Para quem defende os direitos e liberdade individuais o ano de 2009 e este início de 2010 foram sem dúvida uma montanha russa.
A eleição de Obama marcou um passo largo na direção esquerdista e populista ao alçar à presidência dos Estados Unidos um homem sem qualquer preparo para o cargo (pelos padrões americanos) cuja única proposta era “melhorar isso que está aí” – de algum jeito.
“Melhorar isso que está aí” rapidamente se manifestou na manutenção de tudo o que havia de ruim no governo Bush – leia-se a política de crédito fácil do Fed e a regulamentação desenfreada de tudo e todos – somada a medidas que até então seriam verdadeiramente inimagináveis na América: estatização de empresas, intervenção governamental nos salários de empresas privadas e daí para pior.
Para nós brasileiros tanto a maneira como Obama foi eleito quanto sua política não passam da mais absoluta normalidade. Elegemos rotineiramente gente que promete resolver os problemas do país por decreto, elegemos rotineiramente gente que não tem o menor preparo para exercer o poder político, lidamos diariamente com um estado regulatório que não conhece limite. No Brasil, aliás, não estar regulamentado é sinônimo de ilegitimidade...
Mas o que é normal no Brasil e no resto do mundo não é, ou não era, normal nos Estados Unidos – felizmente. Como já disse antes, o mundo ocidental social-democrata só parece progredir porque os Estados Unidos não o são. Quem conta com a China para ser a “locomotiva” da economia mundial precisa contar quantos novos produtos e serviços foram criados na China. Uma coisa é seguir a receita, outra coisa é inventar a receita.
Mas estatizar a GM e policiar o salário dos presidentes de empresas era pouco. Obama vai realmente mudar a América. Seus cavalos de batalha: a estatização branca dos serviços de saúde, a regulamentação da emissão de CO2 e, por fim, uma sutil mas fundamental mudança nas leis sindicais americanas.
Pode parecer estranho para um brasileiro, mas nos Estados Unidos não existe SUS. Os hospitais são privados, ou são empresas ou são operados por fundações. Se o cidadão chega a um hospital em estado de emergência, o hospital é obrigado a atendê-lo – mas depois tem direito de tentar obter pagamento (embora em muitos casos o hospital abra mão desse direito porque a pessoa simplesmente não tem como pagar pelo tratamento que recebeu). A grande maioria das pessoas tem um plano de saúde pago pelo seu empregador.
Os serviços de saúde representam hoje um sexto da economia americana, em valor. O plano de Obama era instaurar um regime onde todos os planos de saúde seguiriam as mesmas regras, todos os contratos de plano de saúde seriam negociados em um “mercado” operado pelo governo e, finalmente, seria criada uma “opção pública” – um plano de saúde do governo, para “competir” com os planos privados.
Não é preciso ser um gênio para perceber que esse sistema, basicamente, coloca todas as decisões na mão do governo. As empresas privadas, na prática, se tornariam fantoches servindo apenas para mascarar a estatização branca de um sexto da economia americana. E, como sabemos bem aqui no Brasil, depois que o governo dá algo “grátis” torna-se politicamente impossível desmontar o esquema – por mais que custe muito mais ao “beneficiário” o fato de seu país ser cronicamente atrasado do que sua consulta médica.
Não passou desapercebido aos comentaristas americanos o fato de que as medidas de Obama tenderiam a fazer os Estados Unidos passarem um ponto crítico para um país com governo representativo eleito por voto: o ponto em que mais gente (em quantidade) recebe dinheiro ou benesses do governo do que a gente (em quantidade) que paga por essas benesses. Aqui no Brasil, é claro, o pagador de imposto já é minoria há muito, muito tempo.
O segundo grande projeto de Obama: baseado na idéia de que a temperatura do planeta Terra está aumentando continuamente, e que isso resulta de maneira significativa da emissão de gás carbônico pela atividade humana, regulamentar a emissão de CO2 através de cotas negociáveis.
Mais uma vez é difícil subestimar o escopo dessa medida. Como rigorosamente toda atividade humana, começando por simplesmente estar vivo, emite CO2, esta medida daria ao governo a prerrogativa de intervir em toda e qualquer empresa – a título de verificar a aderência à legislação ambiental. Mais que isso, como o governo teria a prerrogativa de conceder os “titulos à emissão de CO2”, basicamente estaria nas mãos deste regulador o poder de escolher quais indústrias ou empresas podem existir e quais não. Isto tudo afora o simples fato de que ter de comprar do governo o direito de emitir CO2 é um grande imposto – sobre tudo.
Por fim a sutil mas significativa mudança na lei trabalhista. Para o brasileiro entender, primeiro é preciso explicar rapidamente como funciona a sindicalização nos Estados Unidos. Aqui no Brasil existe um sindicato para cada atividade em cada região. É o governo que declara qual o sindicato que representa a “classe” e todos os trabalhadores são representados por este sindicato e pagam por ele – querendo ou não, filiados ou não.
Nos Estados Unidos não existe sindicato “oficial” decretado pelo governo e o trabalhador não é obrigado a se filiar, ser representado nem pagar taxa ao sindicato se não quiser. Pode haver (e na maioria dos casos há) vários sindicatos para a mesma atividade. Se os trabalhadores de uma empresa quiserem, podem fazer um sindicato só deles.
Para que um sindicato represente os trabalhadores em uma empresa qualquer, é preciso que 50%+1 dos trabalhadores daquela empresa aprovem a representação. Se algum sindicato conseguir isso, passa a representar aqueles trabalhadores. Se nenhum sindicato conseguir essa aprovação, aqueles trabalhadores negociam diretamente com a empresa individualmente.
O plano de Obama era tornar essa votação, que hoje é secreta, em uma votação aberta. Ou seja, sujeitar o cara que vota contra o sindicato à pressão, e eventualmente agressão, dos sindicalistas. Para não deixar por menos, o projeto tinha um nome de deixar George Orwell orgulhoso: “Ato de Livre Escolha do Trabalhador”. A votação secreta não era livre, aparentemente.
Vale lembrar que o sindicalismo está em baixa há décadas nos EUA, os trabalhadores voluntariamente optando por não serem sindicalizados. E que os sindicatos são a principal base militante do partido Democrata de Obama.
O período de 2009 nos Estados Unidos, portanto, começou com o horizonte enegrecido por nada menos do que a estatização branca de um sexto da economia, reversão da proporção entre pagadores e consumidores de imposto, regulamentação de toda a atividade humana através de legislação ambiental, um novo imposto na venda de créditos de CO2 e uma artimanha para reforçar o sindicalismo através da intimidação.
Este cenário era deprimente para quem entende que a intervenção do governo naquilo que não se trata da defesa dos direitos individuais sempre leva à miséria e opressão. Ver isto acontecendo nos Estados Unidos significava ver o único país fundado expressamente sobre o ideário da liberdade individual sucumbir ao canto de sereia do assistencialismo, à ilusão de que através do governo é possível conseguir algo a troco de nada, à perversão moral de que é justo tirar o resultado do trabalho de alguém que nunca cometeu crime algum para igualá-lo a outro menos hábil, ou menos favorecido pelo acaso.
Mas 2009, especialmente em seu desfecho, reservou surpresas – e garanto que aqueles que aplaudem a agenda de Obama ficaram tão surpresos quanto quem, como eu, o via como prenúncio de uma catástrofe. Mas nem todo mundo foi surpreendido.
Ainda naquele cenário tenebroso do início de 2009 li em alguns fóruns de discussão a tese de que Obama evidenciava o socialismo – que é a essência do partido Democrata nos Estados Unidos. Obama traria à tona aquilo que o partido Democrata realmente estava tentando fazer com o país. “E daí?”, perguntará o leitor brasileiro. Nós afinal não temos partido que não seja socialista.
Ocorre que o povo americano não é o povo brasileiro, ao menos por enquanto. A tese destas poucas pessoas era que, vendo o que aqueles slogans significavam na prática, o povo americano rejeitaria a política estatista – aquela mesma que vinha aceitando quando empurrada sob a marca “pró-mercado” do partido Republicano.
Esta tese me parecia otimista demais, mas eu estava errado. E como estava errado! O projeto do plano governamental de saúde ficou praticamente o ano todo em negociação e negociata no Congresso. Todo mundo queria proteger um interessezinho aqui, arrumar uma vantagenzinha ali – processo bem conhecido do brasileiro. E este tempo todo o partido Democrata tinha 60 votos no senado, exatamente a quantidade necessária para aprovar matéria por maioria absoluta.
E, ao longo de todo o trâmite do projeto a popularidade do mesmo (e do presidente) só fez cair. Quanto mais o americano era informado sobre essa solução messiânica para os problemas da saúde, menos lhe parecia uma boa idéia. Por fim, quando o partido Democrata tinha finalmente conseguido aprovar o projeto na Câmara e levá-lo ao Senado, quando tinha finalmente colocado cláusulas suficientes para “comprar” os 60 votos de seus próprios Senadores, Ted Kennedy morreu.
Ted Kennedy, senador pelo estado de Massachussets durante décadas, construiu grande parte de sua história política sobre a batalha pela implantação de um sistema de saúde público nos Estados Unidos. Massachussets é, provavelmente, o estado mais majoritariamente Democrata do país inteiro (o único que pode disputar é a Califórnia).
E acontece que nos EUA suplente de senador não cumpre o mandato – exerce apenas até se realizar uma eleição especial que promove um novo senador. E na eleição especial de Massachussets um (relativo) zé-ninguém Republicano concorreu com a seguinte plataforma: “Serei o 41º voto que vai barrar o plano de saúde do Obama”. E ganhou. Folgado. No estado mais Democrata do país.
Esta eleição colocou na cara do governo aquilo que as pesquisas de opinião já diziam há meses: a maior parte do povo americano não quer essa estrovenga. Mas a eleição de Scott Brown foi o gatilho. Foi o menino gritando “o rei está nu”. Linhas editoriais que até então só faziam engrandecer os feitos reais e imaginados de Obama e seu futuro brilhante, de uma semana para a outra passaram a ter chamadas como “Ainda não é o fim de Obama”.
E melhor: o eleitor americano está questionando também a política dos Republicanos. “Não queríamos Bush, mas não queríamos isso”. É uma grande oportunidade para que políticos sagazes promovam um retorno para os valores originais dos EUA: a liberdade e a responsabilidade individuais. Veremos se alguém se habilita a carregar esta bandeira.
Só demorou um ano para o americano perceber que elegendo Obama levou gato por lebre, mas não foi só essa a boa notícia de 2009. Em um evento que ainda não se determinou se foi promovido por “hackers” ou se foi um vazamento, um pacote de email e dados do Centro de Pesquisa do Clima (CRU) da Universidade de East Anglia foi publicado e ganhou o mundo.
Nos emails os principais cientistas deste, que é um dos três grandes centros de pesquisa que produzem a base científica para todo o movimento do Aquecimento Global discutem como manipular dados para gerar aquecimento, como esconder resfriamento, como impedir a publicação de artigos que contestam o Aquecimento Gobal e como evitar a publicação de seus próprios trabalhos – burlando inclusive as leis de transparência dos seus próprios governos.
No código fonte dos programas que geram o histórico global de temperaturas, um sem fim de ajustes. Esfriando o passado e esquentando o presente – sempre.
Esse escândalo, que ficou conhecido como “Climategate” não pára de render. Os céticos em relação ao Aquecimento Global, antes vistos como malucos proponentes de teorias da conspiração, finalmente passaram a ser tratados com a devida seriedade. E quanto mais se investiga o culto do Aquecimento Global mais se descobrem “ajustes”, “correções” e às vezes mentira deslavada – sempre a favor da idéia de que o homem está cozinhando o planeta.
Ainda vai demorar para a Míriam Leitão parar de proselitizar na Globo como se fosse fato concreto de que a ação humana está afetando o clima e vai destruir o mundo, mas lá fora o barco do Aquecimento Global está afundando – e os ratos já estão pulando fora. Mesmo porque o inverno deste ano no hemisfério norte está batendo recordes de frio – com direito a nevasca em Copenhague, durante a conferência do... Aquecimento Global! Aliás até o nome eles abandonaram, agora é “Mudanças Climáticas”...
Ainda vai demorar muito tempo para este assunto morrer de vez, e nós brasileiros que estamos acostumados a repetir os erros dos outros mesmo quando eles já os corrigiram ainda vamos ganhar legislação contra CO2 (obrigado José Serra!). Mas 2009 foi o ano da virada, em que a base do culto do Aquecimento Global foi dinamitada e o nível de ameaça dos que visam implantar o fascismo global através da legislação ambiental foi definitivamente reduzido.
O plano Obama de regulação de CO2, naturalmente, não tem a menor chance de passar no Congresso americano. Como também não passou o plano sindical. Criar mais uma ameaça ao empreendedor quando o país está com 10% de desemprego não é politicamente viável nos EUA...
Em resumo, onde 2009 começou com escuridão profunda – a socialização dos EUA e a cavalgada mundial do eco-fascismo do Aquecimento Global (digo, Mudanças Climáticas) – o ano fechou com as maiores esperanças.
2010 promete ser um ano interessante.
25 janeiro, 2010
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