A filosofia baseada na razão e a história comprovam que a prosperidade é resultado da liberdade individual. Colocar em prática a política liberal capitalista em um país viciado no poder do estado, no entanto, não é coisa simples.
A série “Consertando o Brasil” apresenta propostas sobre como partir do Brasil de hoje e chegar ao Brasil que todos dizem que gostariam de ver, a Introdução à série contém detalhes sobre a abordagem e o propósito destes artigos.
Educação
Escolhi iniciar esta série com uma proposta sobre educação por ser tão comum a idéia de que resolvendo este problema todos os outros, da pobreza à criminalidade, se extinguem automaticamente.
Por mais valiosa que seja para o indivíduo, não é verdade que a educação seja solução para os problemas do país. Como disse durante a campanha presidencial de 2006, em “Educação não é resposta”, não há passe de mágica que eduque todos os brasileiros, e não há como o governo educar os brasileiros sem agravar a verdadeira causa do nosso atraso: o desrespeito aos direitos individuais.
Como é a educação no Brasil de hoje
A educação básica no Brasil é universal, gratuita e obrigatória, como manda a “Declaração universal dos direitos da criança” da UNICEF, órgão da ONU.
Na prática isto significa que o governo brasileiro, em suas diversas esferas, opera escolas que provêem ensino básico e médio “gratuitamente”, ou seja, com recursos vindos de impostos, a quem queira. Adicionalmente, a lei obriga os pais a manterem seus filhos na escola.
O governo brasileiro também opera Faculdades e Universidades. No caso do ensino superior, o ensino provido pelo governo não é universal nem obrigatório. É oferecido um número limitado de vagas e não há lei que obrigue a formação superior.
Em paralelo ao sistema governamental de ensino, há escolas privadas de todos os níveis (básico, médio, superior). A rede de ensino privado se concentra nas regiões mais urbanizadas, onde há concentração de pessoas capazes de pagar por seus serviços.
As conseqüências negativas deste cenário são diversas. A obrigatoriedade da freqüência escolar faz com que jovens que não valorizam o ensino sejam forçados a ir à escola. Em conjunto com a proibição do trabalho “infantil”, obriga jovens de famílias que não tem o mínimo sustento a ficarem na escola em vez de trabalhar.
Sobre este ponto, vale a pena dizer que inúmeros responsáveis pela prosperidade dos atuais países desenvolvidos começaram a trabalhar quando “criança” e com isto pagaram seus próprios estudos ou construíram seu negócio.
- Henry Ford foi criado em uma fazenda (trabalhando) e aos 16 anos de idade saiu de casa – para trabalhar como mecânico;
- Benjamin Franklin, pioneiro no estudo da eletricidade, inventor do pára-raios e dos óculos bifocais, um dos gigantes da política na fundação dos Estados Unidos da América, começou a trabalhar aos 12 anos de idade. Seus pais só puderam pagar dois anos de escola (ele era o décimo quinto entre dezessete irmãos);
- Thomas Edison, inventor da lâmpada, do toca-discos, do microfone, da câmera de vídeo (em conjunto com William K. Dickson), e fundador da GE, foi educado em casa, por sua mãe. Ele trabalhava aos 7 anos de idade, vendendo doces e jornais.
O ensino superior governamental não é universal. Até recentemente o critério para definir quem teria o privilégio de receber educação superior “gratuitamente” era o mérito acadêmico, medido através dos vestibulares. Recentemente este critério passou a ser sobrepujado por outros, tais como etnia e classe econômica, através de variadas políticas de cotas.
O ensino superior governamental não é de boa qualidade. Embora tenha sido de boa qualidade em um passado mais recente que o ensino básico, segue também em decadência. Uma das forças que torna esta decadência mais lenta é exatamente o fato de que até o passado recente os alunos do ensino superior governamental eram rigorosamente selecionados quanto à sua capacidade acadêmica. As políticas de cotas certamente acelerarão a ruína das faculdades e universidades governamentais.
O ensino governamental é corrupto. Como o dinheiro que financia as escolas do governo “não é de ninguém” e como as escolas do governo não têm de dar lucro, o terreno é fértil para a corrupção e para o desvio de verbas. A oportunidade atrai pessoas desonestas.
O professor que trabalha no ensino governamental é mal pago. Como o governo não compete com ninguém pelo trabalho de seus professores, os salários são baixos. Dentro da sala de aula, alunos que só estão lá por obrigação. Fora da sala de aula, diretores que são políticos e não educadores. O professor é desrespeitado dentro e fora da sala de aula.
O ensino básico privado é caro. Em outras palavras, não há ensino privado barato. Como o governo oferece o serviço “gratuitamente”, é inviável abrir escolas privadas com foco no baixo custo, visando o mercado de menor poder aquisitivo.
O ensino superior privado é de baixa qualidade. Houve um “boom” de faculdades e universidades privadas, mas não há uniformidade na qualidade do ensino provido, e os preços são altos.
Há, naturalmente, exceções a todas estas constatações. Esta descrição caracteriza a educação de maneira geral.
Como a Educação deveria ser
Educação não é um direito – educação é um produto. O oposto disto é defendido apaixonadamente por políticos, educadores e intelectuais – mas estão errados.
Direitos verdadeiros são condições inerentes à existência do indivíduo racional. O indivíduo permanece vivo a menos que o matem, permanece livre a menos que o ameacem, permanece dono do que é seu a menos que o roubem. Direitos verdadeiros são coisas que todos têm por natureza, mas podem lhes ser tiradas.
A educação não é inerente à existência do indivíduo. Ao contrário da vida, propriedade e liberdade, o indivíduo não possui educação – a não ser que alguém o eduque. A educação não é, portanto, um direito. Respeitar os verdadeiros direitos requer apenas que não façamos nada contra o próximo. O “direito” à educação nos obrigaria a trabalhar para ele.
Produtos são aquelas coisas que são criadas pelo trabalho humano. Como diz a própria palavra, produtos são coisas produzidas pela ação humana. Educar exige conhecimento e didática. O educador precisa ele mesmo saber, o que resulta de seu próprio esforço, e precisa transmitir este conhecimento ao aluno – outra ação humana. O próprio aluno, por sua vez, também precisa se esforçar para aprender.
A educação de um indivíduo resulta sempre de seu próprio esforço. Quando não é um completo autodidata, resulta também do esforço de outros – sejam professores, palestrantes, autores, editores ou fabricantes de material didático. A educação é produzida pela ação de todas estas pessoas. A educação é um produto.
Governos legítimos se limitam à defesa dos direitos individuais. Governos legítimos não fornecem produtos – pois um governo não produz, para dar algo a um cidadão precisaria antes tirar de outro. A educação deveria ser totalmente privada – assim como o fornecimento de todos os demais produtos.
A educação deveria ser totalmente facultativa. Cabe a cada indivíduo definir o que é bom para si. Aos pais, como guardiões de seus filhos, cabe decidir o que é bom para eles – até que sejam capazes de decidir por si próprios.
Uma educação privada, portanto paga, e opcional garante que só estarão na escola indivíduos que querem estudar – ou crianças cujos pais vêem real valor na educação de seus filhos. É disto que nasce o respeito ao professor.
Uma educação totalmente privada significa que as escolas precisam competir entre si para contratar bons professores. É disto que nasce a recompensa financeira adequada pelo serviço que prestam.
Uma educação totalmente privada significa que para ganhar mais dinheiro cada escola, cada diretor, cada professor, precisa oferecer um produto melhor. Assim como em toda atividade econômica, a liberdade de competição levará à constante melhoria da qualidade e redução do preço do produto. É disto que nasce o ensino barato e de qualidade.
Uma educação totalmente privada significa menos oportunidade para corrupção. O governo brasileiro, em suas diversas esferas, poderia reduzir suas despesas, portanto sua arrecadação, em 15 a 20%. Isto significa que até 200 bilhões de reais por ano deixariam de passar pelas mãos do governo. Aquilo que não passa pelo governo não pode ser desviado por políticos desonestos.
Mas como chegar a esta situação partindo de onde estamos hoje?
A barreira da dependência material estabelecida
Há milhões de crianças brasileiras freqüentando as escolas governamentais, a maioria de famílias pobres. Não existe ensino básico de baixo custo no país. Para eliminar o ensino governamental é preciso lidar com esta dependência estabelecida.
A barreira da viabilidade política
A ilusão de que o ensino governamental é gratuito é prevalente. A eliminação do ensino governamental será tratada politicamente como a eliminação de um benefício (sem reconhecer que elimina simultaneamente um malefício maior). Quem defender o ensino privado será atacado politicamente. Certamente será acusado de não valorizar a educação ou não se importar com o futuro das crianças brasileiras.
Estas acusações são falsas – o ensino totalmente privado certamente produziria ensino melhor, mais respeitado, mais barato e mais disponível no longo prazo. Mas é preciso lidar com a inevitável oposição política durante a transição.
A barreira da máquina governamental
A total privatização do ensino sofrerá oposição de muitas pessoas na máquina governamental, pois:
- Elimina todo um ministério federal e secretarias em todos os governos estaduais e municipais;
- Faz com que professores e diretores de escolas precisem produzir bons resultados para manterem seus empregos e evoluírem na carreira;
- Elimina as oportunidades de corrupção em construção de escolas, compra de material escolar, compra de merenda escolar entre outras;
- Elimina a possibilidade do uso de gastos com educação como ferramenta de propaganda política;
- Elimina a possibilidade de uso da rede de ensino para doutrinação política.
- Burocratas de ministérios e secretarias de educação;
- Professores e diretores de escola que não querem ser avaliados por seus resultados;
- Sindicatos de professores;
- Empresários que vivem de fornecer para o governo (honesta ou desonestamente);
- Políticos e lobistas que se beneficiam de “facilitar” estes negócios;
- Políticos que usam a educação como ferramenta de propaganda e
- Grupos que querem usar as escolas para propagar sua ideologia em escala nacional.
É preciso evitar ou superar a oposição destas pessoas.
A barreira da cultura do estatismo
A cultura do estatismo torna a extinção do ensino governamental impopular. Os “beneficiários” do sistema se acostumam e passam a se achar no direito de receber serviços a troco de nada. Em todas as classes econômicas predomina a idéia e que é responsabilidade do governo resolver os problemas dos cidadãos.
É preciso “vender” a solução liberal, mostrando em termos compreensíveis pela população em geral que o ensino totalmente privado funciona.
Uma proposta para consertar a educação no Brasil
O meio proposto para resolver o problema da educação no país consiste em um conjunto de medidas imediatas e um período de transição – ao longo do qual a população brasileira se adaptará à nova realidade.
A ação imediata consiste em tornar privadas as escolas básicas e médias governamentais. A maneira de fazer isto, diferente dos leilões e concessões que se costuma usar nas “privatizações” brasileiras, seria transferir a propriedade das escolas diretamente para seus funcionários.
Administradores e professores da rede governamental de ensino receberiam uma participação na propriedade da escola em que trabalham e as escolas passariam a ser de sua propriedade. Os termos específicos que regeriam estas sociedades precisam ser definidos, mas cada escola seria como qualquer empresa com vários sócios.
Toda a verba do orçamento do governo que era usada para custeio das escolas passaria imediatamente a ser distribuída à população em forma de “vales” – os pais de cada criança receberiam mensalmente um “vale” que poderiam usar no pagamento de qualquer escola. As escolas apresentariam os “vales” que receberam de seus alunos ao governo, que as pagaria em dinheiro. O valor do “vale” seria ajustado anualmente por um índice de inflação.
Um município que gasta R$2.000.000,00 por mês no custeio das escolas municipais e onde residem 10.000 crianças, por exemplo, passaria a distribuir mensalmente um vale de R$200,00 a cada criança. Ao matricular seu filho em uma escola que tivesse uma mensalidade de R$200,00 os pais poderiam simplesmente entregar o “vale” todo mês. Se a mensalidade fosse mais alta, pagariam a diferença.
Como a verba distribuída em “vales” é a mesma verba que as escolas governamentais recebiam, inicialmente haveria certa estabilidade. As escolas tornadas privadas poderiam inicialmente cobrar uma mensalidade exatamente igual ao valor do “vale”, mantendo os mesmos alunos e tendo uma receita próxima à que tinham antes.
Os “vales”, no entanto, seriam distribuídos a todas as crianças igualmente – como rege o princípio da igualdade perante a lei. Isto significa que crianças que atualmente cursam escolas privadas também receberiam “vales”.
Com o tempo as escolas recém tornadas privadas ajustariam seus preços à qualidade do serviço que prestam. Boas escolas poderiam cobrar mais que o valor do “vale”, escolas ruins teriam de oferecer melhores serviços para evitar que os pais transferissem seus filhos para outro lugar – levando consigo seu dinheiro.
É provável que muitos professores e administradores resolvessem vender suas partes nas escolas. No caso de escolas com imóveis em regiões nobres, é provável que o imóvel viesse a ser vendido. No entanto professores e administradores de escola têm um interesse direto na continuidade de seus próprios empregos. Mesmo que vendessem o prédio da escola, provavelmente reabririam em outro lugar. Se não reabrissem, todos os “vales” de seus ex-alunos acabariam em alguma outra escola.
Uma restrição à venda de imóveis ou outros ativos por um período de tempo poderia evitar a instabilidade da oferta de ensino durante a transição.
Este conjunto de medidas imediatas torna todo o sistema de ensino privado imediatamente, mas permite através dos “vales” que a transição da dependência do governo para a responsabilidade individual seja gradual, sem que uma geração de crianças precise pagar o preço pela irresponsabilidade de inúmeros governos e de seus próprios pais.
O período de transição começaria dez meses após a última escola governamental se tornar privada. Qualquer criança nascida a partir desta data não teria mais direito a “vale” educacional. Isto teria de ser amplamente e contundentemente anunciado. O período de dez meses é proposital – os pais saberiam antes de fazer o filho que teriam de pagar sua educação do próprio bolso.
Este modo de transição é melhor que uma redução gradual do valor do “vale”, pois deixa claro que a “ajuda” do governo vai acabar, e que os pais terão de assumir a responsabilidade pelos filhos que decidirem ter. Também evita que os vales se tornem permanentes – algo que será tentador para futuros governos socialistas.
Para o ensino governamental superior, que já não é universal, a venda das universidades e faculdades governamentais através de leilão pode ser suficiente. Ao contrário das “privatizações” que se costuma fazer no Brasil, seria realmente uma venda – e não uma concessão.
Dado o estado decrépito de tantas faculdades e universidades públicas, é provável que a parte mais valiosa destas instituições sejam seus terrenos e seu nome.
Vencendo a dependência material estabelecida
O método proposto de eliminação do ensino governamental evita o problema da dependência estabelecida. Todas as crianças de hoje cujos pais não têm condições para pagar uma escola continuariam a ter seus estudos custeados – integralmente ou em grande parte – pelo governo.
O método de transição estabelece uma fronteira clara. Pessoas que venham a ter filhos após o período de dez meses seriam consideradas as únicas responsáveis por sua educação – sem transferir este peso para o resto da população através dos impostos.
Certamente haveria casos de total irresponsabilidade – pessoas que teriam filhos sem ter condições de educá-los. Estas pessoas teriam de ser sujeitas à sanção legal por negligência, e as crianças dependeriam da caridade privada para custear seus estudos.
Vencendo a inviabilidade política
Durante um único mandato seria possível extinguir toda a máquina burocrática da educação governamental. Para regredir, um governo futuro teria de recriar toda esta máquina. Toda a verba, no entanto, estaria sendo gasta com os “vales”. Para recriar a máquina o governo subseqüente teria de aumentar impostos ou parar de distribuir os “vales” – duas medidas que certamente seriam extremamente impopulares.
Adicionalmente, o fato de que todos os profissionais do ensino estariam atuando em um mercado livre os tornaria fortes oponentes de uma ação governamental que viesse a colocá-los em concorrência com novas escolas governamentais.
O risco do retrocesso é inevitável, mas esta proposta é robusta contra a ingerência de governos e governantes futuros na medida do possível.
Vencendo a máquina governamental
O método proposto oferece um grande atrativo a professores e administradores de escolas governamentais. Estes, que provavelmente seriam os opositores mais ferrenhos de uma “privatização”, passam a ser proprietários das escolas.
Certamente nem todos seriam a favor, mas conquistar uma parcela significativa deste grupo – o mais numeroso dentre os potenciais opositores e aquele que está em contato direto com os alunos – seria uma grande força favorável.
Vencendo a cultura do estatismo
O método proposto oferece uma arma contra a cultura do estatismo. Com a transição feita da maneira proposta, e aliada à sua ampla divulgação, será possível dizer a quem no futuro vier reclamar que não pode pagar uma escola que sabia antes de fazer o filho que teria de arcar com esta responsabilidade.
A esperança é que a pressão social passe a ser pela responsabilidade individual ao gerar crianças, em vez de pedir ao governo que assalte a uns para pagar a conta da irresponsabilidade de outros.
Notas:
1. Sim, este artigo é longo demais para um blog.
2. Este artigo poderá ser extensamente alterado, para incorporar novas idéias minhas, sugestões de leitores ou para endereçar críticas que venham a ser feitas.
3. Este artigo usa extensamente o termo “ensino governamental”. Isto é proposital e visa enfatizar o fato de que o ensino provido pelo governo não é “público” – tem pagantes e beneficiários distintos, não é algo que beneficia a todos.