25 setembro, 2006

Pensando errado

O que caracteriza um argumento ou raciocínio inválido? Todo argumento inválido é baseado em um erro epistemológico. Este erro pode ser um engano, um erro honesto, ou a adoção intencional de princípios epistemológicos incorretos. Foi visto que a Epistemologia é fundamentada na Metafísica, alguém que opere com base em uma Metafísica irracional incorrerá naturalmente em erros epistemológicos.

O primeiro erro epistemológico, o mais fundamental, é a arbitrariedade. Um argumento ou tese que é proposto sem evidência em seu favor é arbitrário. Não está nem errado, é inválido e deve ser desconsiderado de imediato. Raramente a arbitrariedade é usada abertamente em uma discussão. A forma mais comum de mascarar a arbitrariedade é inverter o ônus da prova.

Inverter o ônus da prova consiste em oferecer como evidência de uma afirmação positiva a ausência de evidência contrária. Como visto em “O ônus da prova”, afirmações positivas requerem evidência positiva – ao se fazer uma afirmação sobre algum aspecto da realidade é necessário mostrar quais características da realidade levam àquela conclusão. O caso clássico deste erro epistemológico é argumentar a existência de deus dizendo “prove então que Deus não existe”. A inexistência não deixa evidência, o positivo é que precisa ser provado.

A inversão do ônus da prova às vezes não se apresenta explicitamente, o argumento pela ignorância é uma forma mascarada desta inversão. Mantendo o exemplo anterior, o argumento pela ignorância é “não temos provas que Deus existe mas não temos provas que ele não existe – portanto não sabemos”. O agnosticismo, portanto, é fundamentado em um erro epistemológico.

O argumento pela ignorância é natural quando se aceita a metafísica Idealista. A conseqüência epistemológica da tese de que é impossível conhecer a verdadeira realidade é a crença em “múltiplas verdades”. Daí para usar a ignorância como argumento é um passo natural. “O socialismo falhou na União Soviética mas nunca testamos aqui no Brasil, pode funcionar”.

O argumento pela ignorância também é um dos favoritos dos que aceitam a epistemologia da fé – que é possível encontrar alguma verdade simplesmente pela força de sua crença ou por iluminação divina: a verdade depositada diretamente em sua mente. Neste caso a ignorância é usada para delimitar onde se aplica a fé. “Não sabemos como o homem evoluiu, logo ele foi criado por Deus”. O formato “[ignorância] logo [arbitrariedade]” não se limita às discussões teológicas.

Outro erro epistemológico que decorre diretamente do Idealismo/Subjetivismo é o argumento pela popularidade. Como visto em “A verdade existe?” o Subjetivismo destrói totalmente o conceito “verdade” ao pregar que a realidade é intangível e que “cada um tem sua verdade e ninguém tem mais razão que o outro”. Se isto é aceito, a idéia de que a tese mais popular é a mais verdadeira segue naturalmente. O planeta Terra, no entanto, não passou a ser uma esfera apenas quando a maioria dos seres humanos passou a acreditar nisto.

Os erros listados até aqui são erros essenciais. São erros causados pela incompreensão ou perversão do que é conhecimento ou do que é a verdade e, portanto, são erros epistemológicos. Existem também erros de lógica. O erro epistemológico invalida o conhecimento como um todo, o erro de lógica é apenas uma aplicação incorreta do pensamento racional. Erros de lógica consistem em extrair conclusões inválidas de premissas válidas.

Um exemplo de erro de lógica é argumentar que correlação implica causalidade. A preocupação atual com o aquecimento global segue este padrão: “Seres humanos emitem gases estufa, o planeta está aquecendo, logo seres humanos são responsáveis pelo aquecimento do planeta”. A simples correlação entre a emissão humana de CO2 e o aumento de temperatura não é evidência de causalidade.

Esta é a característica do erro lógico: partir de premissas verdadeiras e chegar a uma conclusão que as premissas não sustentam. Um exemplo mais exagerado deste erro lógico é o seguinte: “Meu galo canta todas as manhãs antes do nascer do Sol, logo o canto do meu galo faz o Sol nascer”.

Outro exemplo de erro de lógica é o da amostra tendenciosa. Neste caso o erro é inferir uma generalidade com base em evidência de contexto restrito. Um exemplo seria: “Não conheço ninguém que vai votar no Lula, logo Lula vai perder a eleição”.

Além dos erros epistemológicos e dos erros de lógica existem argumentos que são inválidos exatamente por não oferecer um argumento. São exemplos:

Apelo à autoridade: consiste em usar como argumento o fato de que alguma pessoa ou entidade importante defende aquela posição. Por exemplo: “Einstein acreditava em Deus, quem é você para dizer que ele não existe?” ou “A ONU publicou um relatório assinado por centenas de cientistas afirmando que o aquecimento global é causado pelo homem”.

Ad hominem: consiste em atacar quem argumenta uma posição em vez de contra argumentar a posição em si. Por exemplo: “Quem é você para defender a ética? Você é ateu!”.

Apelo à emoção: consiste em evitar a discussão racional apelando para as emoções do interlocutor. Por exemplo: “A eliminação do assistencialismo deixaria muitas pessoas desamparadas! Pense nas crianças!”.

Argumento circular: consiste em assumir como premissa a conclusão que se está defendendo. Por exemplo: “Deus existe porque a Bíblia diz”, “Como você sabe que a Bíblia é verdadeira”, “Porque a Bíblia é a palavra de Deus”.

Além de todos estes erros existe um erro lógico-epistemológico que merece atenção especial. Este erro consiste em violar a hierarquia dos conceitos, ou seja, usar um argumento para negar algum conceito de que o próprio argumento oferecido depende. Este erro foi identificado por Ayn Rand, e chamado por ela de roubando o conceito. Alguns exemplos:

“Toda propriedade é roubo” – Pierre-Joseph Proudhon

Esta afirmação é um excelente exemplo do erro lógico-epistemológico citado. “Roubo” é um conceito, é definido como “a tomada da propriedade de outro contra sua vontade”. O conceito “roubo” depende hierarquicamente do conceito “propriedade”. Se não existe um direito à propriedade (como argumenta Proudhon) não pode existir roubo. O argumento rouba o conceito “roubo” – pois ao negar o conceito “propriedade” ele não pode usar conceitos que dependam dele.

“O oposto de uma afirmação verdadeira é uma afirmação falsa. Mas o oposto de uma verdade profunda pode muito bem ser outra verdade profunda.” – Niels Bohr

“Uma mentira repetida o suficiente torna se verdade.” – Lênin

Ambas estas afirmações roubam o conceito “verdade”. Bohr afirma que duas verdades podem ser opostas – logo não existe verdade alguma, logo seu argumento é irrelevante. Lênin afirma que a verdade é simplesmente o que as pessoas acreditam, logo a verdade não existe, logo seu argumento é irrelevante (a não ser que muitas pessoas acreditem nele?).

Conhecer estes erros é uma ferramenta fundamental para disciplinar o próprio pensamento, e uma arma contra os que os praticam – por ignorância ou por malícia.