30 junho, 2006

A realidade

Alguém que tentasse viver consistentemente pela precedência da consciência perceberia que isto é impossível. Ao sentir fome esta pessoa suplicaria a deus para que sua fome passasse, ou ficaria repetindo em sua mente “Não estou com fome, não estou com fome, não estou com fome” ou ainda sairia pelas ruas tentando convencer uma quantidade suficiente de outras pessoas que ela não está com fome. O resultado prático é que esta pessoa logo estaria morta.

Quando se busca comida para saciar a fome, o reconhecimento da existência como primária está implícito. Está implícito o reconhecimento de que seu corpo é real e que por sua natureza requer alimento, está implícito que para obter alimento é preciso agir e não apenas desejar.

A precedência da existência é a teoria metafísica pela qual a existência é primária. As coisas existem, a consciência é uma característica de certas coisas que existem. Existir é possuir identidade. Um tijolo existe, existe como tijolo e se comporta de acordo com sua identidade. Um tijolo não se transforma em uma abóbora, não se move sem ser empurrado, não escorre nem se mistura com o ar – não contraria sua identidade. A formulação de Aristóteles para a lei da identidade é simples e clara: A é A. Tudo o que existe possui identidade, não se poder ser uma coisa e ao mesmo tempo outra.

A primeira objeção que os místicos fazem é que as coisas se transformam. Um bloco de gelo derrete e se torna água, que evapora e se mistura com o ar. Esta objeção é, na verdade, um tributo à existência. A metafísica da existência não diz que as coisas precisam ser simples, nem que elas são imutáveis – a natureza da água é que ela se solidifica a uma certa temperatura e se liquefaz em outra, que ela quando sólida ocupa mais espaço que quando líquida, que ela é composta de certos átomos que se separam quando se faz passar por ela uma corrente elétrica. No entanto água é água. A água não se solidifica quando aquecida nem se torna opaca, não se transforma em ferro nem em um girassol, não é composta de hidrogênio e oxigênio hoje e de ferro e cálcio amanhã. A água sempre age de acordo com sua natureza: A é A.

Se tudo o que existe sempre age de acordo com sua natureza isto significa que toda transformação tem uma causa. Algo que se transformasse sem causa seria algo cuja natureza não possui identidade: pode nas mesmas condições ser A ou B. A causalidade é portanto conseqüência direta da identidade e conseqüência inseparável da existência.

A precedência da existência significa que se você deseja algum efeito, é preciso gerar suas causas. Se quer matar a fome tem que comer, se quer curar uma doença tem que eliminar sua causa.

Além de identificar a precedência da existência através da percepção direta, pode se demonstrar logicamente que esta é a teoria racional. A precedência da existência é axiomática. Um axioma é uma proposição que não pode ser negada. Para propor um argumento é preciso primeiro existir, negando assim qualquer argumento contra a precedência da existência de maneira irrefutável.