16 fevereiro, 2007

Fé e religião

Never argue with an idiot, he'll just drag you down and beat you with
experience.
Recentemente Rodrigo Constantino, um escritor, colunista e blogueiro defensor do liberalismo, gerou uma enorme controvérsia no que se passa por círculo intelectual de “direita” aqui no Brasil. A causa foi a publicação de uma série de artigos sobre religião em seu blog iniciada por “O Túmulo do Fanatismo”, em que apresenta uma série de objeções de Voltaire ao Cristianismo e faz alguns comentários a respeito. O filósofo Olavo de Carvalho, editor do site Mídia Sem Máscara – um dos principais sites conservadores do país – retrucou com severidade, e com pesadas ofensas pessoais.

Não pretendo discutir aqui a honestidade intelectual de Olavo de Carvalho, que além de ser infantilmente desrespeitoso (a exemplo do que ocorreu quando se desentendeu com Janer Cristaldo, outro articulista liberal e ateu), também utilizou diversos subterfúgios argumentativos além do ad hominem. O foco deste artigo é descer à essência do erro cometido por Constantino que permitiu a Olavo de Carvalho uma réplica que para o leigo parece ser devastadora e, em contrapartida, explorar como a fé de Olavo de Carvalho mina todo seu vasto conhecimento factual.

O erro de Rodrigo Constantino ao abordar a religião listando, através de Voltaire, as contradições presentes na doutrina Cristã é o de levar o debate para os particulares, deixando de lado o fato de que o problema fundamental está nos princípios. A Igreja tem milênios de experiência nestes debates. Como o próprio Olavo de Carvalho salientou em sua resposta, a doutrina Católica é fruto de séculos de discussões em que milhares de teólogos decidiram o que seria verdade. Como mais um debatedor de particularidades, Rodrigo Constantino certamente é irrelevante – e Olavo usa seu vasto conhecimento para deixar isto claro.

As contradições internas da doutrina religiosa, as contradições entre o que as religiões pregam e o que é necessário para viver neste planeta, as contradições entre as doutrinas religiosas e a realidade são todas provenientes da mesma fonte. Enquanto enumerá-las é um bom artifício para desafiar as pessoas a pensar a respeito, um argumento contra a religião precisa atacar a raiz de todos os males: a fé.

A religião se distingue da ciência pela fé. A fé é a crença sem evidência, por definição a antítese da razão. Se há provas de algo, não é preciso ter fé para sabê-lo. Se não há provas, não importa o quanto se queira nada tornará aquela crença racionalmente justificada. Ter fé é aceitar o arbitrário.

Aquilo que se sabe, baseado em evidência, é conhecimento – este é o âmbito da razão. Aquilo que se acredita, baseado apenas na fé, é crença – neste âmbito a razão é impossível. É claro que se usa a lógica no debate religioso, mas isto não quer dizer que se está usando a razão. A racionalidade requer usar o método correto – a lógica – e o material correto – o conhecimento factual sobre a existência. O único argumento necessário contra a religião é este: a religião exige a fé, exige aceitar o arbitrário. É impossível viver neste mundo baseado em coisas que só existem na imaginação. Mesmo que milhões acreditem nelas.

As contradições internas na doutrina religiosa têm esta fonte. Como toda a doutrina é baseada na imaginação – e não em fatos reais – basta que uma idéia seja interpretada de forma diferente por dois religiosos para gerar uma contradição. Como não existe realidade para servir como referência, é impossível dizer que um está certo e outro errado. A única solução é que alguma autoridade decida quem está certo – arbitrariamente.

Com o conhecimento racional qualquer conflito é arbitrado pela realidade, mesmo que no momento da discussão pareça incerto quem tem razão. Na metade do século passado o debate sobre qual sistema político-econômico era ideal para o desenvolvimento humano confrontava socialistas e capitalistas. Hoje, mesmo quem não entende os argumentos que mostram ser o Capitalismo o único sistema consistente com a vida humana digna tem à disposição o juízo da realidade: a ruína da URSS.

As contradições entre a doutrina religiosa e o que é necessário para viver no mundo real também têm esta fonte. Como a doutrina é baseada na fé, não é de surpreender que conflite com a realidade. A doutrina cristã demanda a pobreza, mas a vida requer a constante produção de riqueza. A doutrina cristã requer que se ame seu inimigo, mas quem ama seus inimigos acaba destruído por eles. A doutrina cristã requer acreditar que se é moralmente corrupto por natureza, mas a vida requer auto-estima e integridade.

O pensamento racional não incorre nestas contradições, pois se ancora na realidade. Identificar a natureza real do homem – um ser que sobrevive criando os bens materiais que precisa – permite saber que a riqueza é seu estado desejável e moralmente louvável. A concepção racional dos direitos do homem – a liberdade para exercer sua mente e colher os frutos de seu trabalho – permite o conceito de justiça: que os inimigos merecem ser combatidos. O conhecimento das realizações humanas permite ver o homem como é: um ser heróico, produtivo, vencendo a natureza para perseguir sua própria felicidade.

É por este motivo que a fé de Olavo de Carvalho desqualifica toda sua erudição. De que vale saber citar centenas de autores e pensadores se seu próprio pensamento está fundamentado no arbitrário? De que adianta defender política econômica liberal calcando a em uma religião que demanda pobreza, sacrifício e colocar o outro acima de si mesmo? A ruína do conservadorismo nos Estados Unidos – onde a direita religiosa implanta políticas socialistas que a esquerda não se atreveria a propor – é evidência suficiente da conseqüência de defender as idéias certas pelos motivos errados.

Não é preciso conhecer todos os teólogos, filósofos e outros místicos para saber a verdade sobre a religião. Não é preciso conhecer todas as maneiras de errar para acertar. Basta reconhecer a fé pelo que ela é, a rejeição da razão, e manter a mente livre deste veneno.