Como é fundamental em qualquer discussão racional, é preciso inicialmente definir os conceitos que se vai usar. A palavra “democracia” é tão abusada no discurso político que seu significado real – e as premissas por trás dele – ficam obscurecidos. O termo “democracia” é usado hoje como sinônimo de “liberdade política” e de “governo representativo”, mas não é este seu significado.
A raiz etimológica da palavra é conhecida, ela vem do grego e é composta pelos radicais “demos” e “kratos”, respectivamente “povo” ou “multidão” e “governo”. Na prática, no entanto, a democracia não é o “governo do povo” que se apresenta como o ideal da convivência humana. O simples fato é que pessoas discordam entre si – é impossível um “governo do povo” porque “o povo” é incapaz de decidir qualquer coisa. Apenas indivíduos tomam decisões.
A democracia, na prática, é o governo da maioria. É este o real significado da palavra – removida a idealização, a carga emocional e as associações indevidas com liberdade política e governo representativo.
Democracia é a forma de governo em que as decisões são tomadas, direta ou indiretamente, de acordo com a vontade da maioria.
Uma democracia pode ser uma “democracia direta”, como houve nas cidades-estado da Grécia antiga, onde todos os cidadãos votam diretamente a cada decisão que precisa ser tomada. No mundo atual, a Suíça é o país que mais se aproxima deste modelo. A cada ano ocorrem lá quatro grandes plebiscitos em que a população opina sobre as mais diversas questões.
O que existe no Brasil e na maioria dos países ditos ocidentais é a “democracia representativa”. Nesta forma de governo, a população elege representantes e estes têm a prerrogativa e a responsabilidade de criar e aplicar leis do interesse da maioria que os elegeu.
Como esta forma de governo se relaciona com a teoria política desenvolvida com base na Ética racional e nos direitos à vida, propriedade e liberdade? Reduzir o conceito “democracia” à sua essência – o governo da maioria – permite compreender a natureza da democracia e suas reais conseqüências.
A teoria política baseada nos direitos coloca como absolutos o direito à vida, o direito à propriedade e o direito à liberdade. Identifica que o uso da força é a única forma de violar estes direitos e que a natureza do governo é o uso da força. Por ser a reação contra um crime o único uso legítimo da força, restringe o governo a esta função.
A democracia identifica a vontade da maioria como absoluta. A distância entre o certo e o errado é de exatamente um voto, aquele que inverte a “vontade da maioria” de um lado para o outro de uma questão. Não há no conceito de democracia qualquer premissa em relação aos direitos, pelo contrário, a premissa da democracia é que a maioria está sempre certa. Que a vontade da maioria é a própria definição de “certo”.
Colocado desta forma fica claro não apenas que “democracia” e “liberdade” não são sinônimos, mas que a liberdade é absolutamente incompatível com a democracia. Se o voto da maioria pode lhe tirar a vida, você não é livre. Se o voto da maioria pode lhe tirar a propriedade, você não é livre. Se o voto da maioria pode lhe tirar a liberdade, obviamente você não é livre – é apenas alguém que vive e age por permissão de outros.
A marca de um governo legítimo é limitar-se à defesa dos direitos individuais de cada cidadão. Estes direitos são derivados da própria natureza do homem, são imutáveis e inalienáveis. Um governo democrático não prevê tal limitação, permite tudo, desde que aprovado pela maioria. Um governo democrático não pode ser legítimo.
Isto não significa que um governo representativo não possa ser legítimo, nem que as eleições e o voto popular não cabem em uma teoria política racional. Pelo contrário, a representação e o voto são meios válidos de implementar um governo. Mas um governo legítimo não terá no voto popular seu princípio básico, sua razão de ser nem sua fonte de legitimidade.
A origem da confusão entre democracia e liberdade e o papel da representação e do voto em um governo legítimo são matéria para artigos futuros. O fundamental é reconhecer que o que define o certo e o errado, o que o governo deve ou não fazer, são a natureza e direitos do homem – não a vontade da maioria.
*Reitero a recomendação do impecável artigo de João Luiz Mauad: “Desmistificando a democracia”.