16 julho, 2007

Honestidade e privacidade

Ao aplicar o princípio da Honestidade à vida em sociedade, fica claro que o indivíduo que tenta falsear a realidade perante seus semelhantes se prejudica por criar uma teia de contradições potencialmente infinita com a qual ele terá de conviver, e precisará sustentar.

Se é preciso lidar com os outros através da verdade, é preciso contar a todos tudo sobre si? É preciso dar todos os detalhes sobre sua vida pessoal a seu chefe e seus colegas de trabalho? É preciso contar a todos seus amigos atuais os mínimos detalhes sobre seu passado?

Fica aparente que não é prático viver desta forma, pois seria necessário transmitir todos os fatos de uma vida cada vez que se conhecesse uma nova pessoa. Também se pode imaginar de imediato o constrangimento de envolver todos nos mínimos detalhes da vida pessoal. Felizmente esta interpretação da Honestidade é incorreta.

Para aplicar corretamente o princípio, é preciso olhar com cuidado o contexto em que ele se aplica. É preciso saber o que uma pessoa é para lidar com ela, mas a gama de informações e a profundidade do conhecimento sobre ela que são necessários dependem do contexto de interação.

O primeiro ponto relevante é que níveis de relacionamento diferentes requerem níveis de informação diferentes. Alguém de quem se compra um refrigerante não requer o mesmo nível de conhecimento que alguém com quem se vai abrir uma empresa. Não é preciso saber muito sobre o primeiro, é importante conhecer bem o segundo.

A distinção entre relacionamento “profissional” e “pessoal” é útil, pois os relacionamentos “profissionais” são mais delimitados – sabemos que as ações que tomamos e que nossos pares tomam estão limitadas à atuação profissional, sabemos o que precisamos saber sobre eles para tomar estas decisões e vice versa. Relacionamentos pessoais são diferentes, conforme estes evoluem há uma expectativa de maior conhecimento mútuo – e o escopo de “o que devem saber sobre mim” aumenta continuamente com a intimidade do relacionamento.

Outro ponto importante é o relevante é o que a pessoa é, não o que ela já foi um dia. Um criminoso verdadeiramente reformado, alguém que reconheceu seu erro e fez o possível para reparar o dano que causou, não precisa informar todos com quem se relaciona que foi criminoso no passado. Não é mais isso o que ele é, as pessoas precisam lidar com ele como é hoje.

A Honestidade, por outro lado, levaria nosso ex-presidiário a prontamente admitir seu passado, caso este fosse descoberto por alguém. “Sim, cometi crimes. Hoje sei que estava errado e fiz o que pude para reparar o que causei. Não falo sobre isto porque hoje sou diferente.” Negar seu passado cria uma contradição. Admiti-lo o liberta dele.

Não alardear um passado criminoso em um relacionamento não é imoral, porque este passado, se verdadeiramente superado, é irrelevante para as decisões das outras pessoas.

Isto leva à última observação, que é a equivalência entre a inverdade e a omissão proposital de informação relevante. Foi visto que omitir certas coisas sobre o passado não é moralmente condenável. É preciso salientar que isto se aplica apenas àquilo que não é relevante às decisões das pessoas com quem se relaciona.

Omitir uma informação relevante é, na prática, indistinguível de uma mentira. Ao conduzir um relacionamento romântico, omitindo o fato de que se tem um filho, o efeito é o mesmo de se dizer que não o tem. Quando o filho for descoberto, dizer “eu nunca disse que não tinha um filho” não satisfará a pessoa – por mais que seja verdade. Isto ocorre pois ter um filho é um fato extremamente relevante neste contexto, que afeta diretamente as escolhas da pessoa com quem se está relacionando.

É preciso julgar, em cada relacionamento, o que a pessoa precisa saber para tomar as decisões que guiarão sua ação – e fornecê-las. É preciso evitar que nossa omissão leve outros a assumir coisas incorretas sobre nós. É preciso admitir sempre a verdade, quando ela se tornar conhecida. Esta é a chave para relacionamentos pessoais e profissionais sólidos e duradouros, baseados na realidade.

Não é preciso ser um "livro aberto" para todos.