03 outubro, 2007

Estado regulador e corrupção

Impostos criam oportunidade de roubo, “desvio de dinheiro” para usar o eufemismo usual, por permitirem ao governo tomar riqueza do cidadão contra sua vontade. Se tivesse escolha, obviamente o cidadão não continuaria dando dinheiro a ladrões. Impostos criam a oportunidade de corrupção, pois o governo gasta todo esse dinheiro com alguma coisa – corromper governantes é uma maneira de receber uma fatia dessa mamata.

Esta é apenas a primeira de duas grandes causas da corrupção, que abordei em “Imposto e corrupção”. Se o imposto cria a oportunidade de corromper um governante para obter algo do governo, a regulamentação cria a oportunidade de corromper um governante para que algo não seja tirado de você – ou para que seja tirado de seu concorrente.

Toda regulamentação é uma proibição, como foi apresentado em “O estado regulador”. Como regulamentação trata-se de proibir coisas que não violam o direito de ninguém, por definição trata-se de proibir ações legítimas dos cidadãos livres. Em muitos casos trata-se de proibir ações que geram valor para um ou mais indivíduos, e é aí que se cria a oportunidade de corrupção.

Exemplo: a Proibição nos Estados Unidos
Hoje em dia o comércio e consumo de bebidas alcoólicas é permitido na maioria dos países, com a notória exceção dos países onde impera a lei muçulmana. Isto não foi sempre assim, o consumo e comércio de bebida alcoólica já foi proibido diversas vezes, em diversos lugares.

Usarei como exemplo a Proibição nos Estados Unidos, cuja tentativa mais recente durou de 1920 a 1933, porque aquele país é o ícone da liberdade individual – e porque é tido como um país de população honesta e seguidora da lei.

A proibição da produção, comércio ou consumo de bebida alcoólica é uma regulamentação. Trata-se de proibir algo que não viola os direitos de ninguém. As pessoas bebem por escolha própria. Ninguém é prejudicado pela bebedeira, exceto o próprio bêbado.

Note que quando uma dessas premissas é violada, configura-se crime – e isso independe da regulamentação. Fornecer bebida para um menor trata-se de violação de direitos – legalmente ele é considerado inapto a tomar esta decisão por escolha própria, está sendo violada a liberdade de seus pais de tomar esta decisão. Se alguém causa dano a propriedade ou à vida enquanto bêbado, não é a bebedeira o crime, e sim este dano. Quando se prende alguém por dirigir bêbado, o crime não é a bebedeira, é ameaçar a vida do próximo.

Como o consumo de álcool era valorizado por muitos, havia demanda pelo produto. O decreto governamental era, naturalmente, incapaz de mudar este fato. Como consumir álcool não viola o direito de ninguém, as pessoas não se sentiam mal ao violar a lei – não estavam fazendo mal a ninguém ao tomar uma dose de conhaque após o jantar.

Não é de surpreender que surgiu um mercado negro de bebida alcoólica logo que a proibição entrou em vigor. Pessoas escondiam a bebida que tinham, para poder consumir no futuro. Contrabandistas traziam bebidas do exterior. Destilarias clandestinas produziam bebida ilegalmente.

Quando o estado proíbe a violação de direitos (vida, propriedade e liberdade) – que é sua função – não surge um vasto mercado negro para fornecer algo que as pessoas querem. Pelo contrário, com a exceção de psicopatas ou outras pessoas com problemas mentais, todos percebem que a nova situação é melhor para si.

A regulamentação é diferente. A regulamentação proíbe algo legítimo, na maioria das vezes algo que traz valor à vida de muitas pessoas. Muitas pessoas acham cerveja um ótimo acompanhamento para um churrasco. Muitos acham que uma taça de vinho aumenta incrivelmente o prazer de uma refeição. O mesmo vale para uma dose de destilado após o jantar – ou inúmeros outros exemplos de consumo proveitoso de bebida alcoólica.

Ao proibir algo legítimo, o que na maioria dos casos é bom em algum contexto (no caso do álcool, este contexto é o consumo moderado), o governo cria um estímulo econômico para que a lei seja violada. E isto significa oportunidade de corrupção.

A proibição do álcool nos Estados Unidos gerou contrabando, mercado negro, destilarias clandestinas e traficantes. Contra o que estas pessoas estavam agindo? Contra o governo. Seus antagonistas eram policiais, inspetores, investigadores. Os “criminosos” tinham dinheiro, porque as pessoas queriam acesso ao produto legítimo que o governo proibiu. Os empregados do governo eram o empecilho. Não é difícil ver porque esta situação favorece a corrupção.

A proibição nos Estados Unidos foi um período de corrupção inacreditavelmente intensa, completamente fora do normal para aquele país. Distritos policiais inteiros, a polícia de cidades inteiras, até prefeitos estavam “no bolso” dos gangsters. Inimaginável nos Estados Unidos. Não é coincidência que o nome mais famoso desta época é Al Capone.

Tudo isso sumiu praticamente da noite para o dia quando a proibição do álcool foi revogada. Voltou-se à normalidade que, se longe de ser perfeita, não deixa de ser referência mundial. Não foi coincidência.

O exemplo da proibição da bebida na América deixa muito claro que regulamentar, proibir algo que não viola direitos, gera imensas oportunidades de corromper governantes e agentes do estado. Nem toda regulamentação é uma proibição total, mas toda regulamentação é uma proibição de algo legítimo – e gera um potencial de corrupção.

Um exemplo atual
Leis de zoneamento, por exemplo, proíbem construir edifícios de um certo tipo ou usar uma propriedade para um certo fim. Por exemplo, um zoneamento “residencial” significa que é proibido usar aquela propriedade para comércio. Mas pode-se subornar o fiscal para não denunciar o comércio ilegal. Pode-se subornar o perito para aprovar o projeto de um prédio fora da norma. Pode-se, finalmente, subornar alguns vereadores para mudar a lei em proveito próprio.

Cada regulamentação cria um mundo de oportunidades de corrupção – seja uma proibição total ou apenas uma “norma”. Os apaixonados pela interferência do governo na vida das pessoas gostariam de fazer crer que a alternativa é o caos, que eliminar estas leis levaria ao colapso da sociedade. Mas não é verdade. A alternativa é a propriedade privada.

Propriedade privada como alternativa
A alternativa às leis de zoneamento não é o caos – é a propriedade privada. Nada impede a pessoa que está fazendo um loteamento de estipular no contrato de venda que aquela propriedade não pode ser usada para fins comerciais. Trata-se do exercício do direito à propriedade. O comprador não pode reclamar, sabe o que está comprando.

Isto é fundamentalmente diferente de quando o governo “declara” que uma certa área é residencial. A vantagem do contrato é que ele vale para todos. Não há oportunidade de corrupção – o dono tem pleno direito de estipular as condições que quiser, ninguém é obrigado a comprar. E se alguém quebra o contrato, trata se de uma violação clara e inequívoca.

Conclusão
Em resumo, regulamentar significa proibir algo legítimo. Quando se proíbe algo legítimo, as pessoas que querem fazê-lo têm um incentivo econômico para quebrar a lei – o que não ocorre quando se proíbe a violação de direitos. Os malandros e imorais de plantão se prontificam a vender facilidades, uma vez criadas as dificuldades.

É por isso que a defesa dos direitos pode ser empreendida pelo estado com um mínimo de policiamento pela sociedade, enquanto a regulamentação gera um mundo de corrupção - não importando o que se faça para combatê-la.