

O partido Democrata americano defende um regime econômico que preserva a iniciativa privada – apenas dá ao governo a prerrogativa de colocar sela e cabresto nesta iniciativa e virá-la na direção que acha melhor (em vez de deixar as pessoas fazerem o que elas acham melhor). Esta postura é similar ao ideal defendido por nossa esquerda “light”, PSDB, DEM e seus aliados.

O partido Democrata, portanto, se situa próximo aos nossos PSDB e DEM no espectro político. Embora represente a extrema esquerda americana, o princípio da liberdade individual (sobre o qual os EUA foram fundados) ainda permeia o partido Democrata.

É curioso que partidos chamados “Democratas” no Brasil e nos EUA estejam na mesma região do espectro político, embora representem nossa extrema “direita” e a extrema esquerda deles.

O partido Republicano não tem equivalente na política brasileira. Seus princípios econômicos – que cada um é responsável por sua própria prosperidade e que ao governo cabe apenas estabelecer as regras do jogo (sem tentar definir quem ganha) – não encontram par no Brasil. Aqui todos os partidos estão engajados em ajudar alguém às custas de outro.

Na política social também não temos algo parecido com o conservadorismo americano. Para se tomar referência, um dos pré-candidatos Republicanos afirmou que era necessário reescrever a Constituição dos EUA para adequá-la à Bíblia. Embora a Igreja Católica seja muito influente no Brasil, ela não determina a posição de partidos brasileiros como ocorre com o partido Republicano.

Isto provavelmente ocorre por dois grandes motivos. Em primeiro lugar, no Brasil já não existe direito ao aborto (certamente a questão mais controversa nos EUA). Caso houvesse, é provável que a questão se tornasse uma bandeira política e trouxesse a religião para dentro do debate.

Em segundo lugar, por aqui a Igreja é aliada de partidos de extrema esquerda, que têm uma tradição de políticas sociais liberais. No Brasil a Igreja parece ter decidido que é mais importante forçar o indivíduo a fazer caridade (usando o governo para tirar seu dinheiro à força e dar a outro) do que defender suas posições sociais.

O partido Republicano, portanto, representa uma defesa da liberdade econômica sem comparação no Brasil, bem como uma mistura de preceitos religiosos na política que também não tem par nos partidos brasileiros majoritários.

Como visto em “Nem direita, nem esquerda” não devemos invejar o conservadorismo americano por ser de direita. A interferência do estado na vida social não é boa – seja inspirada pela religião ou não. O invejável é que existe uma força política que defende o que é certo na vida econômica: o Capitalismo.

Tomando a metade boa do partido Democrata americano (sua política social) e a metade boa do partido Republicano (sua política econômica), tem se os elementos do que é a política correta para a vida em sociedade: a liberdade individual. São estas boas influências que mantém os EUA avançando a passos largos – e a ausência da “parte boa” na política econômica do Brasil que nos mantém eternamente atrasados.

19 fevereiro, 2008

Princípios e coerência

Em “Esquerda ou esquerda?” mostrei que o espectro político dos partidos no Brasil se situa inteiramente à esquerda, ou seja, todas as forças políticas majoritárias operam com a premissa de que é legítimo ao governo usar a força para interferir na vida econômica do cidadão.

Há, naturalmente, diferentes graus de esquerdismo. Alguns propõem que o estado apenas evite os “problemas do capitalismo”, ou seja, os problemas que supostamente ocorrem quando as pessoas são livres (na série de artigos sobre “Fantasmas do Capitalismo” abordo alguns destes “problemas”). Outros são contra a propriedade privada em si, e desejam ver o governo como autoridade sobre a vida econômica de todos os cidadãos (em nome do suposto “bem comum” é claro).

Ambos estes extremos, bem como todas as demais posições à esquerda do espectro político, têm algo em comum: a idéia que o homem é incapaz de viver em liberdade sem gerar todo tipo de desgraça econômica – da pobreza e fome ao trabalho escravo.

Esta idéia é o alicerce de todo o pensamento de esquerda, e resulta de dois princípios fundamentais: que as pessoas não são capazes de determinar o que é melhor para si mesmas, e que na vida econômica para que uma pessoa ganhe é necessário que outra perca.

O primeiro princípio é evidentemente falso. Por menos educação formal que um indivíduo tenha, ele é um ser independente e dotado de razão. Se ele optar por seguir o conselho de outros que julgue mais capacitados, muito bem. Todos fazemos isto em algum aspecto de nossas vidas. Mas forçá-lo a aceitar a tutela de outro contraria a natureza do ser humano.

A contradição interna presente neste princípio é que os indivíduos seriam incapazes de saber o que é melhor para si próprios – mas basta vestir um deles com um cargo governamental que este passa a ser capaz não apenas de saber o que é bom para si como também o que é bom para os demais. Mas governantes são pessoas, como todos nós.

O segundo princípio também é obviamente falso. Em qualquer transação voluntária, cada um dos envolvidos só participa se quiser. Ao aceitar a transação, demonstra que ela o beneficia (do contrário recusaria).

Se eu compro algo por dez reais, significa que aquilo vale mais para mim do que os dez reais. Se o vendedor me vende por dez reais, significa que para ele vale menos. Ambos saímos ganhando. Mesmo se ao sair da loja eu encontrar outro vendedor oferecendo o mesmo produto por cinco reais – isto não significa que saí perdendo. Apenas ganhei menos do que poderia, se me esforçasse mais em pesquisar preços.

A verdade é que em um regime de liberdade econômica, onde apenas o roubo e a fraude (como, por exemplo, se o primeiro vendedor me dissesse que seu preço era o mais baixo da região) são proibidos, a pobreza absoluta e a fome rapidamente deixam de ser problema.

O fato de que estes dois princípios fundamentam o pensamento “de esquerda” não é reconhecido por todos os “esquerdistas”. Pergunte às lideranças do PSDB ou DEM se eles acreditam que o cidadão brasileiro é incapaz de decidir o que é melhor para si mesmo e é muito provável que eles neguem enfaticamente e, ao contrário da maioria dos seus adversários, provavelmente será uma negação sincera.

Mas a política destes partidos é tão calcada nestes dois pilares podres quanto a de seus adversários. PSDB e DEM defendem a regulamentação da economia pelo governo, defendem a existência de estatais, defendem o assalto ao brasileiro produtivo e inocente para beneficiar terceiros.

A chamada “oposição” contesta vigorosamente o como e o quanto o governo do PT faz estas coisas – mas nunca os princípios envolvidos. Como disse Paulo Moura, “O objetivo de José Serra e Aécio Neves é substituir Lula. Não é romper as bases estruturais patrimonialistas hegemônicas na cultura política nacional”.

PSDB e DEM têm um discurso e uma política que estão em contradição com os próprios princípios que os justificam. Se o cidadão brasileiro é incapaz de fazer suas próprias escolhas, o governo precisa definir o que será feito. Se este princípio fosse verdade, o coerente seria ampliar o governo sem parar, assumindo cada vez mais controle sobre a vida do cidadão – como faz o PT.

De maneira análoga, se na vida econômica o ganho de um fosse necessariamente resultado da perda de outro, o coerente seria que o governo assumisse o total controle sobre todos os aspectos econômicos. Privatização, desburocratização, agências reguladoras independentes e isentas – tudo isso é contraditório a este princípio. O certo seria expandir o controle do governo para poder interferir em todas as partes da economia. Como faz o PT.

Fica claro, portanto, que os dois “lados” do debate político brasileiro na verdade são um lado só, por compartilharem as premissas fundamentais que levam à violação da liberdade econômica do cidadão pelo estado. Mas também fica claro que enquanto o PT e seus aliados agem em coerência com estes princípios, a “oposição” está repleta de contradições internas.

Isto não passa desapercebido, mesmo entre as pessoas mais simples. Se todos concordam que os ricos exploram os pobres, e mais, que a pobreza é culpa deles, o cidadão vai votar no partido que promete regras claras e estabilidade política ou vai votar no partido que diz “vou pegar o dinheiro dele e dar para você”? Em qualquer debate entre pessoas que compartilham dos mesmos princípios, o mais consistente sempre ganha.

A “oposição” no Brasil conta com um apoio que não merece. O apoio de milhões de pessoas que não compartilham das premissas básicas da esquerda. Querem o direito de fazer suas próprias escolhas. Querem usufruir dos frutos de seu próprio trabalho, pois sabem que não estão explorando ninguém, nem estão sendo explorados.

Esta massa de gente honesta e trabalhadora não tem hoje quem os represente. Falta no Brasil um partido baseado no princípio dos direitos individuais: liberdade com responsabilidade. Até lá teremos de votar no partido menos ruim – pois quando o princípio está errado, o preferível é eleger os incoerentes.

11 fevereiro, 2008

Esquerda ou esquerda?

Em “Nem direita, nem esquerda” foi visto que o esquerdismo e o conservadorismo não representam as únicas alternativas no espectro político. Também foi demonstrado que, em essência, não se pode dizer que um é melhor que o outro. Ambos são fundamentalmente contrários à liberdade individual.

A essência de cada uma destas correntes políticas é a interferência do governo na vida do indivíduo. O esquerdista demanda a interferência do governo na vida econômica, o conservador a demanda na vida pessoal. As expressões práticas atuais destas correntes políticas, no entanto, não são igualmente ruins.

A despeito da ruína econômica e dos assassinatos em massa protagonizados por todos os governos que colocaram em prática os princípios da esquerda, a esquerda moderna continua fiel a estas idéias venenosas.

O conservadorismo cristão, no entanto, reflete séculos de amadurecimento da igreja cristã. O cristianismo, para sobreviver nestes tempos de ciência, foi obrigado a se adaptar. Esta adaptação é feita através do “recuo tático”, da re-interpretação da doutrina religiosa a cada vez que a razão demonstra sua falsidade.

Meros 400 anos atrás, a Igreja Católica ameaçava a vida de Galileu por ousar dizer que a Terra se movia em torno do Sol. Isto contradizia frontalmente a Bíblia, era portanto impossível. Hoje todos sabem que Galileu estava certo, mas conclui-se então que a Bíblia está errada? Não, as passagens que antes enchiam os teólogos de certeza científica hoje são consideradas metafóricas.

O mesmo vale para a lenda da criação. Hoje poucos realmente acreditam que o planeta foi criado em seis dias. Mas a história da Bíblia está errada? Não, hoje ela é considerada uma metáfora – um “dia” pode querer dizer alguns milhões de anos, certo?

Embora este constante recuo frente à razão e à ciência diga algo muito importante quanto à veracidade daquilo que prega o cristianismo, não é isso que interessa ao se analisar a influência desta religião na política. O fato é que esta postura de “sobreviver não confrontando a razão” torna o cristianismo uma religião capaz de conviver com um sistema político livre. A comparação com o islamismo mostra o quanto isto é importante.

O conservadorismo cristão, portanto, não defende a imposição política da ética cristã exceto em assuntos específicos. A direita combate o direito ao aborto e a pesquisa científica com embriões – mas não tenta impor politicamente a caridade nem o “ame seu inimigo” (ambos fundamentos da ética cristã). A conclusão é que o conservadorismo hoje defende uma política que dá muito mais liberdade ao indivíduo que qualquer vertente esquerdista.

A verdadeira liberdade não encontra expressão significativa na política de hoje. Nos Estados Unidos existe um Partido Libertário – mas este não é fundamentado em princípios claros como os da esquerda e os dos conservadores. O partido congrega desde verdadeiros liberais até “anarco-socialistas”, entre outras maluquices. O ideário se resume a “precisamos diminuir o governo”, sem idéias claras sobre quanto nem porque fazê-lo.

No Brasil não existe força política que não seja de esquerda. Os dois principais partidos políticos, PT e PSDB, são explicitamente de esquerda. O PMDB também é um partido de esquerda. Em seu programa lê-se “O PMDB pretende continuar sendo a expressão política da maioria da população brasileira, oprimida e explorada por um regime econômico voltado para a satisfação de uma pequena maioria (...)”. Marxismo puro.

Afora os partidos de aluguel – que nem se pode dizer que tenham uma política – e os satélites do PT (que inclui, ironicamente, o “Partido Liberal”), resta o partido Democratas, o antigo PFL.

O PFL é historicamente um partido de esquerda. Foi componente dos governos Fernando Henrique Cardoso, apoiando a criação de muitas das atuais ferramentas de redistribuição de riqueza e o aumento do peso do estado que ocorreu neste período. Em sua reinvenção como Democratas, o partido preserva um núcleo de esquerdismo.

Em sua declaração de princípios lê-se: “(...) há problemas e desigualdades que não podem ser satisfatoriamente resolvidos pelo livre jogo das forças de mercado”. Ou seja, as pessoas não podem ser realmente livres. O item seguinte é mais claro: “Afirmamos a prevalência do interesse social sobre o individual”.

A pesar destes fundamentos esquerdistas (achar que a liberdade econômica “não funciona” e subordinar a liberdade individual ao “interesse social”), a declaração de princípios do partido Democratas também demonstra uma tendência positiva: “(...) a grande revolução a realizar-se neste País é a da liberdade da iniciativa em todos os planos - no político, no social e no econômico”.

É evidente que esta última afirmação contradiz os princípios anteriores – ou se tem liberdade ou se tem controle governamental. Mas o fato de que um partido defende que a solução para o país é reduzir o peso do estado já é uma novidade muito positiva no Brasil. Por seus princípios, os Democratas ainda são um partido de esquerda – mas o que defendem na prática representa muito mais liberdade do que as alternativas.

O espectro político brasileiro, portanto, é traçado entre a esquerda e a esquerda. De um lado a esquerda consistente, que leva a sério o ideal de igualdade material e a idéia de que para uma pessoa enriquecer outra precisa empobrecer. Nesta parte do espectro estão as alas “radicais” do PT e os demais partidos marxistas (PSOL, PCdoB, PCO etc).

Esta esquerda é favorável à interferência direta sobre a vida do cidadão. Apóiam a invasão de propriedade de gente honesta e inocente por “grupos sociais”, apóiam a censura contra a “mídia golpista” do Capitalismo. É o que Vargas Llosa chama de “esquerda carnívora”.

Do outro lado temos a esquerda pragmática. Esta esquerda é caracterizada pelo reconhecimento do fato óbvio que Comunismo não funciona. A contra gosto pregam uma mistura de interferência governamental e liberdade, veneno e alimento. Veneno suficiente para fazer alguma “justiça social”, mas liberdade suficiente para não matar o paciente.

As tendências “moderadas” do PT, o PSDB, o PFL histórico e o PMDB se distribuem nesta direção. Esta esquerda, por coerência, seria a herbívora – como disse Reinaldo Azevedo. Os Democratas ensaiam um movimento em direção à defesa da liberdade individual, mas ainda professam os princípios esquerdistas.



Partidos brasileiros: dos totalitários comunistas aos social-democratas, todos são de esquerda

Não existe no Brasil tradição liberal, nem expressão política do liberalismo. Nunca existiu. Não existe também uma tradição conservadora, nem política “de direita”. O próprio termo “conservador” não faz sentido aqui. Foi criado nos Estados Unidos, onde havia uma tradição liberal cristã e onde havia aqueles que queriam conservá-la frente ao esquerdismo. No Brasil nunca houve tal coisa para ser conservada.

O Democratas ameaça trazer ao cenário a primeira expressão concreta do liberalismo, embora ainda entremeada de princípios de esquerda. Vale acompanhar a evolução do partido e de seu discurso, pois seria algo realmente novo na política nacional.

Até que isto aconteça, o espectro político no Brasil fica entre a esquerda e a esquerda. Pode se fazer distinção entre “esquerda carnívora” e “esquerda herbívora”, mas no fim das contas são todos quadrúpedes.