16 julho, 2007

Honestidade em sociedade

Ao discutir o princípio ético da Honestidade, foi dada ênfase ao fato de que este princípio rege primariamente a relação do homem com a realidade. A aplicação deste princípio mais amplo à vida em sociedade guia o homem racional ao escolher como lidar com seus semelhantes.

O princípio da Honestidade estabelece que, para viver de acordo com sua natureza, o homem precisa lidar com a realidade como ela realmente é. Fantasias, desejos, intuição, esperança não são base para tomar decisões eficazes na realidade – decisões e ações eficazes são baseadas em fatos. O mesmo se aplica à vida em sociedade.

Há duas conseqüências principais deste princípio no convívio humano. A primeira são os princípios que devem guiar a ação do indivíduo para com os outros, a segunda são os princípios que devem guiar a reação do indivíduo às ações dos outros.

Em relação à ação do indivíduo, já foi exposto que Honestidade é lidar com a realidade como ela é. Aplicar este princípio à vida em sociedade é reconhecer que “o que é” é mais importante para sua vida que “o que os outros sabem” ou “o que os outros pensam”.

Ao se passar por aquilo que não é, omitir ou falsear fatos, o indivíduo cria uma contradição entre a realidade e aquilo que outras pessoas acham que é verdade. Mas os fatos reais têm conseqüências na realidade – a ficção não. Se alguém mente dizendo que é guitarrista para impressionar alguém, isto não o torna capaz de tocar violão – por mais que naquele momento acreditem nele.

Esta pequena contradição, o fato que o mentiroso não sabe tocar violão mas diz que sabe, é irreconciliável com a realidade. O motivo disto é a causalidade – a imaginação humana não é capaz de mudar os fatos passados e presentes, apenas instigar-nos a agir moldando os futuros.

Ao dizer que é guitarrista nosso mentiroso eventualmente será questionado sobre onde aprendeu a tocar, quais músicas toca, com quem já tocou. Para conciliar a primeira contradição com a realidade – uma realidade causal onde não existem guitarristas que nunca estudaram violão, não tocam nenhuma música e nunca tocaram com ninguém – ele terá de mentir mais, criando mais contradições.

Mas fatos passados não são o único inimigo de quem tenta substituir a realidade por ficção ao interagir com outros. As contradições têm conseqüências presentes. Nosso falso guitarrista, se conviver com as pessoas para quem mente, eventualmente se verá em situações em que elas esperam que ele seja capaz de tocar – seja uma rodinha de violão na praia ou uma festa com uma banda de amigos. Ele se verá obrigado a mentir mais para encobrir o fato de que não sabe tocar guitarra – criando novas contradições que o perseguirão.

Há dois pontos importantes a destacar. Primeiro, a medida em que a inverdade supostamente beneficia o mentiroso é a medida da contradição gerada, e da teia de incongruências que o mentiroso terá de “administrar”. Uma mentira irrelevante pode até passar desapercebida por todos, mas também não gera benefício algum. Uma mentira que significativamente afeta a maneira como as pessoas reagem é uma mentira que terá ramificações significativas e duradouras.

Segundo, a ameaça ao mentiroso são exatamente as pessoas racionais e inteligentes, aquelas que são capazes de perceber a realidade e entender causas e conseqüências. A pessoa que tenta manter uma imagem que difere da realidade torna se adversária da causalidade – da própria realidade – e das pessoas racionais.

No longo prazo a inconsistência entre imagem e fatos gera tantas ramificações que se torna impossível evitar que a mentira seja descoberta e, uma vez descoberta, que as pessoas passam a tratar tudo o que aquele indivíduo diz com ceticismo. Este fato é a realidade por trás do dito popular “mentira tem perna curta”.

O homem precisa lidar com os outros através da verdade – não por um mandamento inexplicável mas em benefício próprio. Aquele que não o faz passa a dedicar seu tempo a combater a realidade e as pessoas racionais, e não a viver sua vida

Ainda neste tópico, resta a questão do aparente conflito entre a Honestidade e a privacidade. Se é preciso ser honesto com os outros é preciso sempre contar tudo a todos? Esta é uma questão que merece atenção especial, e será abordada em um artigo dedicado (Honestidade e privacidade).

Em relação à reação do indivíduo às ações de outros, o princípio da Honestidade também traz conseqüências importantes. Para conviver com outras pessoas, é preciso saber o que elas são – e agir de acordo.

A conseqüência de ser Honesto ao lidar com as ações de outros é que é essencial julgar. O homem que trata igualmente um homem racional e um irracional, que trata igualmente um homem independente e um parasita, que trata igualmente um homem honesto e um desonesto está destruindo sua própria vida. Ou está maltratando pessoas boas, ou está permitindo que pessoas más o maltratem.

Esta aplicação contraria frontalmente a ética religiosa prevalente, a do “não julgue para não ser julgado”. Como disse Ayn Rand, a ética racional exige que o indivíduo “julgue, e esteja pronto para ser julgado” pelos outros. Mesmo os que pregam o não-julgamento sabem que é impossível viver desta forma – podem não criticar abertamente o que sabem ser errado, mas agem para com as pessoas de acordo com o julgamento que fazem delas.

A necessidade de julgar não exime o indivíduo de julgar racionalmente. O juízo que se faz das pessoas precisa ser com base em fatos. As ações das pessoas são a evidência mais clara para este julgamento, mas é preciso também conhecer seus motivos. Julgar as pessoas apenas por suas ações, ou julgá-las apenas por seus motivos leva a erros.

Se a Honestidade leva a julgar nossos próximos, leva também a agir de acordo com este julgamento. Tratar como honesto alguém que é sabidamente trapaceiro significa aceitar ser enganado, em prejuízo da própria vida e prosperidade. Tratar como desonesto alguém que é sabidamente honesto significa limitar ou até eliminar o benefício que se pode obter do relacionamento.

Agir para com os outros de forma consistente com o que eles são é Justiça, um conceito ético e não meramente legal. Justiça é tornar a forma como se trata as pessoas uma conseqüência das escolhas destas pessoas, de suas ações e motivações. Justiça é Honestidade ao reagir ao outro.