14 abril, 2009

Propriedade privada (e índios)

Um amigo me fez algumas boas perguntas em relação às colocações que fiz a respeito da expulsão de pessoas de Raposa Serra do Sol. O texto que segue é uma adaptação da resposta que escrevi.


O direito de propriedade é um reconhecimento da causalidade. Temos direito de propriedade sobre as coisas que existem por causa de nossa ação. Assim, cada um tem direito de propriedade sobre aquilo que produz com seu trabalho porque aquilo só existe devido a seu trabalho.


Mas tudo o que fazemos, fazemos com algo. A forma das coisas (da qual depende sua utilidade) e sua disponibilidade para o uso somos nós que criamos, mas a matéria bruta está na natureza.


O conceito de propriedade privada completo indica que quando um indivíduo extrai algo da natureza tornando-o útil, o ato de retirar a matéria bruta de seu estado natural e colocá-la em uso também lhe confere direito de propriedade. Isto se deve ao fato de que aquela matéria bruta, enquanto intocada na natureza, é também inútil e sem valor.


A questão da terra é um caso particular - já que o espaço físico não sai do lugar. Ao colocar em uso uma dada extensão de terra, o indivíduo adquire o direito de propriedade sobre aquela área, para aquele propósito.


Um cenário útil para aplicar estas idéias é uma situação em que uma pessoa A ocupa e usa uma dada extensão de terra para caça e pesca. Outra pessoa B chega e através da violência ou ameaça expulsa A dessa terra, ou de parte dela, e passa a usar a terra que tomou para seus próprios fins. Por fim, após algum tempo, vende a terra para C.


O uso efetivo da terra por A lhe confere propriedade sobre ela - para o uso que ele faz. Outra pessoa não pode entrar nela e competir com A pela caça. Outra pessoa não pode entrar nela e derrubar todas as árvores eliminando o habitat dos bichos que A caça. Outra pessoa não pode derramar lixo tóxico na água em que A pesca - nem fora da sua propriedade de tal forma que o lixo entre nela.


Mas se um cidadão cavar um poço do lado da terra de A e tirar petróleo que está embaixo dela, isso não agride seu direito de propriedade - ele não está interferindo de maneira nenhuma no uso que A faz da terra. A apropriação da terra para caça e pesca não dá direito de propriedade sobre algo no subsolo que a pessoa A nem sabe que existe nem é capaz de acessar. Se A tivesse (antes de outros) descoberto o petróleo ou cavado seu próprio poço, outras pessoas não poderiam extraí-lo.


Mas e a propriedade adquirida através de um crime, como o cometido por B no exemplo, ao ser transacionada passa a ser propriedade legítima de C? Obviamente não. O comprador foi fraudado pelo ladrão ao comprar algo que o ladrão não possuía de fato.


No caso particular em que o roubo ocorreu no passado remoto, existe uma questão de ordem prática essencial: se houve uma parte lesada no passado (A), ela precisa ser capaz de provar que foi roubada de modo a ter reconhecido seu direito. Isso porque a presunção de inocência vale nesse caso como em qualquer outro. Havendo prova, a propriedade é tirada de C e retornada a seu verdadeiro dono A – ou seu herdeiro legítimo. O comprador, que foi fraudado, será compensado na medida do possível pelo ladrão-fraudador B (que independente disso vai para a cadeia).


Sabendo ao certo que a terra foi tomada criminosamente de A, é A a legítima dona. Como sem vítima não há crime, se A é desconhecido não há base para questionar a legitimidade da posse de B – ou de C.


O caso dos índios é um caso particular interessante porque os índios não tinham conceito de propriedade. Ou seja, por sua própria cultura nada era de ninguém.


Note que não existe propriedade coletiva - porque é impossível mais de um indivíduo ter direito absoluto sobre a mesma coisa (tais direitos são uma contradição pois um indivíduo em seu pleno direito poderia fazer algo que impossibilite que o outro indivíduo da coletividade usufrua do seu pleno direito).


A propriedade sobre um bem material pode ser compartilhada, mas cada parte tem de ter limites específicos e não conflitantes. Ao comprar uma ação de uma empresa, por exemplo, você não passa a ser parte de uma coletividade que em conjunto é dona da empresa. Você passa a ter um direito específico e delimitado sobre os bens e o lucro da empresa e direitos específicos de influir na gestão da empresa. Você é o único dono da sua parte.


No caso dos índios, abstraindo essa particularidade por um momento, fica claro que uma terra tomada pela violência não seria propriedade legítima de quem a tomou (B) nem seria propriedade legítima de quem a comprou dele (C). Desde que as vítimas sejam conhecidas como proprietárias originárias e que haja evidência do crime cometido. "Meu avô vivia por aqui antes desses caras chegarem" não é nem uma coisa nem outra.


O simples fato de que havia índios naquela região não é evidência de que eles efetivamente usavam toda aquela área para sua atividade de subsistência. Nem é prova de que os não índios quando lá chegaram tomaram aquela terra por violência. Nem é prova de que a atividade de subsistência dos índios foi afetada.


No caso específico de Raposa Serra do Sol, dada a pequena quantidade de índios e a enorme área envolvida, é simplesmente impossível que esses indígenas efetivamente usassem toda aquela região. Ademais, não há evidência alguma de que as terras hoje em posse de não indígenas foram tomadas por crime.


Não é nem razoável presumir que foram tomadas à força – a área é tão grande para tão pouco índio que os ocupantes poderiam muito bem ter ficado anos sem serem descobertos pelos indígenas. Não que tenha sido isso que efetivamente ocorreu. O mais provável é que os índios tenham achado ótimo ter acesso a coisas como escova de dente e roupa de algodão e feito questão de morar perto dos “invasores”.


Por fim, como menos de 1% da área efetivamente é ocupada por não-indígenas não dá nem para argumentar razoavelmente que essa ocupação denigre a capacidade dos índios de fazer seu extrativismo original - se realmente quisessem fazê-lo.


E a questão central realmente não é essa. O cerne da questão é que essa gente de ONG e universidade vê a nossa cultura como algo sujo e vergonhoso, e a cultura indígena original (não aculturada, que não existe mais – aquele barbarismo de gente pelada na selva saudando o Sol e morrendo de catapora) como algum tipo de ideal. Só o fato de que os não índios estão lá é ofensa para eles.


Para essa gente, mesmo que nenhum índio nunca tivesse sido prejudicado de forma alguma pela presença da civilização, sua simples existência já seria um crime.


05 abril, 2009

O Capitalista 100k

Apesar de estar escrevendo pouco ultimamente, O Capitalista atingiu ontem a marca de 100.000 acessos desde Junho de 2006 quando foi criado.

O movimento mensal vem crescendo ao longo do tempo e é muito interessante notar a forte influência dos períodos de férias escolares:
(Dados mensais de Junho/2006 a Março/2009)

Fico maravilhado com o fato de como é fácil hoje atingir com nossas idéias um volume de leitores que até poucas décadas atrás era reservado apenas aos grandes nomes da publicação. É realmente fantástico.

Muito obrigado a todos vocês!

04 abril, 2009

Índios de araque

Acaba de passar no Jornal Nacional uma matéria verdadeiramente revoltante. Nem um mês depois de o governo brasileiro decidir expulsar centenas de pessoas produtivas de suas propriedades em Roraima, pelo crime de não terem a etnia correta para viver lá, somos brindados com uma matéria onde índios Xavantes no Mato Grosso reclamam por não receberem do governo remédios e assistência médica.

O mínimo de raciocínio deixa clara a contradição entre expulsar de um local gente inocente (cujo único crime é ser civilizada) para que os índios possam viver do seu modo primitivo, enquanto em outro exige-se que os índios possam se beneficiar daquilo que a civilização produz de mais importante – a medicina. E para acrescentar assalto à injúria, isso ainda é feito à custa do trabalho dessa mesma gente civilizada, vítima de impostos.

Em uma sociedade livre, se um indivíduo quer viver nu, fazer danças exóticas e comer apenas aquilo que colhe ou caça tem todo o direito de fazê-lo. Em sua propriedade. Nesse sentido, demarcar as terras que as tribos indígenas ocupam e atribuir a estes índios a propriedade legal sobre elas é justo e correto.

Há dois graves problemas, porém. O primeiro está em violar a propriedade de terceiros, já estabelecida, tal qual a dos fazendeiros de Raposa Serra do Sol. O segundo está por criar uma reserva que na realidade não é propriedade de ninguém – e onde não vale a lei do país.

A sociedade indígena teórica, que difere muito de como realmente vivem por sua própria escolha os descendentes de índios atualmente, não é baseada na propriedade privada. Longe de ser um mérito, como gostam de fazer parecer esquerdistas e religiosos, a ausência da propriedade privada significa barbarismo.

É a propriedade privada que permite resolver conflitos pacificamente. Se você não quer me dar em troca do que tenho aquilo que eu desejo, simplesmente não trocamos. Se sabemos claramente o que me pertence e o que te pertence, sabemos claramente o que podemos fazer (usar o que é nosso) e o que não podemos fazer (usar o que é dos outros).

Na sociedade primitiva, a força é o único limite. Se todas as ocas são da tribo, o que impede o caçador mais forte de simplesmente decidir usar a sua? Nada. O que garante sua alimentação se o caçador resolver não te dar uma parte? Nada.

O mínimo de estabilidade nessas sociedades primitivas dependia de profundo ritualismo, criando no cacique ou no xamã uma figura respeitada e temida – mesmo pelos mais fortes. Isto não é base viável para uma sociedade. A admiração do primitivismo é mais uma expressão do ódio à sociedade livre, baseada na propriedade privada, do que um ideal realizável.

Mas e os índios que querem assistência médica? Estavam revoltados com a morte de uma menina, picada por uma cobra. O Ministério Público promete investigar o caso. Outro índio reclama indignado que faltam anti-inflamatórios no prédio que funciona como hospital.

Ora, índios quando picados por cobras morrem. É conseqüência de viver primitivamente. Ministério Público, prédio, hospital são coisas que existem na sociedade civilizada – são conseqüência da sociedade civilizada.

Se alguém quer se isolar no mato e viver como um ser humano de dois mil anos atrás, tem toda a liberdade de fazê-lo. Mas vir exigir todos os benefícios da civilização, e às custas da civilização, enquanto demoniza nossa sociedade e o capitalismo é um desaforo de uma escala quase inimaginável.

Como se fala mesmo “anti-inflamatório” em Tupi?

06 março, 2009

O problema do socialismo

Vi essa frase atribuída a Margaret Thatcher, mas não encontrei evidência de que realmente seja dela. A frase, em todo caso, é genial.

The problem with socialism is that you eventually run out of other people's money.

03 fevereiro, 2009

Capitalismo funcionando: Submarino

Outro bom exemplo de Capitalismo funcionando ocorreu recentemente comigo, além do problema da NET. Dia 6 de Novembro de 2008 comprei no site Submarino a coletânea “A Lanterna na Popa”, memórias de Roberto Campos – um dos raríssimos políticos e pensadores liberais brasileiros. Como é difícil encontrar um único artigo defendendo a liberdade individual por aqui, 1400 páginas de pensamento liberal genuinamente brasileiro é algo realmente único.

Dia 11 de Novembro recebi a entrega. A descrição do produto é clara, são dois volumes, mas chegou apenas o volume um. Além de incompleto, o livro que recebi estava sujo, com cantos de página amassados, com a capa riscada a lápis e descolada.

Encaminhei a reclamação e solicitação de troca pelo site e já comecei a me irritar. Quando se manda uma mensagem para o Submarino, há um dia útil de prazo para resposta. Até aí tudo bem. Mas isso vale também quando a mensagem é passada entre as próprias áreas do Submarino! Sua mensagem foi recebida. Um dia útil. Sua mensagem foi encaminhada para o atendimento ao cliente. Um dia útil. Sua mensagem foi encaminhada a trocas e devoluções. Mais um dia útil...

Trocas e devoluções simplesmente não respondeu. Dia 17 de Novembro mandei outra solicitação ao atendimento. Após mais uma cascata de “um dia útil”, minha solicitação chegou novamente a trocas e devoluções e dia 20 de Novembro recebi uma mensagem. Infelizmente o produto está esgotado e tenho duas opções: meu dinheiro de volta ou créditos para usar no site.

Qual não foi a surpresa de entrar no site e ver o produto disponível para venda. E mais barato! Respondi a mensagem dizendo que aceitava os créditos do site. Finalmente no dia 8 de Dezembro liberaram o crédito. Entrei no site na mesma hora e comprei o mesmo livro – sobraram nove reais.

Dia 15 de Dezembro recebi a entrega. Uma chance para adivinhar o que aconteceu. Recebi apenas o volume dois! Para completar, além de sujo, este livro tinha uma etiqueta adesiva colada e arrancada da capa – que é de papel (portanto irreversivelmente danificada).

Embora tenha me divertido com o absoluto ridículo da situação, não perdi tempo e já enviei o pedido de devolução. Desisti de vez, pedi meu dinheiro de volta. Mas o Submarino resolveu transformar uma situação ridícula em algo realmente espantoso.

Dia 22 de Dezembro recebi outra entrega. Não tinha pedido troca do produto, mas eles se deram mais uma chance em vez de devolverem meu dinheiro como pedi. Como não podia deixar de ser, mais uma vez veio apenas um livro: o volume um. Dos três livros que recebi este conseguiu ser o mais estragado, unindo os riscos a lápis com a sujeira generalizada e a etiqueta arrancada bem no meio da capa.

Um novo e-mail, com um novo pedido de devolução e ressarcimento em LETRAS GRANDES E VERMELHAS finalmente atingiu o objetivo final. Dia 31 de Dezembro recebi a mensagem me informando que o valor que paguei seria restituído ao meu cartão de crédito. Apareceu na minha fatura de Fevereiro.

O papel do governo nessa história não é nada mais que o de um garantidor de contratos. Se o Submarino se recusasse a devolver meu dinheiro, desrespeitando a política de trocas e devolução que eles mesmos publicam e a qual eu aceitei ao negociar com eles, seria função do governo fazer cumprir-se o contrato. Se para reaver meu dinheiro eu tivesse tido gastos significativos (e não apenas o trabalho de gastar 2 minutos em cada um dos e-mails que escrevi) eu poderia exigir que me fosse restituída também esta perda.

Não preciso dizer que nunca mais compro nada no Submarino. Mas isto é apenas parte do que faz o Capitalismo funcionar. Mantendo este padrão de serviço, a empresa sai do mercado. E se no Capitalismo ocorrem situações como essa, é só no Capitalismo que existem as soluções. E aqui vão algumas:

www.saraiva.com.br
www.fnac.com.br
www.livrariacultura.com.br

O Capitalismo também é o único sistema que permite o que você está fazendo agora, ao ler este texto. Ao pensar em comprar algo na internet você vai lembrar deste caso e vai, no mínimo, pensar duas vezes antes de negociar com estes incompetentes. E vai ter escolha.

Imagine se meu problema tivesse sido com uma estatal...

* As Lojas Americanas (www.americanas.com.br) e o Submarino aparentemente são a mesma empresa. Minhas devoluções foram todas recolhidas pelas americanas. Não compro mais lá também.

** Uma amiga teve o mesmo problema comprando no Submarino. Mas em vez de uma série de dois livros com apenas um entregue, ela comprou um ar-condicionado split, e recebeu só a máquina!