30 setembro, 2008

O remédio é mais veneno?

Ontem fracassou a tentativa de eliminar os efeitos dos profundos erros de investimentos cometidos pelos grandes bancos americanos pagando suas dívidas com 700 bilhões de dólares em dinheiro do governo.

Como esse dinheiro teria de ser arrecadado em impostos, tomado emprestado pelo governo (de quem, se está todo mundo quebrado?) ou inventado (o governo pode simplesmente imprimir dinheiro, não esqueçam!) o fracasso desse plano foi muito bom.

Ontem falhou a tentativa de fazer os outros pagarem por seus erros diretamente através de impostos (se os 700 bi viessem da arrecadação) ou inflação (que é o resultado do aumento do déficit do governo ou da invenção de dinheiro do nada).

Qual a idéia de hoje? Aumentar a parcela dos depósitos em banco que o governo americano garante através da FDIC - Federal Deposit Insurance Corporation. Em vez de 100.000 dólares, o governo pagaria 250.000 para cada correntista caso o banco falisse.

Genial, não é? A crise foi causada porque os bancos e agentes de empréstimos assumiram riscos demais emprestando para gente que não podia pagar. A solução proposta agora é aumentar a responsabilidade do governo em cobrir os riscos dos bancos.

Com a tranquilidade de que o governo salvará seu dinheiro em caso de falência, o investidor buscará riscos maiores ou menores? Isso vai diminuir ou aumentar os riscos assumidos pelos bancos?

Essas idéias idiotas vão continuar surgindo, uma atrás da outra. Como agora o fato de que o dinheiro do governo vai estar pagando pelos erros dos outros ficou mascarado, é capaz de esta ser aprovada.

O certo, nesse caso, seria fazer exatamente o contrário: cancelar todas as garantias governamentais FDIC para depósitos feitos a partir de hoje. Este seria um dos pontos de uma reforma financeira capaz de resolver o problema atual e garantir que não ocorra novamente a mesma coisa.

29 setembro, 2008

If only it would last...

Hoje foi um dia bom para o mundo. O congresso dos Estados Unidos se recusou por 228 votos a 205 a inventar 700 bilhões de dólares para pagar os prejuízos de quem apostou que o governo salvaria a todos quando o castelo de cartas do mercado imobiliário americano desmoronasse.

Onde mais nesse mundo moderno existe oposição real à intervenção governamental na economia? Ambos os partidos americanos estavam defendendo a medida - ela falhou porque muitos representantes a reconheceram como errada. A maioria deles do partido do próprio governo, e isso às vésperas da eleição presidencial.

Alguns pontos importantes sobre a atual crise:
  • Quem criou a podridão no mercado imobiliário foi o governo, através de programas sociais de habitação e de leis obrigando os bancos a emprestar para gente que tinha risco de não poder pagar;
  • A solução proposta é literalmente imprimir dinheiro para pagar as dívidas de quem foi irresponsável. Criar estes 700 bilhões do nada significa inflação. Na prática significa fazer os inocentes pagar pelos erros dos culpados.
A pena é que esta barreira à continuidade da irresponsabilidade governamental dificilmente vai durar no longo prazo. Pena porque o caminho mais direto para sair desta crise é simplesmente deixar falir e liquidar as instituições que apostaram que o governo as salvaria se corressem riscos extraordinários.


26 setembro, 2008

Propriedade Intelectual

De uma resposta minha em um fórum de discussão:

A garantia da propriedade intelectual é tão essencial para a liberdade quanto a garantia da propriedade material.

O ser humano vive da razão. Se o produto da razão não é propriedade de quem o criou, não se garante ao homem seu meio de sobrevivência - garante se ao homem apenas o meio de sobrevivência dos animais, que é o esforço físico.

Os chamados anarco-capitalistas são contra a defesa da propriedade intelectual sob o pretexto de que um homem não tem o direito de impedir outro de usar sua propriedade (material) da maneira que bem entende.

O furo deste argumento é que a ação humana não depende apenas de músculo e matéria. Quando eu invento algo que não existia antes, você não perde o direito de fazer nada com sua propriedade que fosse capaz de fazer antes. Você não era capaz de fazer o que inventei (por que você não sabia), e continua não sendo - a não ser com minha permissão.

Os dois argumentos que restam são "mas eu poderia inventar um dia" e "mas eu posso ter inventado independentemente".

Em relação ao primeiro, o que o argumento propõe é violar o direito do inventor real em nome de um inventor imaginário. A mesma lógica aplicada ao mundo material levaria a invalidar toda a propriedade, pois se o fato de que outra pessoa poderia ter construído a casa que eu construí invalida meu direito de propriedade sobre ela, simplesmente não existe direito de propriedade.

O segundo é mais simples. Um sistema legítimo de proteção de propriedade intelectual lhe permite adquirir o direito a uma idéia já existente - se você for capaz de provar que a inventou independentemente (ou primeiro).

A forma como a propriedade intelectual é controlada hoje é alvo válido para muito questionamento, isto é certo.

22 setembro, 2008

Capitalismo e Monopólio 2

Uma discussão com colegas acabou produzindo o texto que segue, que oferece outra organização ao argumento já apresentado em Capitalismo e Monopólio.

No Capitalismo monopólios abusivos não existem.

Vou suportar esta assertiva com duas linhas de raciocínio. A primeira, essencial, é ética e política. A segunda é econômica. Ética e política nos permitem discutir sobre como as coisas devem ser, a economia só nos ajuda a entender como as coisas são ou como seriam em um dado cenário político alternativo. A economia por si só não permite juízo de valor. Uma distinção que merece toda uma discussão à parte.

1. O que exatamente significa abusivo?
Do ponto de vista da política racional, derivada da ética de igual natureza, a única ação passível de represália violenta (ou seja, pela força) é aquela que viola a vida, a propriedade ou (através de ameaça a estas) a liberdade de um indivíduo. A natureza do governo é o uso da força, daí sua ação legítima ser limitada à defesa destes direitos.

Do ponto de vista ético e político, portanto, um monopólio abusivo é um monopólio baseado na violação dos direitos à vida, propriedade ou ameaça a eles, ou ainda um monopólio que em sua ação viole estes direitos.

Há inúmeros monopólios abusivos no mundo real. Sua esmagadora maioria são monopólios estabelecidos e mantidos com a bênção do governo, afinal nos países ditos livres (e não estamos interessados em debater a economia sob ditadura) o governo se permite violar estes direitos mas (em geral) não permite que outros o façam sem sua permissão expressa. Os restantes são aqueles que se aproveitam de brechas (ou verdadeiros rombos) nas leis que protegem a propriedade privada.

* Monopólio governamental explícito, onde o governo simplesmente proíbe a entrada de concorrentes no mercado. Em geral a empresa monopolista é uma estatal. Um exemplo é a antiga Telebrás.

* Monopólio governamental disfarçado, onde o governo mantém o controle efetivo da empresa monopolista e impõe restrições que impedem na prática (embora permitam em teoria) a entrada de concorrentes no mercado. As restrições podem ser de natureza regulatória (barreiras burocráticas) ou comercial (a estatal pratica preços abaixo do mercado financiada pela arrecadação governamental de impostos). Um exemplo é a atual Petrobrás.

* Monopólio ilegal, onde um grupo criminoso impõe um monopólio afrontando as leis oficiais do país que protegem a vida e a propriedade. Um exemplo é o fornecimento de água, eletricidade e gás nas favelas do Rio de Janeiro, onde os traficantes definem quem pode prestar os serviços e impõe tarifas à população sob ameaça à vida.

* Monopólio legal não governamental, onde um grupo monopoliza um bem ou serviço explorando erros, inconsistências ou até mecanismos intencionais da lei que violam os direitos individuais do indivíduo. Um exemplo são os sindicatos no Brasil, onde todo trabalhador é obrigado a ser representado e financiar um sindicato (violado seu direito à propriedade e à liberdade) e onde uma empresa não tem o direito de demitir o funcionário que opta por não trabalhar (violado seu direito à propriedade).

Num regime Capitalista não existe monopólio abusivo no sentido ético político por definição, afinal a definição de Capitalismo é "a organização econômica que resulta quando são assegurados os direitos individuais de todos os indivíduos". No Capitalismo nem o governo nem indivíduos nem organizações têm permissão para violar estes direitos.

2. No Capitalismo um monopólio não consegue margem de lucro acima da média do mercado de capitais passivamente
Para a análise do ponto de vista econômico vou usar três premissas:

2.1 Produtos e serviços são infinitamente substitutíveis
Sim, todos precisamos respirar oxigênio e consumir água em alguma forma. No nível biológico mais fundamental há coisas que não tem substituto. Do ponto de vista econômico, no entanto, pode-se dizer que todo produto ou serviço é substitutível.

Todos precisamos consumir água todos os dias, no entanto se o produto água encanada se torna caro, substituímos por água engarrafada. Se esta está cara tomamos suco, ou refrigerante, ou cerveja. Para monopolizar um produto tão essencial como a água, seria preciso ser dono de todas as minas, rios, mar e céus da região de interesse. E quanto menos essencial o produto, mais substitutível.

2.2 Empresários e investidores não são idiotas
Quando um setor da economia apresenta lucros acima da média do mercado de capitais, atrai investimentos. Um setor que por alguma circunstância tenha uma empresa em situação de monopólio atrairá novos concorrentes caso manifeste lucros acima da média.

É claro que muitos setores têm barreiras de entrada, tecnológicas ou mesmo físicas. Estas se traduzem, no fundo, em um aumento no volume de capital necessário para entrar efetivamente no mercado. A empresa estabelecida tem esta vantagem por ter investido este capital no passado.

2.3 As pessoas não são idiotas
As pessoas não são oniscientes nem agem racionalmente o tempo todo mas somos todos indivíduos capazes de exercer a razão e, no longo prazo, tendemos a fazê-lo. Isto inclui quem não possui educação formal alguma. Isto significa que os mercados não reagem imediatamente às ações dos agentes econômicos, mas sempre reagem.

A maior parte das propostas de intervenção governamental na economia por parte de gente bem intencionada são feitas a título de proteger as pessoas de sua própria ignorância. Embora exista muita gente ignorante no mundo, cada uma destas pessoas continua sendo a pessoa mais apta a julgar o que é bom ou ruim para si - pois nós teóricos ou governantes não temos como conhecer as circunstâncias individuais da vida de cada um.

Esta com certeza é a premissa mais controversa dentre as três. O intervencionismo está calcado fortemente na premissa fundamental queas pessoas são idiotas e que o interventor precisa protegê-las de si mesmas. Esta é uma posição incrivelmente arrogante de se tomar e raramente é reconhecida por aqueles que a assumem como premissa.

Conclusão
No Capitalismo o monopólio abusivo do ponto de vista ético e político é impossível, pois governo e indivíduos são proibidos de violar os direitos individuais do cidadão. Os governos que interferem na economia são os criadores de praticamente todos os monopólios abusivos que existem.

No Capitalismo é impossível sustentar um monopólio que dê retorno acima do mercado. Se a lucratividade é alta, o mercado de capitais financia novos concorrentes, se os preços são altos o mercado consumidor migra para produtos substitutos.

Em um mercado livre uma empresa monopolista está permanentemente ameaçada pelo mercado de capitais e em permanente concorrência com com todas as empresas que oferecem produtos ou serviços alternativos aos seus.

É possível sim sustentar um monopólio no Capitalismo. Isto se faz mantendo preços tais que a taxa de retorno seja próxima àquela obtida no mercado de capitais ou através da constante inovação e melhoria dos produtos oferecidos.

São respectivamente o monopólio por eficiência com o qual ninguém tenta concorrer pois não obteria lucros acima daqueles que se pode obter em outros setores, e o monopólio por excelência com quem ninguém consegue concorrer por estarem sempre um ou mais passos atrás no valor dos produtos oferecidos.

Um exemplo de monopólio por eficiência foi a Standard Oil nos EUA, que reduziu o preço de produtos refinados de petróleo em cerca de 80% nos dez anos entre 1864 e 1874, enquanto comprava todos seus concorrentes e tinha os lucros fabulosos que fizeram a fortuna lendária de John D. Rockefeller.

Um exemplo de monopólio por excelência é o domínio atual da Google sobre o mercado de busca na Internet.

11 setembro, 2008

Consertando a infra-estrutura

A filosofia baseada na razão e a história comprovam que a prosperidade é resultado da liberdade individual. Colocar em prática a política liberal capitalista em um país viciado no poder do estado, no entanto, não é coisa simples.

A série “Consertando o Brasil” apresenta propostas sobre como partir do Brasil de hoje e chegar ao Brasil que todos dizem que gostariam de ver, detalhes sobre a abordagem e o propósito destes artigos estão na Introdução à série.

Infra-estrutura
O termo infra-estrutura é usado de forma muito abrangente. Refere-se a estradas, ferrovias, canais, portos, aeroportos, ruas, ônibus e trens urbanos, água e esgoto, energia elétrica, telefonia entre outros bens e serviços. Recentemente o serviço de conexão à Internet passou a ser tratado como infra-estrutura.

Dado que nenhum político, analista ou acadêmico se dá o trabalho de definir o que exatamente quer dizer com infra-estrutura, podemos abstrair dos exemplos o conceito que usam: chamam de infra-estrutura todo e qualquer bem ou serviço usado por muita gente, ou nos termos em que costumam se expressar, tudo aquilo de que muita gente precisa.

Todos os bens e serviços listados acima, bem como os demais bens e serviços chamados de infra-estrutura, são bens e serviços como quaisquer outros. Mais importante, são produtos. Produto é tudo aquilo que resulta da ação produtiva do homem, coisas que não existem prontas na natureza, coisas que alguém precisa criar através do trabalho.

Não há nada de especial nos produtos e serviços ditos de infra-estrutura. No passado recente cada um deles foi inventado, criado, produzido. Até então se vivia sem eles. Inicialmente eram um luxo, com muito investimento e desenvolvimento se tornaram acessíveis à população em geral, por fim passaram a ser comuns a ponto de serem considerados necessários.

Na lógica que prevalece no meio político, acadêmico e na mídia brasileira três grandes falácias deturpam o entendimento dos bens e serviços de infra-estrutura. Primeiro, que por alguém precisar de algo tem direito a tê-lo. Segundo, que o controle do governo é a melhor forma de garantir a disponibilidade de um bem ou serviço essencial. Terceiro, que sem o policiamento do governo os fornecedores destes bens e serviços se tornariam monopólios opressivos.

Como é a infra-estrutura no Brasil de hoje
A infra-estrutura no Brasil reflete décadas de governos que operam segundo as três falácias citadas.

Por acharem que a necessidade gera um direito, os governos brasileiros gastaram e continuam gastando fortunas arrecadadas em impostos para levar ruas asfaltadas, água, esgoto, energia elétrica e inúmeros outros serviços a todos. Inclusive àqueles que por opção vivem em locais isolados e àqueles que ocupam ilegalmente propriedades de outros.

Por acharem que o controle governamental é a única forma de garantir a existência de um serviço essencial, os governos brasileiros criaram empresas estatais para prover estes serviços. Como as estatais não conseguem competir com empresas privadas, garantiram a estas empresas monopólio sobre suas atividades.

Por acharem que sem o policiamento governamental empresas provedoras de bens ou serviços de infra-estrutura se tornariam monopólios opressivos, os governos brasileiros regulamentam pesadamente todas estas atividades. Definem as características dos produtos, a maneira como são comercializados, impõe controles de preço e fecham o mercado através de sistemas de concessão.

Cada uma destas ações viola os direitos individuais de cidadãos brasileiros. Cada uma delas tem conseqüências negativas diretas e indiretas.

Quando o governo provê bens ou serviços de infra-estrutura com dinheiro arrecadado através de impostos, viola o direito de propriedade do cidadão tributado. Isto causa diretamente uma diminuição do incentivo ao trabalho e à produtividade, afinal quanto mais se produz mais se paga em impostos – e é muito mais fácil simplesmente se acomodar e reclamar que o governo não lhe provê aquilo que você precisa.

Indiretamente, prover infra-estrutura gratuitamente (paga por impostos) bloqueia o investimento privado no setor. Os mercados de infra-estrutura tipicamente demandam grandes investimentos iniciais, e têm retorno ao longo de muitos anos ou muitas décadas. Nenhum investidor privado arriscará seu dinheiro se tiver de concorrer com os serviços aparentemente gratuitos do governo.

Quando o governo toma para si uma atividade, através de monopólio estatal, o governo viola o direito de propriedade e o direito à liberdade do cidadão. Com que legitimidade, por exemplo, o governo brasileiro proíbe um cidadão supostamente livre de montar um serviço de entrega de cartas? De extrair petróleo que ele mesmo encontrou em sua propriedade?

O monopólio estatal proíbe cidadãos livres de produzirem livremente, ou de usarem sua propriedade da forma que lhe parece mais produtiva. No lugar da livre iniciativa o monopólio estatal cria uma empresa que não precisa lucrar e não precisa agradar ao cliente. Esta não é a receita para garantir a disponibilidade de produtos ou serviços.

Quando o governo regulamenta uma atividade econômica, impondo condições e limites à atividade das pessoas e empresas, viola o direito à propriedade e à liberdade do cidadão. Com que legitimidade o governo proíbe que um cidadão venda um pão que ele mesmo fez por unidade, e não por quilo? Com que legitimidade estabelece os preços pelos quais um cidadão livre pode vender seus bens ou prestar serviços?

A regulamentação e os sistemas de concessão conspiram para diminuir os incentivos ao investimento e à inovação. Fazem com que as pessoas e empresas se dediquem a prover o mínimo permitido pela lei ao menor custo possível, em vez de buscarem o máximo de produtividade.

O efeito combinado deste verdadeiro arsenal de políticas erradas é a realidade atual da infra-estrutura brasileira. Os serviços de infra-estrutura são cronicamente deficientes em disponibilidade e qualidade, o volume de investimentos do governo nunca é suficiente, o investimento privado no setor não aparece apesar da demanda evidente.

Como deveria ser a infra-estrutura
Produtos e serviços de infra-estrutura, como qualquer outro produto, deveriam ser produzidos, comercializados e consumidos livremente sem qualquer intervenção do governo.

Embora estes serviços e produtos sejam muito desejáveis, até indispensáveis para a maneira que desejamos viver, não são direitos de ninguém. Como tudo que precisa ser produzido, pertencem a quem produziu por virtude de resultarem de seu esforço. Quem cria estes bens tem o direito de oferecê-los pelo preço e nas condições que quiser, e os demais cidadãos tem a liberdade de escolher se aceitam ou não estes termos.

O governo não deve tentar prover estes bens ou serviços gratuitamente simplesmente porque é impossível. Como só existem como resultado do trabalho de alguém, estes produtos têm um preço. Não há mágica que os faça tornarem-se gratuitos. O que o governo faz, tomar riqueza de uns com impostos para pagar serviços para outros, é apenas isso: roubo seguido de esmola.

Finalmente, o governo não deve tentar controlar o que é produzido, como é comercializado nem a que preço. O governo não sabe qual é o melhor produto, quem sabe é o cidadão que o consome. O governo não sabe a melhor forma de comercializar produtos, quem sabe é a empresa que vende e o cliente que compra. O governo não sabe quanto vale um bem ou serviço, quem sabe é o comprador.

Quando o mercado é livre, as pessoas só compram aquilo que vale o seu preço. Quando o governo interfere, as pessoas não têm escolha. Os impostos são cobrados gostando se ou não dos serviços que o governo oferece. O cidadão nem tem a oportunidade de conhecer alternativas, pois elas não são nem inventadas quando a regulamentação especifica como tudo deve ser.

A barreira da dependência material estabelecida
Praticamente todos os brasileiros são usuários de serviços de infra-estrutura governamentais ou providos por empresas estatais. Felizmente, estes serviços em sua maioria já não são gratuitos, embora muitos sejam significativamente subsidiados.

A vantagem é que as pessoas já estão acostumadas a pagar pela maioria dos serviços que consomem. Interromper a interferência do governo nas diversas indústrias de infra-estrutura, portanto, significaria um impacto menor em termos de dependência quando comparado com a desestatização da educação ou saúde.

A barreira da viabilidade política
A ilusão de que sem a ação do governo não haveria ruas, estradas, portos nem aeroportos, ou que na ausência de regulamentação as empresas passariam a cobrar fortunas por água ou eletricidade é prevalente. A esta ilusão se soma o engodo de que uma rodovia ou usina hidrelétrica governamental pertence a todos.

A barreira da viabilidade política, no caso da infra-estrutura, é a resistência de milhões de pessoas que há décadas ouvem estas mentiras diariamente na TV, e constantemente em época de eleições. A liberalização destes mercados seria certamente chamada de entreguismo.

A barreira da máquina governamental
A máquina governamental seria uma barreira enorme ao fim da interferência do governo na indústria de infra-estrutura.

* Elimina o ministério e secretarias dos transportes em todas as esferas de governo;
* Elimina o ministério das comunicações;
* Elimina o ministério das minas e energia;
* Elimina inúmeras agências reguladoras;
* Desestatiza inúmeras empresas.

Estes fatores indicam que se pode esperar a oposição de:

* Burocratas dos diversos ministérios e secretarias afetados;
* Diretores e funcionários de agências reguladoras;
* Diretores e funcionários de empresas estatais;
* Políticos que usam cargos em ministérios, secretarias, agências e estatais como moeda de troca;
* Políticos que usam a legislação e as agências reguladoras para extrair benefícios das empresas privadas;
* Partidos políticos que derivam recursos ou apoio de sindicatos de funcionários do governo.

É preciso evitar ou superar esta oposição.

A barreira da cultura do estatismo
A cultura do estatismo torna a liberalização da indústria de infra-estrutura impopular. Se alguém não tem água encanada, acha que o governo tem de levar água até sua casa. Se pega congestionamento, acha que o governo tem de construir mais ruas ou metrô. Se o avião atrasa, o governo tem de proibir atraso. Se o banco tem fila, o governo tem de proibir a fila.

No Brasil o governo é visto como a solução para todas as dificuldades. Na verdade, o governo é a causa da maioria das dificuldades brasileiras. É preciso vender a liberdade, mostrar que funciona.

Uma proposta para consertar a infra-estrutura no Brasil
Já houve no Brasil muita abertura de setores de infra-estrutura ao mercado. Os governos Collor e FHC realizaram significativas reduções na interferência governamental eliminando diversos monopólios estatais e empresas controladas pelo governo. O governo Lula, embora tenha patrocinado algumas medidas liberalizantes, reverteu esta tendência. Há um claro viés estatizante em sua política.

As medidas liberalizantes do passado recente são as responsáveis pelos saltos qualitativos que o Brasil experimentou em algumas áreas de infra-estrutura. Após o fim do sistema Telebrás estatal, a telefonia ficou melhor, mais barata e muito mais difundida.

Por mais que se reclame do atendimento ao cliente das empresas de telefonia, é preciso reconhecer que muita gente que hoje tem telefone em casa e telefone celular não poderia nem sonhar com tal privilégio nas condições de meros 15 anos atrás.

Embora haja casos similares de sucesso nas mais diversas áreas com benefício inegável para os trabalhadores, investidores e clientes das mais variadas indústrias, a privatização continua sendo denunciada como um atentado contra o país e contra o cidadão.

Esta visão está errada triplamente. Primeiro porque o que foi feito no Brasil (com raras exceções) não foi privatização, mas apenas concessão. Concessão não é privatização. Em segundo lugar porque o chamado bem público não é propriedade de todos os cidadãos. Pelo contrário, é propriedade do governo e, portanto, é tratado pelos governantes como se lhes pertencesse. Finalmente porque ao se vender algo, se recebe algo em troca.

A proposta para consertar a infra-estrutura no Brasil é simples conceitualmente, mas requer aplicação individualizada a cada setor. Trata-se de:

Eliminação de toda a regulamentação imposta ao setor
* Aprovações governamentais requeridas para a realização de obras e empreendimentos;
* Normas técnicas impostas por força de lei;
* Características obrigatórias dos produtos ou serviços;
* Condições obrigatórias ou restrições à forma de comercialização;
* Obrigatoriedade da prestação do serviço;
* Controles de preço, incluindo mínimos (leis anti-dumping) e máximos.

Esta medida é baseada no respeito ao direito de propriedade, reconhecendo que o proprietário tem o direito de dispor de seus bens da forma que quiser sem para tanto pedir permissão ao governo. Reconhece que transações comerciais são por comum acordo e como tal também não dependem da aprovação do governo.

A proteção ambiental de áreas próximas a obras ou empreendimentos de infra-estrutura continua assegurada pelas leis que punem o dano à propriedade alheia.

A proteção do cliente ou usuário contra práticas danosas ou produtos que oferecem risco continua assegurada pelas leis que punem a negligência, imperícia e imprudência por parte do provedor do bem ou serviço.

A proteção do cliente ou usuário contra produtos de baixa qualidade ou que não cumprem o prometido explicitamente em contrato ou implicitamente em propaganda continua assegurada pelas leis que punem a fraude e propaganda enganosa.

Abertura do setor ao capital estrangeiro
* Eliminação de qualquer restrição quanto à quantidade de capital estrangeiro no setor;
* Eliminação de qualquer restrição quanto ao controle de empresas locais por estrangeiros;
* Respeito integral do direito de propriedade do estrangeiro.

Esta medida é baseada no respeito ao direito de propriedade, reconhecendo que o estrangeiro tem os mesmos direitos individuais que o cidadão. Reconhece que os direitos à vida, liberdade e propriedade não decorrem da nacionalidade e sim apenas da natureza dos indivíduos racionais.

A segurança dos interesses estratégicos do país é assegurada pelo simples fato de que não se pode levar uma estrada ou uma usina elétrica embora para o exterior – mesmo que o dono seja estrangeiro. As empresas e obras de infra-estrutura continuariam a ser constituídas e operadas por brasileiros.

Eliminação de todas as concessões e propriedades governamentais
* Leilão da propriedade sob concessão com transferência efetiva da propriedade ao comprador ao fim do atual período de concessão;
* Leilão das propriedades governamentais pertinentes ao setor com transferência efetiva da propriedade ao comprador.

Esta medida é baseada no respeito ao direito de propriedade, reconhecendo que o governo é soberano sobre o país, mas não é proprietário do país.

Soberania é a característica de deter o monopólio legal sobre o uso da força, sua legitimidade decorre do uso desta força para a proteção dos direitos individuais e é reconhecida pelo consentimento dos governados.

Propriedade é a característica de deter o direito exclusivo de uso sobre algo, sua legitimidade decorre do ato de criar a propriedade ou torná-la utilizável. Propriedade é criada pelos cidadãos e protegida pelo governo, não é criada pelo governo e não é concedida aos cidadãos pelo governo.

Como a propriedade governamental resulta do confisco da propriedade de cidadãos através de impostos no passado, é correto usar os recursos obtidos ao leiloar esta propriedade para reduzir a dívida acumulada pelo governo, que do contrário teria de ser paga com recursos provenientes de impostos futuros.

Com a eliminação das obrigações da regulamentação e das regras de concessão, combinada à eliminação de todas as barreiras de entrada aos mercados de infra-estrutura, em vez de prestar o serviço mínimo exigido por lei, as empresas teriam de prestar o melhor serviço que pudessem – ao risco de perder seus clientes para um concorrente novo ou estabelecido.

Privatização real de todas as empresas estatais do setor
* Transferência efetiva da propriedade ao comprador.

Esta medida é baseada no reconhecimento da natureza e propósito do governo. O governo é caracterizado pelo uso da força, e sua ação legítima se restringe àquilo em que é legítimo usar a força: a defesa contra agressão.

Como a propriedade governamental resulta do confisco da propriedade de cidadãos através de impostos no passado, é correto usar os recursos obtidos ao leiloar estas empresas para reduzir a dívida acumulada pelo governo, que do contrário teria de ser paga com recursos provenientes de impostos futuros.

Resultado global
Este conjunto de medidas retira do governo a propriedade sobre as grandes indústrias e obras de infra-estrutura do país. Elimina também os mecanismos pelos quais o governo é capaz de impedir ou interferir na criação e comercialização de produtos e serviços de infra-estrutura.

Tirar estes poderes do governo resulta em uma redução muito significativa do potencial para corrupção. Se o governo não tem o poder de impedir a livre ação produtiva de cidadãos e empresas, não há motivo para corromper governantes. É o fim das obras superfaturadas, das licitações compradas, da regulamentação a serviço de interesses privados.

Livres do risco da interferência governamental, dos impedimentos legais e dos processos burocráticos intermináveis e tendo garantido seu direito de cobrar os preços que garantem rentabilidade, os investidores privados levariam aos setores de infra-estrutura um volume de capital muito além do atual. O livre acesso de indivíduos e empresas estrangeiras ao investimento em infra-estrutura no país traria um volume ainda maior de recursos.

O mercado internacional de capitais combinado à existência de empresas estrangeiras especializadas nos diversos setores seria um impedimento natural ao surgimento de monopólios opressivos no Brasil. Um setor que tendesse ao monopólio com aumento expressivo de rentabilidade devido a altos preços atrairia novos concorrentes estrangeiros à atuação no Brasil.

Vencendo a dependência material estabelecida
Os serviços e produtos de infra-estrutura no Brasil, com raras exceções, não são gratuitos. Isto é muito bom, pois não é preciso vencer a barreira psicológica de passar a pagar por algo que antes aparentava ser gratuito (como ocorre com serviços de saúde e educação, por exemplo).

É possível, no entanto, que certos produtos e serviços que são oferecidos por obrigação imposta via regulamentação ou subsidiados pelo governo deixem de ser oferecidos ou apresentem um aumento de preço.

Como se observou na telefonia após a desestatização, a expectativa é que rapidamente a abertura dos diversos setores provoque um aumento do investimento e conseqüente melhoria e diversificação dos produtos. A tendência de longo prazo é a queda de preço, popularizando os produtos e serviços.

Vencendo a inviabilidade política
O caminho para vencer a inviabilidade política é uma forte campanha informando a população sobre as ações tomadas e os pontos positivos associados.

Em particular, a má qualidade dos serviços prestados pelo governo e estatais e a propensão destes a se tornarem foco de corrupção e maquinação política são pontos importantes a usar em favor da liberalização.

O volume de recursos arrecadado e conseqüente abatimento da dívida, se associado a uma redução de impostos equivalente, pode ser outro bom argumento.

Vencendo a máquina governamental
A oposição a estas medidas por parte de políticos e grupos de pressão que vivem de parasitar as obras e administração governamental seria realmente extrema. Seria verdadeiramente uma luta pela sobrevivência – a sobrevivência de um modelo de estado interventor e corrupto.

A única arma contra esta oposição é uma pressão massiva da opinião pública, maior até do que aquela exercida contra a renovação da CPMF no fim de 2007. Construir este apoio popular é um desafio de comunicação, como já comentado.

Vencendo a cultura do estatismo
Uma reforma como a proposta demora anos para mostrar resultados, no entanto haverá casos em que os resultados sejam mais imediatos. O esforço de comunicação associado à reforma deve identificar os benefícios nos diversos setores logo que eles se tornarem aparentes, e trazê-los à atenção da mídia e da população.

Os brasileiros precisam de tempo e de exemplos para se acostumarem coma idéia de que eles é que são responsáveis por resolver seus problemas.

Notas:
Este artigo poderá ser extensamente alterado, para incorporar novas idéias minhas, sugestões de leitores ou para endereçar críticas que venham a ser feitas.
Este artigo usa extensamente termos como “estrada governamental”. Isto é proposital e visa enfatizar o fato de que os serviços de infra-estrutura providos pelo governo não são “públicos” – têm pagantes e beneficiários específicos e distintos, não beneficiam a todos na medida que pagam por estes serviços nem estão à disposição de todos para usar como bem entendem.