25 outubro, 2007

Fome: Xico Graziano (Parte 1)

No Estadão de terça-feira passada (23/10/2007) Xico Graziano assina um artigo intitulado “O Paradoxo da Fome” que é uma ótima ilustração do que acontece quando se tenta construir uma tese abrangente sem entender as causas por trás das coisas que vemos.

O tema do artigo é a persistência da fome em nosso mundo industrializado, em que não há limitação de terra, tecnologia ou força de trabalho que justifique a falta de comida. Aliás, onde não há falta de comida – o mundo produz alimento suficiente para sustentar todos seus habitantes. Por algum motivo milhões ainda passam fome.

A fome resiste à modernidade. (...) 850 milhões de pessoas sofrem a privação de comida na mesa. Qual a razão desse drama insuportável?


Graziano inicia seu artigo com a pergunta – supostamente difícil – que se propõe a responder. Vale começar dando a resposta correta, o que confrontará de imediato a teia de considerações difusas de Graziano com uma observação racional da questão, muito evidente para quem compreende o princípio ético da produtividade e os fatos simples que o fundamentam.

Pode se observar que o homem, por natureza, é desprovido de todos os materiais dos quais necessita para viver. Tudo o que beneficia a vida do homem é criado através do esforço do homem. Ao ato de transformar o que existe na natureza em materiais úteis à vida do homem chamamos produção. Ao produto destas ações chamamos riqueza.

O ato produtivo pode ser extremamente simples, tal como andar até um rio e coletar água em uma jarra, e pode ser extremamente complexo, como toda a cadeia de ações que transforma terra e mato em automóveis.

Compreender este fato simples permite responder, sem margem para dúvida, a questão posta pelo artigo. Se há pessoas que passam fome, é porque há pessoas que não estão produzindo riqueza suficiente para sustentar sua própria vida. Só há três possibilidades. Estas pessoas são incapazes de produzir, não querem produzir, ou estão sendo impedidas de fazê-lo.

Mas não é a via da identificação racional de causas e conseqüências que Xico Graziano segue em seu artigo. De início ele faz uma “análise histórica”, em que propõe a tese de que com a industrialização européia a população se deslocou para as cidades – gerando falta de mão de obra no campo que resultou em falta de alimento.

Esta primeira digressão de Graziano contradiz fatos históricos. A industrialização européia foi acompanhada de uma abundância relativa de alimento, quando comparada com o período Feudal. Havia muita gente passando fome durante o período sim, porque havia muito menos gente morta de fome. A explosão populacional que ocorreu no período é evidência deste fato.

Crescimento populacional e a fome
O artigo cita então Thomas Malthus, autor da idéia de que a fome é um fenômeno inevitável, pois a população cresce mais rapidamente do que a produção de alimentos pode crescer. Curiosamente, embora reconheça que esta tese é falsa por ter sido “desmentida pela história”, o autor demonstra surpresa com o fato de que não faltou comida.

A surpresa de Graziano com o fato de que a produção agrícola “agüentou o tranco” do aumento vertiginoso da população mundial nesta nossa era industrial aponta qual a verdade simples que o autor ignora, impedindo-o de entender as reais causas dos fatos que observa.

Produção e aumento populacional não são coisas independentes. Há mais de 5 mil anos de história escrita da humanidade. Não é mera coincidência que a população humana no planeta permaneceu estável em algumas centenas de milhares ao longo de mais de dois milênios – para explodir até a casa dos bilhões em apenas três séculos.

Entre 1750 e hoje a população mundial se multiplicou em quase cem vezes. A produção agrícola não é algo que teve de “agüentar o tranco” desta explosão populacional – porque é uma das causas da explosão populacional. Por milhares de anos a morte pela fome foi o freio da expansão humana no planeta. A Revolução Industrial removeu este freio, a população explodiu.

A desigualdade como causa da fome
Já que não há falta de comida, a distribuição da comida que existe é a resposta que Graziano encontra para a persistência da fome no mundo. Ele corretamente identifica o fato de que no mundo de hoje não é preciso produzir comida para ter comida, pode-se produzir qualquer coisa e trocar por comida.

Se existe comida em abundância e se a economia mundial permite que se produza qualquer coisa para trocar por ela, fica ainda mais evidente que só pode existir fome se existir gente que não produz nada. Mas não é esta a resposta que Xico Graziano encontra. Segundo ele, “a desigualdade social, melhor que a falta de alimento, explica a terrível privação humana”.

Antes de explicar as verdadeiras causas da fome no mundo, é importante mostrar como é absurda esta conclusão. Preste atenção: Graziano não conclui que pessoas passam fome porque são pobres. Ele conclui que pessoas passam fome porque existem outras pessoas mais ricas que elas! Culpar a “desigualdade” pela fome significa acreditar que se todos fossemos tão pobres quanto os africanos a fome desapareceria!

A desigualdade nada mais é do que conseqüência natural do fato de que uns produzem mais que outros. Se Antônio Ermírio de Moraes produz mais que eu, isto não me impede de produzir o suficiente para me alimentar. A fome não é conseqüência da desigualdade, da “pobreza” relativa. A fome é conseqüência da improdutividade, da pobreza absoluta.