Em “Governo legítimo ou democracia?” afirmei que a vontade da maioria não é capaz de conferir legitimidade a um governo. O entendimento claro da base ética dos direitos e da natureza do governo deixa claro que é a limitação do governo à defesa dos direitos individuais dos cidadãos que o torna legítimo. A legitimidade está no conteúdo da Constituição, e não nas eleições.
Se democracia não dá legitimidade a um governo, para que serve o voto? A Constituição de um país é que define a natureza intencionada para seu governo, mas são as instituições que determinam se a Constituição será respeitada. A separação entre poderes e as eleições são meios de assegurar na prática e perpetuar a liberdade garantida pela Constituição.
Poderes separados e eleições são instituições de grande poder estabilizante. Uma ditadura é o oposto: um “dia ruim” do ditador significa um reflexo imediato em todo o país. A sucessão de um ditador pode significar a mudança de um governo razoavelmente benevolente para a pior tirania. De um dia para o outro.
Se existisse um ditador que limitasse sua atuação exclusivamente à defesa dos direitos dos cidadãos, este seria, por incrível que pareça, um governo legítimo. A legitimidade de um governo depende do que ele faz, não de como é constituído. É claro que essa “ditadura benevolente” é algo inverossímil, pessoas que buscam o poder absoluto nunca o fazem para não usá-lo!
Mesmo aceitando a premissa fantasiosa de um ditador que resolve não ditar, fica claro que este sistema político é completamente condicionado à vontade de uma única pessoa. Se um dia o ditador resolve que quer um avião novo, e decide tomar recursos de cidadãos inocentes para comprá-lo, está acabado o respeito aos direitos naquele país.
A separação de poderes e o voto são mecanismos para reduzir esta instabilidade. Estabelecido um governo legítimo, através de uma Constituição que limite a ação do governo à defesa dos direitos individuais, estas instituições são poderosas em preservá-lo.
Em um governo com separação de poderes, se um homem decide violar a Constituição isto não abala o sistema político. Mesmo que este homem seja o chefe de estado, a separação de poderes dá mecanismos para que se remova do poder aqueles que violam, ou tentam violar os direitos dos cidadãos.
As eleições são um segundo nível de proteção. Sabendo que a sua permanência no governo depende do apoio popular, governantes têm um grande incentivo para não tentar violar seus direitos.
Separação de poderes e eleições não são, no entanto, suficientes em si. Estabilidade não é algo bom quando a situação atual é de violação de direitos. A separação de poderes não protege o cidadão quando todos os poderes concordam em violar seus direitos e é isto que acontece quando a Constituição não protege ou prevê a violação sistemática dos direitos individuais dos cidadãos.
Eleições não protegem o cidadão quando ele sequer sabe quais são seus verdadeiros direitos, ou pior – conscientemente escolhe violar os direitos do próximo através do governo, sem perceber que a possibilidade de fazê-lo significa que ele também é desprovido de direitos.