Desde que Obama foi eleito presidente tem sido um exercício fascinante identificar as semelhanças e diferenças entre ele e Lula, e na maneira como seus respectivos países têm reagido à política que cada um pratica.
A semelhança que levou às primeiras comparações entre Obama e Lula foi o tipo de campanha política que os elegeu. Cá e lá uma campanha que tinha como linha central a emoção – não qualquer tipo de argumento racional e muito menos ideológico. Na campanha tanto Lula como Obama se colocavam como figuras messiânicas, sua eleição representaria uma transformação fundamental para seu país.
Essa transformação, no entanto, nunca era elaborada. “Mudar” tratado como algo absoluto e suficiente. Era evidente e inquestionável que Lula e Obama iam “mudar” o país. O que eles iam mudar e o que exatamente pretendiam fazer nunca foi o foco da campanha. Aqui no Brasil este tipo de campanha é coisa normal, até candidato do mesmo partido que já está no governo sempre promete “mudar”, “melhorar” a saúde e a educação e tudo o mais sem nunca dizer o que efetivamente vai fazer. Nos Estados Unidos essa campanha puramente emotiva e sem conteúdo político foi novidade.
Lá e cá não há a menor dúvida que funcionou. A esperança (hope - até as palavras de ordem da campanha são as mesmas) venceu o medo. E em grande parte pelos mesmos motivos e mecanismos.
Tanto a eleição de Obama quanto a de Lula representaram a negação do conflito cultural mais significativo em seus respectivos países. Nos Estados Unidos o conflito racial, no Brasil o econômico. Lá negros votaram em Obama pelo simples fato de ele ser negro. Aqui pobres votaram em Lula pelo simples “fato” de ele ser pobre. É claro que Lula não é pobre há muito tempo, mas sua campanha jogou pesadamente com sua origem humilde para construir esta identificação.
Ao lançar um candidato com esta característica – confrontar o principal conflito da nação – tanto os Democratas nos EUA quanto o PT conseguiram alguns benefícios eleitorais de valor incalculável além do voto automático respectivamente de negros e de muitos pobres.
O primeiro benefício é uma blindagem na imprensa contra críticas ao candidato. Qualquer crítica às coisas que Obama dizia era imediatamente tachada de racismo – simplesmente a questão mais inflamatória nos EUA. Já por aqui, qualquer crítica ao projeto do PT (ou ausência de) era tachada de elitismo e preconceito contra o pobre Lula que não teve oportunidade de estudar (outra mentira, mas novamente foi a imagem que a campanha conseguiu construir).
Enquanto esta blindagem conferia aos candidatos Lula e Obama um tratamento assimétrico pela mídia – seus adversários constantemente tendo de pisar em ovos para não serem tachados de canalhas preconceituosos – outro fenômeno mais sutil construía para eles uma massa de votos que garantiria sua eleição: a culpa.
O Democrata e o Republicano registrado sempre vão votar no candidato de seu partido – por mais incapaz ele seja. O petista sempre vai votar no candidato do PT, por mais incapaz que ele seja. Tanto nos EUA quanto no Brasil há uma massa de eleitores moderados que decide a eleição.
E nessa massa de moderados o fato de Obama e Lula serem respectivamente um negro e um torneiro mecânico gerou o voto de culpa. O voto de “olhe como não sou racista, vou votar no Obama!”. O voto de “olhe como não sou preconceituoso, vou votar no Lula”. Se você tem colegas que votaram no Lula com certeza os ouviu naquela época felizes e contentes com seu voto – como se votar em Lula fosse um grande feito moral.
Lula só não se elegeu antes porque se colocava como inimigo da classe média. A criação do “Lula light” não foi nada além de tirar estrategicamente do discurso político as ameaças explícitas à propriedade privada.
A carga emotiva do messianismo e do ineditismo, a blindagem contra a crítica através de acusações de preconceito mascarando a total ausência de um real projeto de governo no discurso de campanha e o voto de culpa foram elementos fundamentais para que Obama e Lula fossem eleitos.
As diferenças começam a aparecer ao se comparar os governos, e a reação de seus países ao que estes homens fazem, não apenas ao que dizem. Mas há semelhanças persistentes também.
Obama em um ano de presidência viu sua taxa de aprovação cair espetacularmente de 65% em Janeiro de 2009 a menos de 48% em Janeiro de 2010. Lula surfa em uma onde de popularidade que o mantém acima de incríveis 70% de aprovação desde que foi eleito – praticamente sem percalços.
Esta diferença é marcante, especialmente dado que tanto Obama quanto Lula permanecem em modo de campanha permanente – falando sempre como quem traz promessas para o futuro e não como alguém que é responsável pelo presente. Persiste também, lá e aqui, a blindagem por causa da cor de um e da origem social de outro. Tanto Obama quanto Lula podem falar os maiores absurdos – coisa que arruinaria a imagem política de qualquer um – sem conseqüência. A suspeição de preconceito paira permanentemente sobre seus críticos.
Dois fenômenos ajudam a explicar o fracasso fenomenal de Obama em tão pouco tempo enquanto Lula permanece em permanente estado de graça. O primeiro é o fato de que Lula, a despeito da retórica de campanha, teve a ousadia de não mudar absolutamente nada de importante no país.
O PT e Lula adotaram a estratégia de ocupar todos os espaços na máquina governamental e minar aos poucos, sutilmente, as bases daqueles elementos do Estado de Direito que impedem a realização de seus propósitos. Quando estas sutis investidas encontram resistência, são prontamente abandonadas. O importante é manter o poder, para poder tentar de novo. Em tudo o que é visível, portanto, Lula continuou rigorosamente o governo FHC. Que a despetização do governo pode demorar uma década e que as pequenas petices dessa massa de militantes infiltrados no governo têm um grande efeito no país não são fatos visíveis – não assustam ninguém.
Tivesse seguido a cartilha de Lula, Obama teria mantido rigorosamente as mesmas políticas de Bush – mas chamando as coisas por outros nomes e fazendo discursos emocionantes. Aos poucos – nunca através de uma discussão aberta e objetiva – iria fazendo pequenas mudanças e garantindo sua permanência no poder. Mas Obama e o partido Democrata não se contentaram em minar gradualmente a Constituição americana – eles entraram com dinamite.
Em seu primeiro ano apenas aumentou em quatro vezes o déficit nas contas do governo, propôs um plano de saúde governamental obrigatório, propôs um imposto sobre a emissão de CO2 para combater o (fictício) Aquecimento Global e estatizou a GM – entre outras mudanças radicais nos fundamentos da sociedade americana.
O resultado é que em um ano aquele americano moderado que se emocionou durante a campanha e votou em Obama mostrando que não é racista agora está contra Obama – mostrando que não é socialista. É algo que não tem paralelo no Brasil, já que aqui só existe esquerda.
Conclusão e perspectivas
Obama e Lula usaram rigorosamente a mesma estratégia eleitoral e têm grande similaridade no que representam respectivamente na sociedade americana e na brasileira. Adotaram, no entanto, estratégias radicalmente diferentes de governo. Lá uma tentativa de por logo em prática aquilo em que os Democratas acreditam, aqui a subordinação de tudo ao interesse primário de permanecer no poder. O resultado desta diferença é que a magia de Obama acabou, mas a de Lula permanece firme e forte.
Apesar desta diferença, as perspectivas são positivas tanto nos EUA como no Brasil para quem acredita na liberdade individual.
Lá está ocorrendo um fenômeno realmente animador – esse “meio” do eleitorado, que não gosta de Republicanos interferindo com o que adultos fazem entre quatro paredes e não gosta de Democratas tentando redistribuir riqueza, parece estar assumindo uma identidade política. Eles decidem as eleições há décadas, mas como não são nem Democratas nem Republicanos seu ponto de vista – que o governo não deve enfiar a mão no bolso nem entre os lençóis das pessoas – não recebe a devida atenção. Pois está recebendo agora – o que é bom, porque é o correto.
Aqui no Brasil a perspectiva também é positiva, embora no sentido de quem está deixando de ter uma perda e não exatamente tendo um ganho. O fato é que a aura de Lula está se provando difícil de transmitir. O PT corre o risco de descobrir na última hora que o “meio” do eleitorado que elegeu Lula duas vezes na verdade não gosta tanto assim do PT. Gosta de Lula. Estou confiante que vamos nos livrar da Dilma – apesar e não graças ao PSDB.
Falta um longo caminho até que se tenha por aqui um movimento político em favor do governo limitado e da defesa dos direitos individuais.