Acaba de passar no Jornal Nacional uma matéria verdadeiramente revoltante. Nem um mês depois de o governo brasileiro decidir expulsar centenas de pessoas produtivas de suas propriedades em Roraima, pelo crime de não terem a etnia correta para viver lá, somos brindados com uma matéria onde índios Xavantes no Mato Grosso reclamam por não receberem do governo remédios e assistência médica.
O mínimo de raciocínio deixa clara a contradição entre expulsar de um local gente inocente (cujo único crime é ser civilizada) para que os índios possam viver do seu modo primitivo, enquanto em outro exige-se que os índios possam se beneficiar daquilo que a civilização produz de mais importante – a medicina. E para acrescentar assalto à injúria, isso ainda é feito à custa do trabalho dessa mesma gente civilizada, vítima de impostos.
Em uma sociedade livre, se um indivíduo quer viver nu, fazer danças exóticas e comer apenas aquilo que colhe ou caça tem todo o direito de fazê-lo. Em sua propriedade. Nesse sentido, demarcar as terras que as tribos indígenas ocupam e atribuir a estes índios a propriedade legal sobre elas é justo e correto.
Há dois graves problemas, porém. O primeiro está em violar a propriedade de terceiros, já estabelecida, tal qual a dos fazendeiros de Raposa Serra do Sol. O segundo está por criar uma reserva que na realidade não é propriedade de ninguém – e onde não vale a lei do país.
A sociedade indígena teórica, que difere muito de como realmente vivem por sua própria escolha os descendentes de índios atualmente, não é baseada na propriedade privada. Longe de ser um mérito, como gostam de fazer parecer esquerdistas e religiosos, a ausência da propriedade privada significa barbarismo.
É a propriedade privada que permite resolver conflitos pacificamente. Se você não quer me dar em troca do que tenho aquilo que eu desejo, simplesmente não trocamos. Se sabemos claramente o que me pertence e o que te pertence, sabemos claramente o que podemos fazer (usar o que é nosso) e o que não podemos fazer (usar o que é dos outros).
Na sociedade primitiva, a força é o único limite. Se todas as ocas são da tribo, o que impede o caçador mais forte de simplesmente decidir usar a sua? Nada. O que garante sua alimentação se o caçador resolver não te dar uma parte? Nada.
O mínimo de estabilidade nessas sociedades primitivas dependia de profundo ritualismo, criando no cacique ou no xamã uma figura respeitada e temida – mesmo pelos mais fortes. Isto não é base viável para uma sociedade. A admiração do primitivismo é mais uma expressão do ódio à sociedade livre, baseada na propriedade privada, do que um ideal realizável.
Mas e os índios que querem assistência médica? Estavam revoltados com a morte de uma menina, picada por uma cobra. O Ministério Público promete investigar o caso. Outro índio reclama indignado que faltam anti-inflamatórios no prédio que funciona como hospital.
Ora, índios quando picados por cobras morrem. É conseqüência de viver primitivamente. Ministério Público, prédio, hospital são coisas que existem na sociedade civilizada – são conseqüência da sociedade civilizada.
Se alguém quer se isolar no mato e viver como um ser humano de dois mil anos atrás, tem toda a liberdade de fazê-lo. Mas vir exigir todos os benefícios da civilização, e às custas da civilização, enquanto demoniza nossa sociedade e o capitalismo é um desaforo de uma escala quase inimaginável.
Como se fala mesmo “anti-inflamatório” em Tupi?