30 novembro, 2006

Quem precisa de Ética?

O que é ética? O termo é usado como sinônimo de honestidade ou moralidade, ou de forma mais ampla para representar o conjunto de comportamentos entendidos como “o que é certo”. Este último entendimento é o mais próximo do correto, sendo a honestidade um dos comportamentos usualmente defendidos como certo e a moralidade a característica de quem vive de acordo com os preceitos éticos. Esta definição não aborda de onde surgem as normas éticas, e esta é a questão essencial.

Esta dificuldade é em geral resolvida pelo apelo às normas religiosas ou sociais. No primeiro caso a ética passa a ser o conjunto de mandamentos de uma dada religião que, recebidos por iluminação divina, não precisam de justificativa alguma – são aceitos pela fé (ou seja, sem motivo) assim como a própria existência da divindade.

No segundo caso atribui-se a determinação do que é certo a um corpo de normas legais ou tradicionais. Neste caso o certo é simplesmente o que está na lei, ou é simplesmente o tradicional – definido “pela sociedade”. Esta postura é mais destrutiva que a irracionalidade da religião, por incrível que pareça. Enquanto no caso religioso se estipula uma ética arbitrária, no caso legalista ou social em essência se nega a existência de “certo” e “errado” objetivos – por serem tais julgamentos meramente convenção social.

A definição correta para ética é: um conjunto de princípios que guiam o homem em suas decisões. A ética precisa ser um conjunto de princípios, e não de regras, pois necessariamente precisa ser aplicável a todas as circunstâncias. Um conjunto de regras se aplica somente aos casos e nos contextos para os quais as regras foram concebidas.

Um aspecto interessante a notar é que a ética não é decorrente da vida em sociedade, não se baseia nem tem a função primária de regimentar o convívio entre pessoas. Uma pessoa sozinha em uma ilha deserta tem necessidade de tomar decisões, vai construir abrigo e procurar comida ou vai esperar socorro enquanto se embebeda com o uísque que encontrou nos restos do naufrágio? O náufrago precisa de ética.

Para tomar uma decisão é preciso ter um objetivo. Uma decisão a tomar é irrelevante quando quem está escolhendo é absolutamente indiferente em relação todas as escolhas possíveis. Uma decisão só tem relevância quando quem decide prefere uma alternativa à outra, e esta preferência só pode ser estabelecida tendo um objetivo em vista. A opção escolhida será aquela que contribui para o objetivo, a escolha descartada será aquela que não contribui ou contribui menos.

Se a ética é um conjunto de princípios que guia o homem em suas decisões, necessariamente ela presume um objetivo. A ética religiosa em geral estipula um objetivo arbitrário – ir para um mundo melhor após a morte, reencarnar como um ser superior, alcançar um estado “mais elevado”. Uma ética racional requer também um objetivo, mas não pode ser baseada em algo que não existe.

Vida ou morte é a alternativa fundamental para os seres vivos, a vida requer ação – a morte não. Para o homem, agir requer pensar e decidir. O homem não tem instinto nem mecanismo automático de sobrevivência – se o homem deseja viver, precisa pensar. Dado que quem toma uma decisão é um indivíduo – um ser vivo, racional – só há um objetivo máximo que pode ser a base para orientar suas escolhas: a sua própria vida como ser racional. Caso não escolha viver, também não precisará de ética.

A ética racional é fundamentada neste fato: a ética, um conjunto de princípios que guiam a tomada de decisão, é necessária para indivíduos racionais que desejam viver. A vida de cada indivíduo é portanto seu objetivo final. A vida de um ser racional não se trata meramente de não ser um cadáver, trata se de preservar a vida e a razão. A razão é o que dá ao homem sua identidade, e é seu mecanismo de sobrevivência.